Operação Lava Jato: ideologia, narrativa e (re)articulação da hegemonia

AutorEnzo Bello, Gustavo Moreira Capela, Rene José Keller
CargoUniversidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil/University of California, Berkeley, Estados Unidos/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
1645
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1645-1678.
Enzo Bello, Gustavo Capela e René José Keller
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/53884| ISSN: 2179-8966
Operação Lava Jato: ideologia, narrativa e (re)articulação da
hegemonia
Carwash Operation: Ideology, Narrative and (re)articulation of hegemony
Enzo Bello1
1 Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
enzobello@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3923-195X.
Gustavo Capela2
2 University of California, Berkeley, Estados Unidos. E-mail: gustavocapela@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-0643-0434.
Rene José Keller3
3 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
rene.j.keller@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5951-9171.
Artigo recebido em 19/08/2020 e aceito em 30/10/2020.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1645-1678.
Enzo Bello, Gustavo Capela e René José Keller
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/53884| ISSN: 2179-8966
Resumo
Este t exto analisa os múltiplos processos que produziram a Operação Lava Jato e foram por ela
produzidos um contexto de crise da formação social brasileira. Tais processos, conjugados em uma
unidade ruptural, foram capazes de desestabilizar e reorganizar o bloco hegemônico no poder,
impulsionando Jair Bolsonaro. A Lava Jato operou, em suas práticas e discursos, através da forma-
narrativa, de modo a expandir, por meio de sua capacidade de formatação, a ideologia dominante
em sentido amplo, traçando um enredo com heróis e vilões.
Palavras-chave: Operação Lava Jato; Crises; Narrativa e Ideologia.
Abstract
This article analyzes multiple processes that produce and are produced by the Carwash Operation
during a context of crisis in the Brazilian social formation. Such processes, conjoined in a ruptural
unity, were capable of destabilizing as well as reorganizing the hegemonic bloc, propelling Jair
Bolsonaro to its command. Carwash Operation functioned by expanding, through its form and
ability to format, dominant ideology in an ample sense, tracing a plot with heroes and villains.
Keywords: Carwash Operation; Crises; Narrative and Ideology.
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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N. 3, 2021, p. 1645-1678.
Enzo Bello, Gustavo Capela e René José Keller
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/53884| ISSN: 2179-8966
1. Introdução
Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito Presidente do Brasil em um momento que entendemos como
parte de um contexto de crise. Há muito essa palavra “crise” se tornou parte do léxico explicativo
dos problemas sociais, ora referenciando uma suposta crise institucional, ora tratando de
perturbações econômicas. Quando falamos em crise, estamos nos referindo mais especificamente,
conforme explicado adiante, a uma “crise geral”, tanto da formação social brasileira como – porque
indissociável desta do regime de acumulação atual no modo de produção capitalista ( CHESNAIS,
2017).
É nesses termos que sustentamos que a Operação Lava Jato não só contribuiu para a
crise no Brasil, mas é também fruto dela e uma tentativa de resolvê- la, ou de dar uma solução ao
acúmulo das contradições (POULANTZAS, 2008: 296) que contribuiu, ao fim, para a eleição de Jair
Bolsonaro. Não entendemos que o encontro entre o processo de ascensão da Lava Jato e a eleição
de Bolsonaro ou até o Bolsonarismo ocorreu ou ocorre de maneira “consciente”. Não
pressupomos que houve um acordo formal ou conspiratório entre pessoas ou grupos para se
atingir este ou qualquer outro fim. Isso não significa, de modo algum, que esses acordos não
existam (LENIN, 1987: 194), ou que não possam se desenvolver ao l ongo do processo histórico.
Para nós, por exemplo, é evidente, sobretudo após as revelações do Intercept Brasil, que havia
intenção, por partes dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e de Moro, de impedir a
candidatura de Lula e, por conseguinte, uma preferência por Bolsonaro.
Porém, para nossa análise, t ais intenções e eventuais acordos não são o fundamental.
Mesmo sem acordo, sem qualquer intento colaborativo, ou conspiração, processos e pessoas se
encontram e produzem resultados. Não porque exista uma lógica única e determinante, nem
porque há um extraordinário princípio organizativo que atrai todas as forças a um mesmo deslinde,
mas porque resultados, no nosso entender, são fruto de contingências e encontros que unem
elementos, ao mesmo tempo que mantêm outros em tensão. Esta é a natureza, propomos, do
encontro entre a Lava Jato e Bolsonaro1.
Queremos fugir da lógica da “consciência”, que, tal como o empiricismo, supõe que a
existência de algo, ou a validade de um argumento, está ligada somente ao que é explícito, àquilo
que está imediatamente dado no agora em suma, ao puro “conteúdo”, no sentido de Lefebvre
(2011: 91). Esse tipo de análise tende a supor que agentes atuam e produzem efeitos porque assim
o querem, assim desejam, assim pensaram e elaboraram antes de agir. Há razoabilidade e possível
veracidade em tal perspectiva, mas entendemos que existem efeitos que são produzidos apesar de
1 Alianças entre frações de classe ou representantes de fr ações de classe, ao nosso ver, respeitam a lógica explicada por
Lenin: “alianças (...) não são nada mais que uma trégua no período entre guerras. Tréguas preparam o caminho para a
guerra e surgem de guerras (1987: 263).

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