O que é o objeto 'moradia' do Programa Minha Casa, Minha Vida? / What is the 'housing' object of the Minha Casa, Minha Vida Program?

AutorSuzana Maria Loureiro Silveira Zaccara, Josué Mastrodi
CargoProfessor da Faculdade de Direito e do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sustentabilidade (Pontifícia Universidade Católica de Campinas). E-mail: mastrodi@puc-campinas.edu.br - Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. E-mail: sszaccara@gmail.com
Páginas859-885
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.22506
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 3. ISSN 2317-7721 pp.859-885 859
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Resumo
O direito à moradia e o direito ao planejamento urbano ainda não são afirmados como direitos
subjetivos ou como direitos fundamentais de aplicação imediata. A exigibilidade desses direitos,
assim como dos demais direitos sociais, só é possível a partir da definição de uma política pública.
Neste artigo, apresentamos crítica ao Programa Minha Casa Minha Vida como política pública
incapaz de reduzir o déficit habitacional das famílias mais vulneráveis, que se encaixam na
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habitacional. As famílias com renda de zero a cinco salários mínimos perfaziam juntas, em 2012, o
total de 92,6% do déficit habitacional urbano. O déficit habitacional dentre os números colhidos
pela Fundação João Pinheiro é de 5,430 milhões de domicílios, segundo estimativa do PNAD, e há
pouco mais de 6 milhões de domicílios disponíveis hoje no Brasil. A política habitacional do Minha
Casa Minha Vida serve à construção de novas residências, postas no mercado imobiliário segundo
as regras desse mercado e não visando efetivamente à concretização do direito à moradia. Este
acaba s e subordinando ao direito de propriedade, e apenas quem tem condições de pagar pelo
imóvel pode se beneficiar desse programa.
Palavras-chave: Direito à moradia. Programa Minha Casa Minha Vida. Moradia pela concessão de
propriedade. Direito à cidade. Planejamento urbano.
Abstract
The right to housing and the right to urban planning have not been stated as subjective rights or as
fundamental rights of immediate application. The enforceability of these rights, as well as other
social rights, is only possible from the definition of a public policy and within its limits. In this paper,
we present criticism to the housing Public Program called Minha Casa, Minha Vida as a public
policy unable t o reduce the housing def icit of the most vulnerable families who earns up to three
minimum wages. In this income range, there are still 82.5% of housing deficit. Families with income
from zero to five minimum wages accounted together, in 2012, the total of 92.6% of the urban
housing deficit. The housing deficit identified by the João Pinheiro Foundation is about 5.430
million houses, according to estimates by the National Household Survey, and there are about 6
million homes available for housing in Brazil. The housing policy of Minha Casa, Minha Vida serves
to the construction of new hom es that are put in the real estate market in accordance to the rules
of this market that does not match the implementation of the right to housing. The outcome of this
public policy subordinates right to housing to the right to property, and only those who can afford
the property can obtain any benefit from this program.
Keywords: Right to housing. Minha Casa, Minha Vida Program. Housing concession by producing
properties. Right to the city. Urban planning
1 Professor da Faculdade de Direito e do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sustentabilidad e
(Pontifícia Universidade Católica de Campinas). E-mail: mastrodi@puc-campinas.e du.br
2 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. E-mail: sszaccara@g mail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.22506
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 3. ISSN 2317-7721 pp.859-885 860
IN TR OD ÃO
Ao encarar a moradia como porta de acesso a demais direitos reconhecidos por uma
determinada ordem jurídica, nasce a necessidade de entender tal postulado social como elemento
integrador das pessoas ao território da cidade como representação social. É neste sentido que o
presente trabalho foi delineado.3
Voltados à necessidade de afirmar a moradia como um direito autônomo e passível de
concretização, uma das questões objeto de nosso Grupo de Pesquisa institucional, na qual se
insere a presente análise, foi justamente identificar o elemento posse do direito fundamental à
propriedade; a partir disso, levantamos algumas indagações que nos fizeram refletir sobre como
apartar o direito à moradia do direito à propriedade, um a vez que a moradia costuma s er
identificada com o uso efetivo da coisa (equivalente ao elemento posse do direito à propriedade;
cf. MASTRODI e BATISTA, 2015).
Nesse sentido, a discussão aqui apresentada está voltada à promoção do direito à moradia
a partir da atuação estatal, mediante a definição e a implementação de políticas públicas
habitacionais. Em especial, um dos nossos objetivos foi o estudo do Programa Minha Casa Minha
Vida (PMCMV) e como esta forma de s e produzir novas unidades residenciais tem se mostrado
muito mais uma reprodução institucionalizada de acesso à propriedade.
Para fins deste artigo, a ideia é justamente de proteger a moradia (identificada, na teoria
do direito, pela posse do imóvel) mesmo quando o direito à moradia estiver em confl ito, no caso
concreto, com o direito do proprietário do imóvel ou com interesses públicos: atualmente, em caso
de desapropriação, o proprietário é indenizado, mas ao morador sem justo título nada é devido
pela perda do direito à moradia. Vê-se que este direito não possui muita garantia. Tanto que o
Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais propugna que moradia
deve ser um direito a partir da garantia de posse conferida pelo Estado ao seu morador.4 Garantia
de posse, e não de propriedade.
3 Inicialme nte, é preciso mencionar que o presente texto é fruto de um ano de pesquisa fomentada pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Nesse sen tido, o presente estudo reflete a
segunda parte dos resultados alcançados durante a pesquisa. Cumpre salientar que a primeira parte desse
estudo foi publicada em periódico nacional indexado com Qualis A1 no Estrato Direito (data de publicação e
nome do periódico suprimidos em observância à avaliação dupla cega).
4 Na Recomendação nº 7 desse mesmo Comitê da Nações Unidas para os Direitos Sociais, Econômicos e
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este Comitê observou que todas as pessoas deveriam possuir um grau de segurança de posse que garanta
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