O novo código de processo civil e seus reflexos no direito de família

AutorAlexandre Miranda Oliveira/Anna Cristina de Carvalho Rettore
Páginas865-902
Capítulo 36
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SEUS
REFLEXOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
Alexandre Miranda Oliveira
Anna Cristina de Carvalho Rettore
SUMÁRIO: 1. Introdução: o novo CPC e o direito material de família; 2.
Alterações procedimentais gerais no CPC/2015 com impacto sobre o direito de
família; 2.1. Das tutelas provisórias e o fim das cautelares autônomas; 2.1.1. Da
tutela de urgência; 2.1.2. Da tutela da evidência; 2.2. Das provas; 3. Alterações
específicas referentes ao direito de família; 3.1. Fim do foro privilegiado da mu-
lher; 3.2. Vênia convivencial para ações de direito real imobiliário e exigência de
citação para certas ações; 3.3. Manutenção de previsões processuais para a sepa-
ração conjugal; 3.4. Incidente de desconsideração (inversa) da personalidade ju-
rídica; 3.5. Procedimento especial das ações de família; 3.6. Citação nas ações
de família; 3.7. Procedimento do requerimento de mudança de regime de bens;
3.8. Dissolução conjugal em cartório; 3.9. Da tutela e da curatela; 3.10. Da exe-
cução por dívida alimentar; 3.10.1. Alterações gerais; 3.10.2. Alterações e re-
gras específicas da execução; 3.10.3. Defesa do devedor; 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO: O NOVO CPC E O DIREITO MATERIAL DE FAMÍLIA
Sancionado em 16 de março de 2015, publicado no dia seguinte e com
início de sua vigência em 18 de março de 20161, o Código de Processo Civil
– após tramitar por mais de cinco anos no Congresso – tem dentre seus prin-
cipais objetivos os de conferir efetividade ao processo, trazer coesão ao siste-
ma processual, simplificando-o, e adequá-lo aos preceitos constitucionais,
merecendo registro o fato de ser o primeiro a ser elaborado e publicado inte-
gralmente em época de regime democrático.
Nesse sentido, tem início sua Exposição de Motivos com a seguinte afir-
mação:
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1 Conforme interpretação dos artigos 11 da Lei 810 de 6.9.1949 e 8º §1º da Lei Com-
plementar 95 de 26.2.1998.
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconheci-
mento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um
dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um
Estado Democrático de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a
carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se trans-
formam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo
empírico, por meio do processo. Não há fórmulas mágicas2.
Identificou-se que, não obstante tenha o CPC de 1973 sofrido uma série
de alterações pontuais e estruturais3 em prol exatamente da garantia dos re-
feridos objetivos, o fato de terem sido esparsas e separadamente considera-
das acabou por prejudicar a sistematicidade e coesão do próprio Código, tor-
nando, portanto, necessária sua reformulação como um todo. Inegável que
muito do Código precedente foi mantido pelo novo – vez que este “não sig-
nifica, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente”4 – mas
houve mudanças que impactarão significativamente o sistema jurídico.
Deve-se registrar que várias das inovações trazidas pelo CPC/2015 re-
presentam apenas a positivação de institutos que já eram garantidos, por si
só, pela Constituição e pelos princípios jurídicos, dotados de força normativa
própria5, mas é de se convir que a adequação textual de normas infraconsti-
tucionais representa melhor direcionamento ao intérprete para a aplicação
do direito à realidade social, sendo este um inegável avanço.
De pronto, tem-se por inaugurado Capítulo de normas fundamentais do
processo civil que deverão nortear a interpretação de todos os dispositivos
constantes do novo Código:
Assim, o Novo CPC somente pode ser interpretado a partir de suas premis-
sas, de sua unidade, e especialmente de suas normas fundamentais, de modo
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2 OLIVEIRA JÚNIOR, Arnaldo. Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2015, p. 23-24.
3 O CPC de 1793 sofreu alterações já no período de vacância por meio da Lei 5.925
de 1º de outubro de 1973, sendo que em sua vigência foram cerca de 575 alterações de
redação, 95 revogações e 378 inclusões de artigos e parágrafos, que alteraram tanto as-
pectos pontuais como estruturais.
4 OLIVEIRA JÚNIOR, Arnaldo. Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2015, p. 25.
5 SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades.
In: NOVELINO, Marcelo (org). Leituras complementares de direito constitucional. Sal-
vador: Juspodivm, 2009, p. 31-32; THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dier-
le; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamen-
tos e sistematização. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 66.
que não será possível interpretar/aplicar dispositivos ao longo de seu bojo
sem levar em consideração seus princípios e sua aplicação dinâmica (subs-
tancial). (...) Leituras isoladas de dispositivos e institutos, alheias às premis-
sas fundamentais, tendem a ser equivocadas e conduzir a resultados práticos
inaceitáveis6.
Já do art. 1º co nsta que o processo civil deverá ser interpretado “confor-
me os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil”, em manifestação expressa de seu objetivo pri-
meiro de “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina
com a Constituição Federal”7.
Dos artigos seguintes percebem-se princípios e tendências de relevo,
como a promoção da solução consensual do conflito (art. 3º), a primazia do
julgamento do mérito e do máximo aproveitamento processual (art. 4º), bem
como a boa-fé objetiva (art. 5º), a necessidade de cooperação entre os sujei-
tos processuais – incluindo-se o juiz – sem que haja prevalência de qualquer
um deles (art. 6º) e a garantia do contraditório e do poder de influência na
decisão judicial (artigos 7º, 9º e 10). Tem-se que referidas normas gerais nor-
tearam a própria formulação das regras específicas que as sucedem no Có-
digo.
Pois bem. No estudo do direito material, as regras referentes ao processo
ganham importância tendo em vista sua instrumentalidade, por serem as que
lhe emprestam efetividade, na prática. Inegável, também, que alterações em
normas processuais podem ter o condão de influir substancialmente no pró-
prio direito material, já que em seu regramento direcionam o intérprete na
aplicação do direito.
É por essa razão que o estudo do direito material deve aliar-se a um estu-
do das mudanças perpetradas no processo. Com o direito de família não pode
ser diferente, não apenas tendo em vista a mudança sistemática que se pro-
cedeu, mas também tendo-se em conta que houve criação de procedimentos
novos, alteração e eliminação de alguns existentes, especificamente relacio-
nados a essa área jurídica. Propõe-se, portanto, um estudo crítico de algumas
dessas inovações, em prol da análise de seu impacto sobre o direito material
de família.
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6 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo
Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2 ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015, p. 19-20..
7 OLIVEIRA JÚNIOR, Arnaldo. Novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2015, p. 26.

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