A responsabilidade civil do provedor de aplicações no marco civil: o artigo 19 e seu retrocesso à luz da pessoa

AutorJoão Quinelato de Queiroz
Páginas113-179
113
Capítulo 3
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO
PROVEDOR NO MARCO CIVIL DA
INTERNET: O ARTIGO 19 DO MARCO CIVIL
DA INTERNETE E SEU RETROCESSO
À LUZ DA PESSOA
Distanciando-se da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça em vigor até então, o Marco Civil institui
o regime de responsabilidade civil subjetiva pelo
descumprimento de ordem judicial específica, rechaçando a
legitimidade da notificação extrajudicial como instrumento
hábil a deflagrar a responsabilidade civil subjetiva decorrente
da omissão de retirada do material ofensivo de circulação, nos
exatos termos da redação do artigo 19 do Marco Civil da
Internet. Veja-se a redação do dispositivo:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a
liberdade de expressão e impedir a
censura, o provedor de aplicações de
internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial
específica, não tomar a s providências
para , no âmbito e nos limites técnicos
do seu serviço e dentro do pra zo
assinala do, torna r indisponível o
114
conteúdo apontado como infringente,
ressalvada s as disposições lega is em
contrár io.
§ 1º A ordem judicial de que trata o
caput deverá conter , sob pena de
nulidade, identificação clara e
específica do conteúdo aponta do como
infringente, que permita a localização
inequívoca do material.
Trata-se da adoção da responsabilidade civil subjetiva
do provedor, que será responsabilizado pelos conteúdos
ofensivos gerados por terceiros tão e somente após
descumprimento de ordem judicial específica e, somente, se
preenchidos os demais requisitos do art. 19. Tal como
classificado na doutrina, para a configuração da
responsabilidade subjetiva, deve-se preencher o pressuposto
da obrigação de indenizar: o comportamento culposo, 140
conforme dicção literal do art. 186 do Código Civil.141 O ato
ilícito cometido pelo provedor de aplicações consiste em um
ato omissivo, qual seja, a omissão na remoção do conteúdo de
sua plataforma após determinação judicial neste sentido.
Acerca desse regime de responsabilidade civil
subjetiva do provedor de aplicações, que o responsabiliza
somente em caso de inércia a partir de uma decisão judicial
140 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidad e civil. atual. Gustavo
Tepedino, 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 42.
141 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
115
específica, 142 coexistem duas correntes doutrinárias
antagônicas entre si uma tecendo duras críticas ao
mecanismo e outra entendendo pelo sucesso da opção
legislativa.
A primeira corrente entente que esse mecanismo é
louvável e representou um progresso na regulação da internet
no Brasil. Ao Marco Civil da Internet assumir uma posição em
defesa da liberdade de expressão, supostamente se garante aos
provedores a imunidade que neutralizaria o temor destes
serem responsabilizados em caso de não remoção do conteúdo
por meio de mera notificação extrajudicial. 143
Essa corrente entende, ainda, que o Poder Judiciário
seria a instância adequada para dirimir eventuais divergências
acerca da licitude ou ofensividade do material postado. É o
que entende Caitlin Mulholland:
142 O Marco Civil traz duas exceções a este regime: os casos de pornografia
de vingança, previstos n o artigo 21, e os casos de veiculação de materiais
que potencialmente infrinjam direitos autorais as quais serão abordadas a
seguir. Para estes casos, b astará a omissão do provedor de aplicações ante
a uma notificação extrajudicial para que se incida a responsabilidade civil
subjetiva decorrente da inércia do provedor. Acerca da responsabilidade
civil do provedor de aplicações por veiculação de materiais que infrinjam
Direito Autoral, deve-se tomar em conta o disposto do art. 19 §2º e art. 31
do Marco Civil da Internet. Nota-se que o legislador optou por remeter a
matéria para à Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98). A aplicabilidade
do Marco Civil para a tutela dos Direitos Autorais depende, p ortanto, da
edição de regulamentação superveniente. Em 11 de maio de 2016, foi
editado o Decreto nº 8.771/16 para regulamentar o Marco Civil da Internet.
Tal decreto abordou a discriminação de pacotes d e dados na internet,
proteção de dados pessoais e cadastrais, omitindo-se acerca d a
regulamentação de que trata o art. 19 §2º do Marco Civil.
143 SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. Marco civil da Inter net:
construção e aplicação, cit., p. 101.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT