O novo direito das sociedades: para uma governação socialmente responsável

AutorCatarina Serra
CargoProfessora da Escola de Direito da Universidade do Minho (Braga-Portugal)
Páginas155-179
155
O novo Direito das Sociedades: para uma governação socialmente responsável
Scientia iuriS, Londrina, v. 14, p. 155-179, nov. 2010




Catarina Serra*
: O presente artigo aborda as relações entre a governação das
sociedades e a responsabilidade social das empresas. São referidas as
alterações recentemente ocorridas no Direito português das sociedades,
particularmente no que diz respeito ao regime de deveres fundamentais
dos gestores. É analisada a nova disciplina dos deveres de lealdade e
o conceito de interesse social à luz das teorias da maximização do
lucro e do (novo) “interesse social iluminado”, ambas desenvolvidas
no círculo jurídico anglo-americano. Trata-se o problema da (alegada)
incoercibilidade do dever de prosseguir, nestes termos, o interesse social,
mais especificamente da ausência de mecanismos que permitam aos
stakeholders exigir o seu cumprimento. Conclui-se que o interesse social
iluminado é o ponto de intersecção da governação de sociedades e da
responsabilidade social das empresas e que as soluções para a viabilização
da responsabilidade social passam justamente pelos instrumentos da
governação de sociedades.
: Governação das sociedades. Deveres dos administradores.
Deveres de lealdade. Interesse social. Responsabilidade social das empresas.
: This article deals with the relations between corporate
governance and corporate social responsibility. It refers to the most
recent amendments to Portuguese Company Law, especially in what
concerns directors’ duties. It examines in particular the duty of loyalty
and the corresponding duty to promote the success of the company
provided in the English Company Act 2006, in light of the shareholder
value primacy and the new enlightened shareholder value. It admits that
there is a lack of instruments likely to allow stakeholders to react when
faced with the non-compliance of the duty that falls upon directors,
to have regard to their interests. It considers that the enlightened
shareholder value is at the crossroads, between corporate governance
and corporate social responsibility, and concludes that any solutions
to the enforcement problem of corporate social responsibility involve
necessarily instruments of corporate governance.
: Corporate governance. Directors’ duties. Duty of loyalty.
Enlightened shareholder value. Corporate social responsibility.
* Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho (Braga-Portugal). Doutora
em Direito (Ciências Jurídico-Empresariais) pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra. Email: cssserra@gmail.com.
156
Catarina Serra
Scientia iuriS, Londrina, v. 14, p. 155-179, nov. 2010
intrODuçãO
À imagem do que havia sucedido no âmbito de outros ordenamentos europeus,
o Código das Sociedades Comerciais (CSC) português sofreu recentemente uma
profunda reforma1. As alterações mais importantes foram introduzidas pelo
Decreto-lei n.ª 76-A/2006, de 29 de Março, que veio, designadamente, modificar
o regime dos deveres fundamentais e o regime de responsabilidade civil dos
titulares dos órgãos de gestão das sociedades comerciais.
Este assenta fundamentalmente nas normas do art. 64.ª e dos arts. 71.ª a
84.ª do CSC: o primeiro enuncia os requisitos essenciais do comportamento
devido pelos gerentes e administradores2; nos restantes dispõe-se, entre outras
coisas, sobre a responsabilidade civil dos gerentes e administradores perante a
sociedade (cfr. art. 72.ª do CSC), perante os credores (cfr. art. 78.ª do CSC) e
perante os sócios e terceiros (cfr. art. 79.ª do CSC)3.
Na base da intervenção legislativa esteve o movimento da corporate
governance (governação, governo ou governança das sociedades), associado
actualmente aos princípios com o mesmo nome (Principles of Corporate
Governance), aprovados pela OCDE em 1999, revistos e desenvolvidos em 2004,
e que cobrem, grosso modo, os seguintes aspectos: o regime eficaz de corporate
governance; os direitos dos accionistas e as funções dos detentores do capital; o
tratamento equitativo dos accionistas; o papel dos stakeholders na governação
da empresa; a transparência e a difusão da informação; e a responsabilidade dos
administradores4.
2 O (nOvO) regime De Deveres DOs gestOres Das empresas nO
DireitO pOrtuguÊs
Uma das normas alterada pelo Decreto-lei n.ª 76-A/2006, de 29 de Março, foi
a do n.ª 1 do art. 64.ª do CSC, que regula os deveres fundamentais dos gerentes
1 Sobre os aspectos fundamentais da reforma cfr. Serra (2008).
2 Sendo, por isso, além de justa causa de destituição, qualificado como um fundamento
autonomo de responsabilidade (COUTINHO DE ABREU, 2007a, p. 30).
3 Não cabe aqui fazer uma referência desenvolvida a cada uma das hipóteses de
responsabilidade, mas sempre se dirá que, no entendimento da doutrina dominante,
ela é contratual no primeiro caso e aquiliana ou delitual nos restantes dois (MENEZES
CORDEIRO, 2007a, p. 925, 935, 937; 2009, p. 266, 275, 279; PEREIRA DE ALMEIDA,
2008, p. 256, 273, 276; PAIS DE VASCONCELOS, 2009, p. 21, 28-9, MEIRELES DA
CUNHA, 2009, p. 54, 64, 60; ENGRÁCIA ANTUNES, 2010, p. 332, 337, 340).
4 A versão do documento em língua portuguesa foi acedida por último a 1 de Julho
de 2010, em http://www.oecd.org/dataoecd/1/42/33931148.pdf). Sobre a corporate
governance cfr. Serra (2009, p. 104-7) e Coutinho de Abreu (2010).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT