O Artigo 305 da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro - e a Garantia Constitucional que Ninguém Está Obrigado a Produzir Prova Contra Si - Nemo Tenetur Se Detegere

AutorAna Paula Jorge - Josué Justino do Rio
CargoBacharel em Direito (Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro 'Victorio Cardassi' ? IMESB-VC) - Bacharel em Direito (IMESB-VC)
Páginas78-81

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Introdução

Há que se ressaltar, inicialmente, que a segurança no trânsito passou a ser um grande desafio para as entidades e órgãos governamentais, em razão dos altos índices de acidentes ocorridos nas estradas e em grandes centros urbanos brasileiros, que cada vez mais deixam inúmeras pessoas inválidas para as ativida-des laborativas, gerando, assim, um enorme custo social e económico às empresas e ao Estado.

Tem-se que, no Brasil, a primeira notícia sobre o automóvel,

"(...) de acordo com Valdir Sznick (Crimes de Trânsito), teria sido publicada pelo jornal A Província de São Paulo, em 29 de janeiro de 1876. O mesmo autor cita que o primeiro carro pilotado em São Paulo foi um Daimler-Benz, em 1883, por Santos Du-mont. No Rio de Janeiro, o primeiro carro teria sido pilotado por José do Patrocínio, em 1897, ano em que o autor noticia também o primeiro acidente, com esse mesmo piloto, tendo como ilustre companheiro ninguém menos que Olavo Bilac" (Sarrubbo apud Nogueira, 2010, p. 122).

Com o fenômeno da urbanização ocorrida no Brasil a partir do século XIX, surgiu também a necessidade de se regulamentar a circulação de automóveis, bem como as consequências administrativas, civis e penais advindas desse novo tempo em que o homem e a máquina passaram a andar juntos.

Diversos decretos foram editados a fim de regulamentar a circulação de veículos nas estradas e áreas urbanas, como, por exemplo, o Decreto 8.324, de 27 de outubro de 1910, que, em seu artigo 21, exigia que os carros tivessem freios distintos e eficazes e impunha aos condutores o dever de manter a velocidade em que fosse possível diminuir ou evitar acidentes.

Contudo, o primeiro texto legal sistematizado que tratou especificamente do trânsito foi o Decreto 18.323/28, que dispunha sobre a circulação de automóveis, segurança de trânsito e polícia das estradas de rodagem. Posteriormente, no ano de 1966, entrou em vigor o Código Nacional de Trânsito, Lei 5.108/66.

Anos mais tarde, em 23 de setembro de 1997, diante do contexto social do trânsito à época, foi promulgado o Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503, e, juntamente com ele, inúmeros questionamentos também surgiram, sobretudo no que diz respeito à consti-tucionalidade do artigo 305.

Todavia, preliminarmente, torna-se indispensável fazer uma breve abordagem jurídico-penal do dispositivo objeto do estudo, considerando-se o contexto em que a norma está inserida, citando-se inclusive legislação do direito comparado que regulamenta o tema.

Tratando-se, no entanto, de Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana - princípio norte -, do qual derivam todos os demais princípios e garantias fundamentais, dentre eles o de que nenhuma pessoa está obrigada a autoincriminar-se, a criação de normas penais incri-minadoras também deverá respeitá-lo, sob pena de retroceder-se a um estado totalitário. O tema, porém, será restrito à garantia nemo tenetur se detegere.

O objetivo deste trabalho, portanto, é fazer um paralelo entre a conduta do condutor que se afasta do local do acidente para fugir à responsabilidade civil ou criminal e a garantia constitucional de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si.

1. Breve análise do art 305 da Lei 9.503/97-Código de Trânsito Brasileiro

A conduta descrita no artigo 305 do CTB, punível com detenção de seis meses a um ano, facultando ao juiz aplicar, isoladamente, a pena de multa, consiste em o condutor de veículo evadir-se do local do acidente para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

De fato, com a tipificação da conduta de quem se afasta do local de acidente para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atri-

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buída, procurou o legislador tutelar o interesse do Estado - em especial a administração da justiça - durante a persecução criminal e, secundariamente, o interesse da vítima na reparação do dano. "O legislador, ao definir esse tipo penal, preocupou-se, também, em salvaguardar a identificação do condutor do veículo atropelan-te, causador do acidente ou implicado de algum modo no fato" (Nogueira, 2010, p. 203).

Cuida-se de crime próprio, em que somente o condutor do veículo envolvido no acidente deve ser responsabilizado penal e civilmente. É crime formal, portanto, inexigível a ocorrência de qualquer resultado naturalístico, consistente na existência de efetiva lesão ao Estado (Nucci, 2008, p. 1116). Exigível, ainda, o dolo específico, concernente na finalidade de fugir o condutor do veículo à responsabilidade civil ou criminal.

Consigne-se, também, que constitui infração gravíssima, punível com multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir, além do recolhimento do documento de habilitação, deixar o condutor envolvido em acidente com vítima, de identificar-se ao policial e de lhe prestar informações necessárias à confecção do boletim de ocorrência (artigo 176 do CTB).

Na França, o Code de La Route, de 1958, prevê, no seu artigo 2o, Ia parte, que no...

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