O papel discursivo dos princípios na retórica jurídicotributária

AutorPaulo de Barros Carvalho
Páginas11-19

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Prof. Paulo de Barros Carvalho - Bom dia a todos! Sr. Presidente deste Congresso, Dr. Paulo Ayres Barreto; ilustre Presidente do Instituto Geraldo Ataliba, Prof. Aires, a quem agradeço de todo coração a amável saudação que acaba de fazer; Srs. Diretores do Instituto Geraldo Ataliba - IDEPE. É também com grande emoção que vivemos a XXI versão deste Congresso. Congresso idealizado por Geraldo Ataliba, com todo aquele entusiasmo, vigor e energia que caracterizava suas iniciativas. E Congresso que se mantém vivo, forte, consistente, até hoje, como se vê pela presença maciça neste XXI Congresso.

O tema que me foi proposto é "O Papel Discursivo dos Princípios na Retórica Jurídico-Tributária". E eu devo dizer a todos os Srs. Congressistas, a todos os presentes, a todos os professores, que tiveram seu dia merecidamente comemorado ontem, que este tema tem me preocupado muito nos últimos tempos, porque eu advogo a tese de que o excesso de princípios, enquanto valores, dá um sentido político ao discurso jurídico, confere dimensão política incontrolável. O discurso jurídico deixa de ser algo aderente ao Direito Positivo, com pretensões descritivas, e passa a ser um amontoado de lugares-comuns, à semelhança dos discursos em que o político, o orador, quando apertado, constrangido para explicar determinado valor, escorrega e vai para outro, e dali para outro, e assim por diante, terminando o discurso político sem que ele se defina, sem que se comprometa, sem que tome uma posição firme na sua mensagem.

Uma demonstração eloqüente disso que acabo de dizer está no anteprojeto de Lei de Transação Tributária, com todas as imperfeições, com todas as atecnias que nós já vimos e foram apontadas por vários críticos. A despeito da presença de um órgão de alta respeitabilidade e por quem tenho manifestado sempre o maior apreço e admiração - qual seja, a Procuradoria da Fazenda Nacional -, o anteprojeto, sob muitos pontos, parece-me lamentável.

Num dos dispositivos, o art. 2° - vejam bem, Srs. Congressistas -, são arrolados 20 princípios, princípios como valores. Imaginem só! O art. 2° diz que "em todos os atos e procedimentos desta Lei serão observados, entre outros, os princípios da (...)" - e relaciona: "legalidade, impessoalidade, igualdade, não-discriminação, colaboração entre Fisco e contribuinte, aproximação da Administração aos cidadãos, moralidade, imparcialidade, interesse publico, segurança jurídica, confidenciali-dade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, motivação, boa-fé, confiança legítima, economicidade, publicidade e transparência", entre outros. Isso só num artigo, que é o art. 2°.

Agora, como dar consistência, como dar seriedade ao texto que se apega a tantos lugares-comuns, a tantos termos de vaga demarcação, de vaga definição? Como fazer uma proeza dessa natureza? Eu quero chamar a atenção para a circunstância de que o Governador do Distrito Federal, em recente fato político que ele criou, aliás, habilmente, demitiu o gerúndio do Distrito Federal e deu outras previdências. É o Decreto 28.314, de 28.9.2007:

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"O Governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o art. 100, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal, decreta:

"Art. 1°. Fica demitido o gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.

"Art. 2°. Fica proibido, a partir desta data, o uso do gerúndio para a desculpa de ineficiência.

"Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação. Revogam-se as disposições em contrário."

Vejam que tudo isso é feito em nome da ineficiência, ou, melhor, em nome da eficiência. Que todo valor tem, com sua bi-polaridade característica, o contravalor do outro lado; então, nós podemos falar tanto de eficiência como de ineficiência, que seria o contravalor.

Em nome da eficiência da Administração, o Governador do Distrito Federal, querendo criar, como de fato criou, esse acontecimento político, baniu ou tentou banir o gerúndio, de uma forma radical. Sabemos que o gerúndio é uma forma verbal e que presta relevantes serviços à estrutura do idioma. O que devemos combater - e, naturalmente, eu imagino que o Governador quisesse eliminar - é o excesso do gerúndio. O "gerundismo" que os puristas da Língua Portuguesa chamam por um nome muito feio: endorréia. Endorréia é o abuso do gerúndio; é o gerúndio sem se referir a uma ação durativa, a uma ação que se prolongue no tempo; sentido, este, que seria muito bem aceito e corretamente formulado.

Então, em nome da eficiência administrativa, pretende-se banir o gerúndio... Mas o que é eficiência administrativa? Todos falam em nome da eficiência administrativa, até para fazer uma barbaridade dessa, tratando apressadamente o gerúndio, sem considerar suas particularidades. Não há dúvida de que existe um uso condenável do gerúndio, e que está grassando por aí, a partir dos atendimentos de telemarketing.

Isso se espalhou em decorrência de uma influência perniciosa da Língua Inglesa. É claro que há influências positivas da Língua Inglesa no idioma Português, mas há a influência perniciosa, e essa influência perniciosa se manifesta, aqui, no gerúndio que não seja com referência a uma ação durativa.

Pois bem. O Governador não teve paciência, não teve a cautela de estudar em uma, duas páginas de qualquer gramática da Língua Portuguesa, o uso do gerúndio, e radicalmente o demitiu, como se isso fosse possível. Desse modo, ele agiu com ineficiência, em nome da eficiência da Administração.

Vejam como esses princípios são fluidos, são voláteis, são princípios escorregadios, são princípios no meio dos quais se torna difícil locomover-se com segurança, com seriedade. Isso que relatei é um fato político, criado há 15 dias ou 20 dias, mais precisamente dia 28.9.2007. E eu repito, como um fato político, tem até seu sentido, tem até seu grau de sutileza; mas como um fato da Língua Portuguesa é lamentável, sendo um fato que nos mostra o perigo do manejo inadequado dos valores, algo que me parece precioso, porque, agindo com ineficiência, ele operou em nome da eficiência da Administração.

O que nós vemos hoje é que existem muitos e muitos princípios, existem muitos e muitos valores. O jurista, ao invés de se ater ao Direito Positivo nas suas formulações expressas e implícitas, que já são numerosas, fica se movendo entre valores. E, ao fazer isso, dá um sentido político ao seu discurso; sentido político que, infelizmente, se aproxima do discurso que os políticos fazem em horário eleitoral: falam em nome da democracia, do bem comum, da segurança pública, dos direitos e garantias individuais. Quem é que não fala em nome desses valores? Todos falam. Então, esses valores vão se depreciando, vão se degradando semanticamente. Assim como ocorreu com a palavra "democracia". Esta foi sendo tão surrada através dos últimos tem-

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pos, que hoje pouco significa, porque todos se dizem democratas. Onde todos são democratas, o primeiro pensamento que nos ocorre é que...

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