Novos títulos para financiamento do agronegócio

AutorRenato B uranello
Páginas159-169

Page 159

1. O agronegócio e a necessidade de investimentos na atividade

O mercado agropecuário ou agronegócio pode ser definido como conjunto de atividades compreendidas entre a fabricação e suprimento de insumos, da formação e produção nas unidades agropecuárias, até o processamento, acondicionamento, armazenamento, distribuição e consumo dos produtos in natura ou industrializados. Dessa forma, uma visão sistemática do negócio agrícola envolve fundamentalmente também as formas de financiamento, as bolsas de mercadorias e as políticas públicas.

Expondo uma postura altamente competitiva no agronegócio, finalmente o país assumiu posição de liderança na produção, no comércio e nas negociações internacionais, resultado do impressionante aumento da produtividade verificado em diversas culturas de exportação. Contudo, o setor ainda sofre principalmente com falta de melhor estrutura logística e com sanções no ambiente mundial de controle da sanidade dos produtos agropecuários. Não deixamos de apontar, ainda, a falta de estabilidade de políticas agrícolas e da extrema dependên- cia dos recursos públicos no financiamento da atividade.

Depois da constituição do Sistema Nacional de Crédito Rural, em 1966, as políticas públicas insistiram no modelo de grande intervenção governamental, não contando com melhores resultados nas últimas duas décadas, o que foi representado pela mínima evolução e praticidade dos títulos de financiamento rural instituídos pelo Decreto-lei 167, de 14 de fevereiro de 1967. Com a edição da Lei 11.076, de 30 de dezembro de 2004, novos títulos de crédito rural foram criados, no sentido de maximizar a captação de recursos privados ao setor.

Sabe-se que um sistema de crédito rural em regime de economia de livre mercado deve contar com uma grande participação do sistema financeiro privado. A capacidade de atração de capitais privados para o financiamento do setor deve ser uma característica importante do sistema. O governo quer atrair ainda mais o capital privado para o financiamento do agronegócio, uma vez que as taxas de juros junto às instituições financeiras privadas, tradings companies, agroindústrias e fundos de investimento estão próximas da oficial. Dian-

Page 160

te da escassez dos recursos públicos, o governo continuará concentrando seus recursos no financiamento dos pequenos produtores, deixando as instituições financeiras privadas com o papel de financiar a agricultura comercial profissionalizada e a agroindústria, que detém maior grau de especialização e rentabilidade.

2. Mercado primário e mercado secundário: o crédito à atividade agrícola

A Constituição Federal dispõe em seu art. 187 que a política agrícola deverá ser planejada e executada com efetiva participação dos produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente, os instrumentos de crédito, fiscais e de incentivo à pesquisa, seguro agrícola e cooperativismo. O Sistema Financeiro Nacional (SFN) é estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país, com a transferência eficaz da poupança popular, devendo desenvolver produtos financeiros e bancários que darão acesso ao crédito. O SFN é o conjunto ordenado de normas que disciplina as relações entre os sujeitos que atuam no mercado financeiro e de capitais.

O mercado financeiro é o mercado de intermediação bancária, caracterizado pela interposição da entidade financeira entre aqueles que têm recursos disponíveis e aqueles que necessitam de crédito. A instituição financeira capta o dinheiro junto ao público, para posterior transferência desses valores àqueles que precisam de financiamento, cumprindo justamente a função econômica de viabilizar a mobilização entre a poupança popular e financiamento.

O mercado de capitais ou mercado de valores mobiliários tem a natureza de transferência direta entre o detentor dos recursos e aquele que necessita de financiamento, sem a intermediação como parte da instituição financeira, que exerce participação apenas instrumental ou operacional. Por sua vez, o mercado de valores mobiliários pode ser dividido em mercado primário e mercado secundário.

No mercado primário, os agentes que necessitam de capital emitem valores mobiliários e os colocam à disposição do financiador, ou seja, a empresa emitente procura capitalizar-se junto ao mercado. A partir de sua emissão, esses valores mobiliários têm livre negociação e circulação podendo ser negociados no mercado derivado do mercado primário que se denomina mercado secundário.

No mercado secundário realizam-se as operações de negociação com valores mobiliários já emitidos no mercado primário, dando-lhe liquidez e viabilizando a liquidação dos investimentos realizados pelos investidores originais. As clearing houses ou entidades de compensação, liquidação ou custodia de títulos e valores mobiliários são pessoas jurídicas ou áreas das bolsas de mercadorias ou dos mercados de balcão organizados1 que tem por objetivo dar transparência e garantir o fiel cumprimento de todos os negócios realizados no mercado.

Entre os agentes financiadores do agronegócio, grande parte das aplicações realizadas no mercado financeiro e de capitais vem dos fundos de investimentos. Os fundos são formados por uma comunhão de recursos constituídos sob a forma de condomínio fechado ou aberto com o objetivo de promover a valorização de suas cotas mediante eficaz aplicação em ativos financeiros rentáveis. Os fundos de investimentos caracterizam-se por essa captação de recursos junto a investidores e a conseqüente transmissão desses recursos através da

Page 161

aquisição de títulos e valores mobiliários no mercado financeiro em sentido amplo.

3. O regime jurídico da atividade de armazenagem

O ordenamento jurídico brasileiro há muito regula a questão da armazenagem de produtos. Em 1903 foi editado o Decreto 1.102, que instituiu as regras para o estabelecimento de empresas de armazéns-ge-rais, determinando seus direitos e obrigações. Armazéns-gerais são empresas que tem por objeto a guarda e conservação de mercadorias e a emissão de títulos próprios que as representam. Estas empresas têm a faculdade de emitir títulos negociáveis de incomparável garantia, o conhecimento de depósito e o warrant. Aplicava-se um único regime a todo e qualquer bem depositado.

Com a edição da Lei 11.076, de 30 de dezembro de 2004, passamos a ter dois regimes jurídicos aplicáveis à atividade dos armazéns.2 Criou-se peculiar regime jurídico ao incluir o conjunto de normas que regulam o sistema de armazenagem de pro-dutos agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico. Já havia sido editada a Lei 9.973/2000, de 29 de maio de 2000, que versa sobre o sistema de armazenagem de produtos agropecuários e o Decreto 3.855, de 3 de julho de 2001, que a regulamentou, bem como a Lei 8.171, de 17 de janeiro de 1991, no atendimento aos princípios gerais da política agrícola.

Da interpretação de seus dispositivos tem-se que o sistema de armazenagem de produtos agropecuários caracteriza-se pela atividade de guarda e conservação desses produtos, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, próprios ou de terceiros, por empresas, cooperativas ou ainda pessoa jurídica de direito público, com estrutura própria para essa finalidade (art. 1º do D. 3.855 c/c o art. 4ª, I, da L. 11.076). A unidade armazenadora está representada pelas edificações, instalações e equipamentos organizados funcionalmente para a guarda e conservação dos referidos produtos (art. 22, II, do D. 3.855).

A figura central da atividade é o depositário, responsável pela guarda, conservação e pronta e fiel entrega dos produtos que tiver recebido em depósito. Conforme disposto no art. 22 da Lei 9.973/2000,3 o Ministério da Agricultura e do Abastecimento (MAPA) criará sistema de certificação, estabelecendo condições técnicas e operacionais, assim como a documentação pertinente para a qualificação dos armazéns destinados à atividade de guarda e conservação desses produtos específicos. Nesse sentido, deverá ser arquivado na Junta Comercial o termo de nomeação de fiel depositário e o regulamento interno do armazém. Não poderão ser responsáveis pela prestação de serviços de armazenagem aqui referidos as pessoas que tiverem sofrido condenação pelos crimes de falência culposa ou fraudulenta, estelionato, falsidade ideológica e crimes contra o patrimônio no âmbito privado ou afeito a administração pública.

Ainda, de acordo com o decreto citado fica instituído, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, o Sistema Nacional de Certificação de Unidades Armazenadoras, por intermédio do qual serão estabelecidas as condições técnicas e operacionais para a qualificação dos armazéns destinados à guarda e conservação de produtos agropecuários. O sistema será desenvolvido de acordo com as regras e os procedimentos do Sistema Brasileiro de Certificação, com a participação dos segmentos representativos da atividade, e de-

Page 162

verá dispor sobre as condições e a documentação exigíveis dos interessados.

Com as disposições citadas, tornou-se obrigatória, nos termos e prazos que a regulamentação estabelecer, a certificação das unidades que prestem serviços remunerados de armazenagem de produtos a terceiros, inclusive dos estoques públicos. Por fim, as unidades armazenadoras não certificadas na forma prevista neste Decreto não poderão ser utilizadas para a guarda e conservação de produtos agropecuários objeto de financiamento à estocagem com recursos do Tesouro...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT