Novo (Novo?) Conceito de Sentença

AutorFábio Cenci; Paola M. Casagrande Marchi
CargoAdvogado/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil / Bacharel em Direito. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela PUC/SP
Páginas21-28

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Introdução

As recentes reformas do Código de Processo Civil têm sido pautadas na busca da maior celeridade processual e da efetividade da prestação jurisdicional.

O legislador e o aplicador do direito, em geral, devem ter como norte a disposição constitucional constante do inciso LXXVIII do artigo da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Todavia nunca deixando de lado o princípio da segurança jurídica, pois, resumidamente, quanto mais célere, menos seguro tende a ser o processo, e vice-versa.

Essa foi, portanto, a diretriz seguida pelo legislador com o advento das Leis 11.232/05 e 11.382/06.

A Lei 11.232/05 alterou sensivelmente o processo de conhecimento (Livro I do Código de Processo Civil). Muito tem se falado na doutrina acerca do novo conceito de sentença, novidade esta que vem criando muita polêmica, especialmente no que diz respeito à questão recursal, sendo objeto destes rabiscos a abordagem desses dois temas.

Num primeiro instante, de suma importância salientar que mencionada norma retirou do Livro II do Código de Processo Civil o procedimento de execução de título executivo judicial, trazendo-o para o Livro I, acrescentando-se, por conta disso, mais uma fase à tutela cognitiva, antes finalizada com o trânsito em julgado de sentença (terminativa ou definitiva). Assim, o antigo processo dicotômico (conhecimento e execução), no qual, para que a satisfação da ordem prevista na sentença fosse satisfeita (cumprida), necessário se fazia que o até então réu fosse citado para um novo processo, este, de execução (mesmo tendo sua tramitação nos mesmos autos do processo de conhecimento, mas tratava-se de um novo). Agora, fala-se em processo sincrético, este, nos mesmos autos do processo de conhecimento (independente do rito – ordinário ou sumário). O direito violado é reconhecido por meio de sentença de mérito, e a satisfação desse direito se faz na nova fase, chamada de cumprimento de sentença.

Das alterações da Lei 11 232/05 relacionadas à sentença

Para que pudesse ser viabilizado o acréscimo da fase de cumprimento de sentença à tutela cognitiva, teve o legislador, além de alterar as regras do processo de execução lastreado em título executivo judicial, que reformar outros três artigos, estes, causa da discussão ferrenha travada até agora pela doutrina.

O primeiro deles é o artigo 162 do CPC, limitandose a alteração legislativa ao parágrafo primeiro, que anteriormente tinha a seguinte grafia: “§ 1º Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, contudo, após citada reforma, passou a ser: “§ 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Além, também foi alterado o caput do art. 269, que dizia o seguinte: “Art. 269. Extingue-se o processo com julgamento de mérito”, agora: “Art. 269. Haverá resolução de mérito”. Por último, sobre esta questão pontual, necessário trazer à baila o caput do art. 463, que antes era assim: “Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la”, e agora é: “Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la”.

Sentença: finalidade ou conteúdo?

Pois bem, pela singela leitura dos artigos acima mencionados, chega-se (ao menos parte da doutrina) à conclusão de que, pelo fato de a sentença não mais pôr termo/extinguir o processo (antigo parágrafo 1º do art. 162 e caput o art. 269), cumulado com o fato de que, no mesmo sentido, com a publicação de decisão definitiva ou mesmo terminativa, o juiz não mais exaure seu ofício jurisdicional (justamente pelos atos decisórios a serem proferidos na fase de cumprimento de sentença), a sentença não mais pode ser classificada pelo resultado (pôr ou não fim ao processo), mas sim, em relação ao seu conteúdo (implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269), não mais pondo termo ao processo. Ou seja, sentença, especialmente a que resolve a lide, não mais põe fim ao processo1.

Antes da reforma legislativa, o juiz tinha como alternativa conceder a tutela antecipada com relação a um dos pedidos que prescindisse de dilação probatória para seu reconhecimento e passar, ato contínuo, à instrução do processo para, ao final desta, proferir uma única sentença. Contudo, tem-se entendido que a partir do advento da Lei 11.232/05 o legislador teria concedido ao magistrado a possibilidade de proferir desde já uma sentença parcial e prosseguir com a instrução.

Sobre este assunto, leciona o professor Sérgio Gilberto Porto2: “A lei 11.232/2006 alterou, dentre várias outras modificações introduzidas, o § 1°, do artigo 162, do CPC, cambiando a definição de que sentença é o ato pelo qual o juízo põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa para o ato do juiz que implica em alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269, do CPC. As primeiras reflexões sobre o tema sinalizam a existência da idéia de que se promoveu a revisão no conceito de sentença, deixando esta de ser um ato através do qual o juízo põe termo ao processo e passando a ser um ato onde o juízo, ao decidir, configura: (a) a extinção do processo, sem exame de mérito ou (b) a resolução do mérito da causa, sem por termo ao processo. Dito de outro modo: nem sempre a sentença – agora através de sua nova concepção legal –Page 22 cumpre e esgota integralmente o ofício jurisdicional. À evidência, no limite da instância em que é proferida! Assim, resulta claro o propósito inicial da revisão promovida: desconstruir a idéia de que a sentença é sempre um ato final, na medida em que, hoje, ao contrário de ontem, permite-se a prolação de sentença (em sentido amplo) sem que isto represente o encerramento (a) da causa e (b) do processo, na instância que se encontra.”

No mesmo sentido, Marcus Vinícius Rios Gonçalves3: “Com a nova redação do art. 162, parágrafo 1º, a aptidão de extinguir o processo deixou de ser característica essencial da sentença, que existirá quando o juiz resolver o mérito, na forma do art. 269, ainda que, com isso, o processo não se extinga.”

De outro lado, defende-se a tese de que a sentença nunca colocou fim ao processo, vez que, com a interposição de recurso de apelação, o processo terá regular seguimento junto à instância superior, devendo tal norma ser interpretada no sentido de que, uma vez prolatada, o juiz põe fim à fase cognitiva do processo, ou ainda, finaliza a fase da primeira instância, justamente pela sequência deste quando da apresentação do recurso de apelação (fato semelhante, quando do julgamento do recurso de apelação, vez que é facultado ao sucumbente apresentar, senão recurso ao próprio Tribunal – embargos infringentes – aos Superiores Tribunais). Neste sentido, importante são as lições do professor Cássio Scarpinella Bueno4: “Pela letra do art. 162, parágrafo 1º, na sua redação original, o critério então empregado era o da finalidade. Sentença era o ato judicial que tinha como finalidade a de encerrar o processo, pôr termo ao processo, como se lia do dispositivo, com ou sem julgamento do mérito da causa. Parcela da doutrina sempre buscou aprimorar aquele conceito dado pela própria lei, afirmando que não se tratava, propriamente, de encerrar o processo mas o procedimento em primeira instância. O processo não acabava necessariamente com o proferimento da sentença. É que já da sentença sempre houve a possibilidade de recurso, o que significa, em termos diretos, que o processo prosseguia em segunda instância e assim sucessivamente, na medida em que houvesse interposição de novos recursos das decisões que, mesmo após a sentença, fossem proferidas pelos Tribunais.” E diz mais: “Desta perspectiva, melhor que o art. 162, parágrafo 1º, tivesse feito menção a ‘procedimento de primeira instância’ ou, até mesmo, pela sistemática dos procedimentos regulados pelo Código de Processo Civil, inclusive o ordinário, a ‘procedimento de primeiro grau de jurisdição’, o que retrataria melhor a função exercida por aquela decisão do juiz, em contraposição às decisões interlocutórias, objeto de conceituação no art. 162, parágrafo 2º.”

O professor Cândido Rangel Dinamarco, antes da reforma proporcionada pela Lei 11.232/05, nas Instituições de Direito Processual Civil5, já dizia: “Segundo o Código de Processo Civil, sentença seria o ato que põe fim ao processo, com ou sem extinção do mérito (CPC, art. 162, parágrafo 1º); mas essa definição não corresponde inteiramente à realidade, porque o processo só se extinguirá realmente se contra a sentença não vier a ser interposto recurso e a causa não for daquelas sujeitas ao necessário duplo grau de jurisdição (art. 475). Ela é o último ato do procedimento em primeiro grau de jurisdição e realmente lhe põe fim mas, naquelas hipóteses, o processo não termina com a prolatação da sentença e prossegue perante os tribunais – porque a interposição de um recurso não dá origem a um processo novo, mas a um outro procedimento, no mesmo processo (procedimento recursal). Melhor será conceituar a sentença, portanto, como o ato cujo principal efeito processual é o de extinguir o processo – com a consciência de que nem sempre esse efeito se produzirá. Pode-se também dizer que ela é o ato que põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição (no processo de conhecimento, com ou sem julgamento de mérito).”

As lições do professor José Frederico Marques6, em nosso entendimento, devem ser colacionadas: “Com a sentença de mérito, não há entrega da prestação jurisdicional, e sim, apresentação desta; e com a...

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