Panorama e perspectivas da previdência social no Brasil

AutorCarlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari
CargoJuiz do Trabalho no TRT da 12ª Região/Pós-doutor em Direito e Justiça Constitucional pela Universidade de Bologna, Itália
Páginas178-204
178
PANORAMA E PERSPECTIVAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO
BRASIL
“OVERVIEW AND PERSPECTIVES OF SOCIAL PROTECTION IN
BRAZIL”
Carlos Alberto Pereira de Castro
1
João Batista Lazzari
2
RESUMO: A trajetória dos sistemas de proteção social levou os programas de benefícios previdenciários para muito
além do tripé de riscos sociais originalmente concebido. O pacto previdenciário em regime de repartição é
intergeracional mas também intrageracional, pois acode cada vez mais até mesmo aqueles que estão entre seus
financiadores, pessoas com idade aquém da aposentadoria. Os fenômenos ligados à tecnologia de informação também
impactam a forma como o trabalho é realizado. Por outra verten te, é evidente que o constitucionalismo confere um
peso significativo às escolhas feitas por uma geração vivente em relação às gerações futuras a ideia de Constituição
dirigente, o que, somado à ideia de rigidez do Texto Constitucional, torna tais escolhas mais difíceis de modificar do
que o processo legislativo comum. Discute-se, no presente texto, uma teoria de justiça que possa justificar a
continuidade ou não de sistemas de proteção social fundados na solidariedade entre os membros de uma sociedade, na
medida em que são os atuais (e os futuros) m embros desta sociedade q ue serão os seus financiadores, a ar car com o
custeio de benefícios e serviços. Para tanto, sem apego à imutabilidade das regras, hipótese impossível de se
concretizar, o texto conclui que cabe lutar por reformas que visem a sustentabilidade a longo prazo, aplicando
mudanças que venham a incidir apenas sobre os q ue ainda não co ntribuem para o sistema, e que, dessa forma,
permitam às pessoas o direito de se programarem para obter a contraprestação do merecido descanso .
PALAVRAS-CHAVE: Previdência Social. Sustentabilidade. Proteção social. Estado Contempo râneo.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 MUNDO DO TRA BALHO: O CENÁRIO ATUAL; 3 EFEITOS DA ATUAL
CONJUNTURA NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL; 4 OS RUMOS DO ESTADO CONTEMPORÂNEO
E O PACTO SOCIAL; 5 BREVE SÍNTESE DAS REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS NO BRASIL; 6 A SUPOSTA
CRISE DO FINANCIAMENTO NO BRASIL E OS VERDADEIROS PROBLEMAS NÃO ENFRENTADOS; 7 A
REFORMA DE 2019 E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE; 8 PREVIDÊNCIA IDEAL: REPARTIÇÃO OU
CAPITALIZAÇÃO? 9 PERSPECTIVAS PARA A SUSTENTABILIDADE DO SISTEMA BRASILEIRO; 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
ABSTRACT: The trajectory of social protection systems has taken pension benefit programs far beyond the tripod of
social risks originally conceived. The pay-as-you-go social security pact is intergenerational but also intragenerational,
as it affects increasingly even those who are among its financiers, people below retirement age. Phenomena linked
to information technology also impact the way work is carried out. On the other han d, it is evident that
constitutionalism gives significant weight to th e choices made by a living generation in relation to future generations
the idea of a leading Constitution, which, added to the idea of rigidity of the Constitutional Text, makes such choices
more difficult to make. modify than the ordinary legislative procedure. This text discusses a theo ry of justice that can
justify the continuity or not of social pr otection systems based on solidarity among the members of a society, insofar
Artigo enviado em 21/11/2022
Artigo aprovado em 26/12/2022
1
Juiz do Trabalho no TRT da 12ª Região. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa. Instrutor da Escola Nacional de Formação
e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) junto ao TST. Professor em cursos de pós-graduação em
Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Membro emérito do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Titular
da cadeira n. 20 da Academia Catarinense de Letras Jurídicas.
2
Pós-doutor em Direito e Justiça Con stitucional pela Universidade de Bologna, Itália. Doutor e Mestre em Ciência
Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Doutor em Direito Público pela Universidade de Perugia, Itália.
Juiz Federal no TRF da 4ª Região. Membro da 3ª Turma Recursal dos JEFs em Florianópolis/SC. Professor das Escolas
da Magistratura Federal e do Trabalho de Santa Catarina. Professor e Coordenador Científico da Pós em Direito
Previdenciário do Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV). Titular da cadeira n. 31 da Academia Catarinense
de Letras Jurídicas, da ca deira n. 17 da Academia Brasileira de Direito d a Seguridade Social e da Cadeira n. 3 da
Academia de Letras de Direito Previdenciário
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as it is the current (and future) mem bers of this society who will be its financiers, to bear the cost of benefits and
services. To this end, without attachmen t to the immutability of the rules, a hypothesis impossible to materialize, the
text concludes that it is necessary to fight for reforms that aim at long-term sustainability, ap plying changes that will
affect only those who do not yet contribute to the system, and that, in this way, allow people the right to program
themselves to obtain the consideration of the well-deserved rest.
KEYWORDS: Social Security. Sustainability. Social protection. Contemporary State.
SUMMARY: 1 INTRODUCTION. 2 WORLD OF WORK: THE CURRENT SCENARIO. 3 EFFECTS OF THE
CURRENT SITUATION ON SOCIAL PROTECTION SYSTEMS. 4 THE DIRECTIONS OF THE
CONTEMPORARY STATE AND THE SOCIAL PACT. 5 BRIEF SUMMARY OF S OCIAL SECURITY
REFORMS IN BRAZIL. 6 THE ALLEGED FINANCING CRISIS IN BRAZIL AND THE REAL PROBLEMS NOT
FOUND. 7 THE 2019 REFORM AND ITS IMPACT ON SOCIETY. 8 IDEAL PENSION PLAN: PAYMENT OR
CAPITALIZATION? 9 OUTLOOK FOR THE SUSTAINABILITY OF THE BRAZILIAN SYST EM. 10 FINAL
CONSIDERATIONS.
1 INTRODUÇÃO
A trajetória dos sistemas de proteção social levou os programas de benefícios
previdenciários para muito além do tripé de riscos sociais originalmente concebido: incapacidade
temporária, ou permanente, e morte, avançando sobre diversos outros aspectos de nosso cotidiano,
como o direito à retribuição da mulher durante a licença-maternidade, e mais recentemente, aos
adotantes; ou o pagamento de cotas de salário-família no surgimento de prole e a proteção contra
o desemprego involuntário, no conjunto dessas proteções surgidas posteriormente.
O pacto previdenciário em regime de repartição é intergeracional mas também
intrageracional, pois acode cada vez mais até mesmo aqueles que estão entre seus
financiadores, pessoas com idade aquém da aposentadoria. Por outro lado, o modelo de
capitalização, defendido por uma parcela de estudiosos, notadamente economistas, não se
caracteriza pelo autofinanciamento da própria geração; quando muito, é direcionado à pessoa do
contribuinte e seus dependentes, conforme sua cotização e (maior ou menor) preocupação com
estes últimos. Nada há de social, nem de solidário, em um regime de previdência pautado em
cotização individual, em que cada um é deixado à própria sorte.
Os fenômenos ligados à tecnologia de informação também impactam a forma como o
trabalho é realizado. Assim, dada a crescente informatização de todas as atividades em âmbito
global, nasce um novo mundo do trabalho, em que a utilização da rede mundial de computadores
e das infraestruturas tecnológicas vem impactando profundamente nas relações de trabalho.
Por outra vertente, é evidente que o constitucionalismo confere um peso significativo às
escolhas feitas por uma geração vivente em relação às gerações futuras a ideia de Constituição
dirigente envolvendo “opções escolhidas pelas gerações precedentes”, o que, somado à ideia de
rigidez do Texto Constitucional, torna tais escolhas mais difíceis de modificar do que o processo
legislativo comum. Daí, levanta-se a indagação, presente na obra de Alan Gosseries, sobre “em
que medida teríamos o dever moral de respeitar, mesmo que só parcialmente, o programa fixado

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