Pandemia, higienismo e saneamento básico: uma leitura da política urbana em tempos de covid-19

AutorAngela Moulin Simões Penalva Santos, Pedro Henrique Ramos Prado Vasques
CargoPós-doutorando pelo INCT-INEU. Doutor em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutorando em Direito da Cidade na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito da Cidade na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Graduado em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC...
Páginas866-900
Revista de Direito da Cidade vol. 13, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2021.54651
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Revista de Direito da Cidade, vol. 13, nº 2. ISSN 2317-7721. pp.866-900 866
PANDEMIA, HIGIENISMO E SANEAMENTO BÁSICO: UMA LEITURA DA POLÍTICA URBANA EM
TEMPOS DE COVID-19
PANDEMIC, HYGIENISM AND BASIC SANITATION: A READING OF URBAN POLICY IN TIMES OF
COVID-19
Pedro Henrique Ramos Prado Vasques
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Angela Moulin Simões Penalva Santos
2
RESUMO
O trabalho objetiva destacar a relação entre pandemia, higienismo e planejamento urbano focalizando
a política de saneamento básico. Concentra seus esforços em analisar as peculiaridades do discurso
higienista contemporâneo a fim de aventar possíveis impactos no planejamento urbano de grandes
metrópoles, tomando a cidade do Rio de Janeiro por referência. Para fazê-lo, inicialmente, situa o
saneamento básico como uma dimensão da política urbana e, em seguida, recupera de forma sintética
as práticas higienistas na aurora do planejamento urbano. Ambos estágios são executados a partir de
pesquisa bibliográfica. No terceiro momento, a partir de dados públicos disponíveis, dedica-se ao
estudo da incidência da Covid-19 na metrópole carioca comparando-a com São Paulo e Brasília. Por
meio das interpretações desenvolvidas, passa, então, a discutir possíveis impactos na abordagem
higienista para lidar com a atual pandemia. O trabalho conclui sustentando que a versão
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Pós-doutorando pelo INCT-INEU. Doutor em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Doutorando em Direito da Cidade na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito da
Cidade na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Graduad o em Direito na Pon tifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Especialista em Direito Ambiental Brasileiro na PU C-Rio. Atuou no setor de
Direito Ambiental como advogado associado de grandes escritórios nacionais e chefiou o Serviço de
Regularização Fundiária do Instituto Estadual do Ambiente no Rio de Janeiro (SERF/INEA). UNICAMP/INCT-INEU
Bras il. ORCID Id: http://orcid.org/0000-0003- 4032-3245 Lattes: http://lattes.cnpq.br/4818289781780847 E-
mail: pedrohvasques@gmail.com
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Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1977), mestrado em
Engenharia da Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980), doutorado(1990) e pós- doutorado
(2009) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. A tualmente é professora Titular da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2019). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional,
com ênfase em Aspectos Econômicos do Planejamento Urbano e Regional, atuando principalmente nos
seguintes temas: descentralização e pacto federativo, desenvolvimento econômico, cidades médias, rio de
janeiro e desenvolvimento regional. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPQ desde 2002 e do Programa
PROCIENCIA/UERJ desde 1996. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Brasil. ORCID Id:
https://orcid.org/0000-0002-9632-9622 Lattes: http://lattes.cnpq.br/9927400503969971 E-mail:
penalvasantosangela@gmail.com
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DOI: 10.12957/rdc.2021.54651
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contemporânea do higienismo ao menos diante da atual conjuntura não necessariamente espelha
as antigas práticas de transformação do território a partir de intervenções diretas sobre ele. Ao
contrário, concentra-se em legitimar e estimular novas estratégias de controle da circulação e
permanência dos indivíduos na cidade, suscitando impactos e críticas peculiares em relação aqueles
associados às antigas intervenções higienistas.
Palavras-chave: Pandemia, Higienismo, Saneamento básico, Planejamento urbano, Rio de Janeiro
ABSTRACT
The work aims to highlight the relationship between the pandemic, hygienism and urban planning,
focusing on basic sanitation policy. It centers its efforts on analyzing the peculiarities of contemporary
hygienist discourse in order to come up with possible impacts on the urban planning of large
metropolises, taking the city of Rio de Janeiro as a reference. To do so, initially, it situates basic
sanitation as a dimension of urban policy and, afterwards, it synthetically recovers hygienist practices
at the dawn of urban planning. Both stages are performed based on bibliographic research. In the third
moment, based on available public data, it analyzes the incidence of Covid-19 in the metropolis of Rio
de Janeiro, comparing it with São Paulo and Brasília. Through the interpretations developed, it then
goes on to discuss possible impacts on the hygienist approach to deal with the current pandemic. The
paper concludes by arguing that the contemporary version of hygienism at least given the current
situation does not necessarily reflect former practices of transforming the territory through direct
interventions. On the contrary, it focuses on legitimizing and stimulating new strategies to control the
circulation and permanence of individuals in the city, giving rise to specific impacts and criticisms in
relation to those associated with former hygienist interventions.
Keywords: Pandemic, Hygienism, Basic Sanitation, Urban Planning, Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO
O higienismo está associado à emergência do Planejamento Urbano, sendo utilizado como
     
desde meados do século XIX. Sob essa abordagem, em regra, foi largamente empregado para
escamotear interesses empresariais na apropriação das cidades, impactadas pelo processo de
industrialização, que as tornava, pela primeira vez na história, produtivas. O rápido processo de
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urbanização brasileiro não foi acompanhado de políticas públicas que proporcionassem à população
acesso à infraestrutura urbana, nem mesmo à moradia ou ao saneamento básico. Parcela significativa
dos urbanitas foi levada, assim, a autoconstrução ou aos loteadores irregulares, em regra, à margem
da legislação. O re
cidade (redes de infraestrutura) às franjas urbanas.
No Rio de Janeiro do início do século XX, as doenças infectocontagiosas, como varíola e febre
amarela, foram combatidas com reformas urbanas em que técnicas higienistas seriam experimentadas
para melhorar as condições de circulação do ar e das águas na cidade. Mas a diminuição da densidade
nas áreas reformadas não foi acompanhada de políticas habitacionais para realocar as populações que
foram desalojadas pelas obras, o que suscitou outros problemas. Neste início de terceira década do
século XXI, os cariocas e o resto do mundo experimentam uma epidemia de uma doença causada
por um vírus novo, a Covid-19, cujo enfrentamento está suscitando nova abordagem de corte
higienista do planejamento urbano. Desta fez, contudo, a elevada densidade demográfica conjuga-se
à falta de acesso de saneamento básico, num contexto em que as principais orientações médicas
referem-se ao isolamento social e higienização das mãos frequentemente.
Neste artigo, vamos destacar a relação entre pandemia, higienismo e planejamento urbano
focalizando a política de saneamento básico, cujo novo marco regulatório acaba de ser aprovado. O
objetivo é analisar o que há de novo no argumento higienista contemporâneo para aventar possíveis
impactos no planejamento urbano de grandes metrópoles, tomando a cidade do Rio de Janeiro por
referência. O artigo está estruturado em 6 seções, sendo esta, introdutória, a primeira delas. Na
segunda, situamos o saneamento como uma das dimensões da política urbana, enquanto que, na
terceira, sintetizamos o argumento higienista na aurora do Planejamento Urbano. A quarta seção é
dedicada à análise espacial da incidência da Covid-19 na metrópole carioca, comparando-a com as
outras duas metrópoles situadas no ápice da rede urbana brasileira, São Paulo e Brasília. Estes
números serão utilizados para discutir possíveis impactos na abordagem higienista empregada na atual
pandemia, objeto da quinta seção. Na sexta e última, serão feitos comentários conclusivos.
1. SANEAMENTO COMO UMA DAS DIMENSÕES DA POLÍTICA URBANA
A política urbana no Brasil foi instituída normativamente quando o processo de
industrialização já estava em curso, intensificando o índice de urbanização de sua população. Foi um

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