Novas alternativas: o regime de responsabilidade civil solidária entre o provedor de aplicações e o autor do conteúdo ofensivo

AutorJoão Quinelato de Queiroz
Páginas181-233
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Capítulo 4
NOVAS ALTERNATIVAS: O REGIME DE
RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA
ENTRE O PROVEDOR DE APLICAÇÕES E O
AUTOR DO CONTEÚDO OFENSIVO
O regime de responsabilidade subjetiva do provedor
de aplicações instituído pelo Marco Civil, como se viu, não
tutela de forma adequada os danos sofridos pelos usuários no
ambiente digital. Seja pela exigência da intervenção judicial
para a retirada de conteúdos ofensivos, seja pela equivocada
prevalência da tutela da liberdade de expressão em detrimento
de demais princípios constitucionais ou, ainda, seja pela
exigência de URL específica para indicação da localização do
material ofensivo, trata-se de um regime de responsabilidade
civil que, além de inconstitucional, está a desserviço da tarefa
árdua mas ineliminável de oferecer a máxima garantia à
pessoa humana e a proteção adequada aos direitos da
personalidade.233
Cuida-se verdadeiramente de um sistema que não se
atenta à injustiça do dano sofrido pela vítima na internet, mas,
sim, de um sistema voltado ao ofensor o provedor de
233 “Em sede de responsabilidade civil, e, mais especificamente, de dano
moral, o objetivo a ser perseguido é oferecer a máxima garantia à pessoa
humana, com prioridade, em toda e qualquer situação da vida social em que
algum aspecto de sua personalidade esteja sob ameaça ou tenha sido
lesado”. (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana,
cit., p. 182).
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aplicações , sistemática com a qual a legalidade
constitucional não pode comungar. Na lição de Maria Celina
Bodin de Moraes, estando a pessoa humana posta na cimeira
do ordenamento, não será razoável que a vítima suporte
agressões injustas, as quais, em razão da consciência coletiva
que a vítima sofreu injustamente tais danos, merece ser
reparada.234
Os novos contornos assumidos pela responsabilidade
civil revelam que, além de voltar-se à vítima e não mais ao
ofensor, a responsabilidade civil passa a atuar
majoritariamente em favor da função reparatória e, ainda que
com certa divergência doutrinária, a favor das suas funções
punitiva e precaucional, conforme magistério de Nelson
Rosenvald:
Cremos que direito brasileir o do
alvorecer do Século XXI, a conjunção
dessas orientações permite o
estabelecimento de funções para a
responsabilida de civil: (1) Função
reparatória: a clá ssica função de
transferência dos danos do patr imônio
do lesante ao lesado como forma de
reequilíbrio patrimonial; (2) Função
punitiva: senão consistente na aplicação
de uma pena civil ao ofensor como forma
de desestímulo de comportamento
reprováveis; (3) Função precaucional:
234 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana, cit., p.
179-180.
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possui o objetivo de inibir a tividades
potencialmente danosas.”235
O estudo dos novos contornos da responsabilidade
civil devem levar em conta que a insuficiência da obrigação
de indenizar já que limitada pelo dano à indenização não
desincentiva a violação do direito nem a prática da conduta
ilícita e culposa pode levar o intérprete a considerar a
controversa função punitiva da responsabilidade civil.236
235 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilida de civil, cit, p. 95.
Para Paura Meira Lourenço, o duplo caráter reparador e punitivo influencia
marcadamente o direito civil moderno. Assim entende a j urista lusa
Indagar da funç̃o punitiva da responsabilidade civil, numa época em que
se assiste à objectivação da responsabilidade civil, socialização do dano,
sando maior a preocupação com o ressarcimento do lesado, e colocando-se
num plano secundário a responsabilização do lesante, pode p arecer um
anacronismo’, ou uma ideia retrógrada. No entanto, parece-nos que a
socialização do dano agudiza o interesse pela investigação de outras
funções da responsabilidade civil, pois a absorção da função reparatória
deste instituto de Direito Civil por sistemas de garantia acaba por colocar
em risco a sua subsistência, caso se entenda que a responsabilidade civil
depende em exclusivo, do escopo ressarcitório”. (LOURENÇO, Paula
Meira. A função punitiva da responsabilidade civil Coimbra: Coimbra
Editora, 2006, p. 16).
236 Para Maria Celina Bodin de Moraes, o Código Civil de 2002, assim
como o Código Civil de 1916, não determinou que a indenização fosse
medida pelo grau de culpa do agente tampouco impôs função punitiva à
responsabilidade civil. Ao tratar do caráter punitivo da responsabilidade
civil, a autora entende que o sistema traz mais problemas do que soluções:
Nosso sistema não deve adotá-lo, entre outras razões, para: evitar a
chamada loteria forense; impedir ou diminuir a insegurança e a
imprevisibilidade das decisões judiciais; inibir a tendência hoje alastradiça
da mercantilização das relações existenciais”. (BODIN DE MORAES,
Maria Celina. Danos ̀ pessoa humana , cit., p. 328). No mesmo sentido,
entende Gisela Sampaio da Cruz: O caráter punitivo não se coaduna com
o sistema brasileiro de responsabilidade civil por diversas razões. Em
primeiro lugar, porque, do ponto de vista legislativo, não há dispositivos no

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