Ônus da prova e standards de prova

AutorJordi Nieva Fenoll
CargoUniversitat de Barcelona - Facultat de Dret Avinguda Diagonal, 684, 08028 Barcelona, Espanha Professor Catedrático. jordinieva@ub.edu
Páginas116-138
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 116-138, 2022. 116
Jordi Nieva Fenoll
ÓNUS DA PROVA E STANDARDS DE PROVA: DUAS REMINISCÊNCIAS DO PASSADO
Burden of the Proof and Standards of Proof: Two Rests from the Past
Jordi Nieva Fenoll
Universitat de Barcelona – Facultat de Dret
Avinguda Diagonal, 684, 08028 Barcelona, Espanha
Professor Catedrático
jordinieva@ub.edu
RESUMO
O ónus da prova e os standards de prova são dois institutos que têm origem no antigo sistema de valora-
ção legal ou taxada da prova, no qual tinham o seu pleno signicado. No entanto, no sistema de livre apre-
ciação, o instituto do ónus da prova deixa ter qualquer utilidade, e os standards de prova convertem-se em
simples imitações das antigas categorias “probatio plena” e “probatio semiplena” que se revelam impossí-
veis de objetivar. No presente artigo detalham-se e justicam-se extensamente as anteriores conclusões.
Palavras chave: Ónus da prova
ABSTRACT
e burden of proof and the standards of proof are two institutions that come from the old system of
legal proof, in wich they made sens. However, if evidence is free evaluated, the burden of proo s no lon-
ger useful and the standards of proof become mere imitations of the old categories “probatio plena” and
“semiplena probatio” that are impossible to objectify. In this paper these conclusions are duly detaleid
and extensively justied.
Keywords: Burden of persuation, burden of production, Evaluation, Legal proof
1 INTRODUÇÃO
O destino da prova apresentada num processo é ser valorada racionalmente. Não se podem esta-
belecer atalhos neste caminho, ainda que com frequência essa atividade de valoração seja tão difícil de
executar que, certamente, o jurista desejaria dispor de algum tipo de ferramenta, quase uma pedra lo-
sofal, para conhecer a realidade dos factos. Porque valorar a prova consiste justamente nisso: aferir da
realidade (NIEVA FENOLL, 2010)
A diculdade não é nova. Historicamente tentaram-se oferecer ajudas aos juízes. As normas arcai-
cas da prova legal do código de Hammurabi (LARA PEINADO, 1997, P.6 e segs) dão bom testemunho
disso, e todos os exemplos estabelecidos no Corpus Iuris Civilis1 – posteriormente replicadas nas leis
1 Por exemplo, Codex, Libro IV, título XX, nº 9, §1: Simili modo sauximus, ut unius testimonium nemo iudicium in quacunque causa facile patiatur
admitti. Et nunc manifeste sancimus, ut unius omnino testis responsio non audiatur, etiamsi praeclarae curiae honore praefulgeat.
Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 116-138, 2022. 117
Ónus da Prova e Standards De Prova: Duas Reminiscências do Passado
medievais2 – vão na mesma linha. Mas justamente na Idade Média surgem dois institutos, não tanto com
o objetivo de facilitar a vida aos juízes a este respeito, mas antes para estabelecer limites ao seu trabalho
(NIEVA FENOLL, 2019, p. 1223 e segs)(NIEVA FENOLL, 2017), na linha iniciada pelo secundum allega-
ta et probata ( NÖRR, 1967) que AZZONE e ACCURSIO moldaram3. Assim surgiram, como veremos de
seguida, tanto o onus probandi como as medidas de prova, o antecedente dos atuais standards de prova
e do Beweismaß alemão.
Não obstante, seja qual for a origem dos institutos, estes vão mudando com o tempo, e podem aca-
bar por se transformar em algo irreconhecível para os seus autores. E foi justamente isso que aconteceu
com os dois institutos em causa. Provavelmente se referíssemos a um jurista medieval algo como “além
de toda a dúvida razoável”, ou então “ónus objetivo da prova”, e lhe disséssemos que, juntamente com
o ónus subjetivo, é um instrumento processual a ser utilizado somente no nal do processo perante
uma situação de ausência de prova – Beweislosigkeit (ROSENBERG, 1923, p. 35 e 55)(LEIPOLD, 1997,
p.525)(ROSENBERG; SCHWAB; GOTTWALD, 2018, p. 698)(MONTERO AROCA, 2005, p.112)( SER-
RA DOMÍNGUEZ, 1991, p.55)(NIEVA FENOLL, 2016, p. 271)( ESCALER BASCOMPTE, 2017, p.83)
(NIEVA FENOLL, 2019, p.201) –, não entenderia absolutamente nada.
Mais à frente irei explicar o que acabámos de expor, acompanhando a exposição de um relato ligeiro
da história sem nenhum tipo de preconceito histórico. Bem pelo contrário, começaremos a explicação
concretizando as denições que a doutrina atual oferece sobre ambos os conceitos. De seguida, serão
submetidas a comparação histórica e prática, e dos resultados que objetivamente se obtenham se extrai-
rão conclusões.
2 CONCEITO E TIPOS DE ÓNUS DA PROVA.
O ónus da prova não tem, de modo algum, uma denição unívoca. Na realidade, trata-se de uma
expressão que condensa diferentes ideias que, ao contrário do que se pensa, são distintas entre si. De
facto, vericaremos mais adiante que efetivamente nada têm de semelhante.
Na Idade Média desenvolveu-se a noção de onus probandi recolhendo resquícios do processo ro-
mano (KASER; HACKL, 1996, p. 493) (PRÜTTING, 2010, p.457) retirados do seu contexto original
(NÖRR, 2012, p.78). Mas seja como for, enfatizou-se a ideia de que cada parte tinha que fazer prova
daquilo que alegava. Dito de outra forma, que cada litigante tinha a obrigação de provar o que armava
para ter uma expectativa de ganhar o processo (NIEVA FENOLL, 2019.b, p.25 e segs). Esse foi o onus
probandi e é, por isso, o primeiro conceito de ónus da prova: obrigação de cada parte trazer provas ao
processo em defesa da sua posição. Era, ademais, uma obrigação muito antiga (KASER; HACKL, 1996, p.
118) e realmente bastante lógica, quase intuitiva. Se se parte da máxima da experiência de que salvo casos
2 Fuero Juzgo, Lib. II, tít. II, VI. En los pleytos que el iues oye, cada una de las partes debe dar sus pesquisas e sus pruevas, y el iuez debe catar qual
prueva meior. E si por las pruevas non pudiere saber la verdad, estonze debe mandar el iues á aquel de quien se querellavan, que s e salve por su
sacramiento, que aquella cosa quel demandan, non la ovo, nin la a, ni sabe ende nada, ni lo cree, ni que non zo aquello quel dizen. E pues que iurar
aquel quel demandó tuerto, peche V. sueldos. Vid. también Partida III, tít. XVI, Leyes 29 y 32.
3 AZZONE (o AZO o AZÓN), Brocardica (aurea). sive generalia iuris, Basilea 1567, rúbrica X X, pág. 237: Iudex debet ex conscientia iudicare, &
econtrà.] Secundum allegata iudicare debet. Cum quaeritur, an iudex debeat iudicare secundum conscientiam suam, in causa civili vel criminali,
distingue: utrum notum sit ei tamquam iudici, id est, ratione ocii sui: an ut privato. In primo casu fertur sentencia secundum conscientiam suam;
quae etiam potest dici allegatio. ut . de ser. l.2.&. Si fer. vend.1 surreptionem. & de minor. 25. anno.l.minor. Quid miri? nonne sert sententiam, se-
cundum testicationes & confessiones, quas novit ut iudex? & et ita potest intellegi hoc generale. Si vero novit ut privatus, non debet ferre sententi-
am secundum conscientiam suam, sed secundum allegata. & ita intelligitur contraria Rubrica. ACCURSIUS, e.a., Corporis Iustinianaei Digestum
Vetus, seu Pandectarum, Vol. 6, Lyon 1604, pág. 17: “Iudex debet ferre sententiam, secundum allegata et probata, non secundum conscientiam.”

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT