A ordem de preferência na nova lei de falências

AutorCarlos Alberto Farracha de Castro
Páginas127-135

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Atualidades

1. Introdução

A reforma do direito falimentar parece inevitável.2 Nesse escopo diante da influência de setores organizados da sociedade a classificação dos créditos sofrerá profundas mudanças.3 O desafio dessa investigação reside na análise da Classificação dos Créditos tal como sugerido no Congresso Nacional, por ocasião dos estudos da nova Lei de Falências.

Não se pretende aqui enfrentar a questão procedimental da verificação dos créditos, seja porque o âmbito desse não permite, seja porque demanda um estudo específico.

O presente ensaio, portanto, limitar-se-á a oferecer ponderações e críticas sobre a temática envolvendo a Classificação dos Créditos na Falência no direito brasileiro.

2. Igualdade de credores

O exame do tema exige prévia análise de um dos fundamentos que justificam a existência do instituto da falência no nosso ordenamento jurídico, qual seja, a igualdade de credores.

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Com efeito, quando um comerciante apresenta indícios de insolvencia, como protelar o pagamento da obrigação assumida, o mercado, em regra, enfrenta um estado de apreensão. Os credores passam a vigiar o comerciante de forma direta, sendo que hodiernamente a maioria adota medidas acautelatórias, judiciais ou não, como as consultas aos organismos de restrição ao crédito, como o SPC, o SCI, o SERASA, dentre outros. Constatadas as dificuldades financeiras e/ou econômicas,4 os credores mais ágeis e astutos, de imediato procuram guarida judicial, de modo a receber seus haveres com os bens integrantes do patrimônio do devedor. Tais medidas possibilitam, entretanto, que apenas um ou alguns dos credores obtenham garantias para o recebimento dos respectivos créditos, deixando os demais desamparados.

Por outro lado, não se pode deixar de registrar que inúmeras vezes, quando os empresários começam a não honrar as suas obrigações, passam a proteger alguns credores aos quais pagarão, deixando os demais sem o recebimento devido. A prática comercial revela que essa eleição, infelizmente, é feita por intermédio de critérios aleatórios, como parentesco entre credor e devedor, arbítrio ou liberalidade do devedor, poder econômico do credor, dentre outros.

Ambas as situações fáticas demonstram que quando ocorre o desequilíbrio patrimonial nem todos os credores conseguem obter o cumprimento exato da obrigação assumida pelo empresário inadimplente.

Surge, pois, o instituto da falência, na tentativa de corrigir a desigualdade entre os credores. Há que se investigar, porém, como que se interpreta o princípio da igualdade na falência, denominado por muitos como par condictio creditorum,

3. A noção de igualdade na falência

E da tradição do nosso direito fali-mentar estatuir preferências, e diferenças entre os credores, o que poderia, em tese, consubstanciar ofensa ao princípio constitucional da igualdade, positivado no art. 5º da Constituição Federal.

Sucede, porém, que a correta interpretação do princípio da igualdade reside exatamente em ofertar tratamento desigual para

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os desiguais, o que - aliás - se coaduna com uma das funções da falência, caso contrário somente os credores mais poderosos poderiam receber algo.

"No Direito, o princípio isonômico tem dupla aplicação: teórica, como repulsa a privilégios injustificados; e prática - como igualizador - ajudando na diminuição dos efeitos das desigualdades reveladas no caso concreto. A igualdade, desta forma, é a ponte entre o direito e a realidade que lhe é subjacente. Os desiguais devem ser tratados desigualmente, mas com o sentido de diminuir as desigualdades."5

Portanto, a função jurídica do princípio da igualdade é corrigir as distorções existentes no mundo real, minorando, pois, o descompasso existente entre o texto de lei e a realidade empresarial. Aqui reside uma das funções essenciais do operador do direito.

E que, a bem da verdade, em certos países, a exemplo da Alemanha, inexiste privilégios entre os credores.6 Ocorre que à formação sócio-econômico e cultural daquele país é totalmente distinta da nossa, o que - no mínimo -justifica a divergência existente. Aliás, para obter uma legislação falimentar mais ética e justa, indispensável criá-la e interpretá-la respaldada na nossa realidade, evitando a importação integral de soluções político-jurídicas de outros países, consubstanciando, pois, o malsinado fenômeno que denomino "colonialismo jurídico".7

No Brasil, então, o princípio da par conditio creditorum, "não significa dispensar a todos os credores iguais chances de recebimento de seu crédito na falência da sociedade devedora. Significa distingui-los segundo a natureza do crédito. O tratamento paritario, em suma, não é igualitário. Por essa razão, os credores são hierarquizados: uns receberão seus créditos antes de outros, em atenção à ordem de classificação e preferências disposta na lei".8

Para o estudo dessa questão, no entanto, não se pode olvidar que os privilégios atribuídos aos credores derivam da lei, enquanto que os direitos reais em garantias originam da vontade das partes.9

4. Credores da massa falida e credores da falida A classificação dos créditos no Decreto-lei 7.661/1945

Antes de examinar a hierarquia dos créditos na forma posta pelo Decreto-lei 7.661/1945, há que se enfrentar a distinção existente entre credores da massa falida e credores da falida.

Na verdade, os credores da massa falida derivam de obrigações assumidas pela massa falida perante terceiros, no curso do

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processo de falência e de seus incidentes. Já os credores da falida são aqueles anteriores à declaração de falência, cuja habilitação é indispensável para que o recebimento do que lhe é devido, ainda que proporcionalmente. Inegável, pois, que "os credores da massa não estão sujeitos ao processo de verificação e devem receber o que lhes é devido assim que se torne exigível o crédito"10 e a massa possua numerário disponível para suportá-lo.

Evidenciada essa distinção e relembrando que a falência não altera os direitos materiais dos credores, mesmo porque a classificação dos créditos é matéria de ordem pública e, portanto, não admite modificação por convenção entre os particulares, registre-se que de acordo com o Decreto-lei 7.661/1945, os credores da falida classificam-se, observado a natureza do crédito, da seguinte forma:

  1. credores por acidente de trabalho (art. 102, § P, do Decreto-lei 7.661/1945);

  2. credores trabalhistas (art. 449, § Iº, da CLT) e dos representantes comerciais (Lei 4.886/1965, art. 44, incluído pela Lei 8.420/1992);

  3. credores da natureza tributária (art. 186 do CTN; art. 4º da Lei 6.830/1980);

  4. credores com garantia real (art. 102, I, do Decreto-lei 7.661/1945);

  5. credores com privilégio especial sobre determinados bens (art. 102, II, do Decreto-lei 7.661/1945);

  6. credores com privilégio geral (art. 102, III, do Decreto-lei 7.661/1945);

  7. credores quirografarios (art. 102, IV, do Decreto-lei 7.661/1945).

Essa classificação, porém, tem sido objeto de severas críticas, tanto da doutrina, como dos credores. Afinal, a realidade forense demonstra que os credores quase nunca recebem seus créditos. E quando recebem, o rateio do ativo é suficiente, tão-somente, para suportar parcela dos créditos trabalhistas e, quando muito, dos tributários. Ou seja, os demais credores, inclusive detentores de garantia real, nada recebem. Os credores quirografarios, então, são totalmente menosprezados. Infelizmente é a realidade.

Esse descaso deriva do fato que o legislador federal nas últimas décadas tratou de se preocupar, exclusivamente, com os créditos trabalhistas e fiscais, desvirtuando por completo a função do processo falimentar.11 Como bem sustenta Antonio Marcelo Caleffi, "os privilégios eleitos foram de tal forma inseridos no processo falimentar brasileiro que houve uma ruptura na concepção clássica das preferências concebidas a partir dos direitos reais de garantia. A velha preferência que concedia ao credor a prioridade no pagamento sobre o resultado da alienação de determinados bens do falido e que paralelamente o afastava da disputa por rateios, característica própria dos credores não concorrentes, não mais existe".12

Essa malsinada situação ocasionou o descrédito do direito real de garantia, uma vez que o produto da coisa gravada se destina a liquidar os créditos decorrentes das relações de trabalho e tributária, ao invés de satisfazer o cumprimento da obrigação, visto que o bem dado em garantia fica vinculado, por força de vínculo real.13

Conseqüência disso é que os credores, em especial as instituições financeiras deixaram de conceder linhas de crédito, prejudicando, pois, o desenvolvimento da ati-

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vidade empresarial. E mais, quando concedem, exigem taxas de juros absurdas, sob o argumento...

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