O papel da hermenêutica constitucional na concretização dos direitos fundamentais

AutorJussara Seixas Conselvan
CargoMestranda em Direito Civil na Universidade Estadual de Londrina.
Páginas2-18

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1 Introdução

Para discorrer sobre o papel da hermenêutica constitucional para a concretização dos direitos no Brasil, é necessário que se observe a Constituição Federal e o paradigma estatal nela estabelecido, qual seja o Estado Democrático de Direito, que se diferencia dos modelos que o antecederam.

Qualquer análise deve considerar o modelo de Estado em que se está inserido e quais os princípios, fundamentos e pilares que o sustentam, os quais, evidentemente, não são os mesmos dos modelos anteriores.

Nesse sentido, desponta o Estado Democrático de Direito, como superação dos paradigmas anteriores.

Há dois pilares em que se apoia o Estado Democrático de Direito: a Democracia e os Direitos Fundamentais. Assim, é imperativo que sejam considerados os princípios, valores e fundamentos ínsitos ao Estado Democrático de Direito, a fim de se efetivar os direitos fundamentais.

Acrescente-se a isso o fato de que a Constituição é permeada por princípios, que devem ser respeitados no momento de sua interpretação. Uma vez que o paradigma estatal não é o mesmo e a Constituição é principiológica, não há como se ater à velha hermenêutica.

Pelo caráter principiológico e axiológico dos direitos fundamentais, a teoria da concretização é considerada adequada para a interpretação das normas de direitos fundamentais. O seu benefício é tentar estabelecer um meio termo entre as teorias hermenêuticas clássicas e as demais teorias da Nova Hermenêutica, sendo que Konrad Hesse é um representante dos métodos da concretização constitucional.

Diante disso, postula-se uma nova Hermenêutica Constitucional, capaz de concretizar os direitos fundamentais.

2 Estado democrático de direito: o significado deste paradigma estatal

O Estado Democrático de Direito é um paradigma estatal que surge como Superação dos modelos Liberal e Social. Para se compreender a diferença desse modelo, é necessário verificar primeiramente as características daqueles que o antecederam.

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Streck e Morais classificam o Estado Moderno em Absolutista e Liberal, subdividindo o Liberal em Estado Legal e Estado de Direito. Sob o aspecto do conteúdo, o Estado de Direito não é apenas a forma jurídica que caracteriza o Estado, mas a ela são agregados conteúdos. Nesse sentido, dividem-no em Estado Liberal de Direito, Estado Social de Direito e Estado Democrático de Direito (STRECK e MORAIS, 2004, p. 87 e 95).

Bonavides, por sua vez, entende que, no Estado Moderno, há a conversão do Estado Absoluto em Estado Constitucional (em que o poder já não é de pessoas, mas de leis) e que este apresenta três modalidades essenciais: Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático-Participativo (BONAVIDES, 2004, p. 41).

No Estado Liberal, segundo Streck e Morais, o Estado se separou da Sociedade Civil pelo Direito, e este passou a ser um ideal de justiça. As liberdades individuais passaram a ser garantidas e consideradas como direitos do homem mediadores entre indivíduos e Estado. A Democracia surge com o ideário da soberania da nação advindo da Revolução Francesa e implica na aceitação da origem consensual do Estado, sinalizando para a ideia de representação e controle hierárquico da produção legislativa pelo controle de constitucionalidade. O Estado tinha um papel reduzido, denominado Estado Mínimo, e assegurava a liberdade de atuação dos indivíduos (STRECK E MORAIS, 2004, p. 90).

Nesse Estado omisso, as pessoas não tinham condições mínimas para uma vida digna, pois até mesmo a escravidão era legalizada (GOMES, 2005, p. 78).

No liberalismo, a atividade estatal, quando ocorre, objetiva a manutenção da ordem e segurança e, portanto, o papel do Estado é negativo, restringindo-se apenas à proteção dos indivíduos. Por isso, denomina-se Estado Mínimo (STRECK E MORAIS, 2004, p. 56-58).

Já o Estado Social é provedor do bem estar social. Tem um caráter intervencionista, inclusive na economia. Confere direitos, coagido pela pressão das massas, tais como: trabalho, previdência, educação. Esse modelo de Estado provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na dependência de seu poderio econômico, político e social. Estende sua influência a quase todos os domínios que pertenciam à iniciativa individual (BONAVIDES apud GOMES, 2005, p. 75).

O Estado Democrático de Direito, por sua vez, é formado por três elementos: o Estado, a Democracia e o Direito.

Segundo Canotilho, no Estado Democrático de Direito há dois princípios constitucionais estruturantes: o Princípio do Estado de Direito e o Princípio Democrático (CANOTILHO apud GUERRA FILHO, 2005, p. 61).

Streck e Morais ressaltam que não se trata de mera aposição de conceitos, mas que há um conteúdo próprio onde estão presentes as Garantias Jurídico-Legais, as Conquistas Democráticas e um terceiro elemento fundamental, que é a Preocupação Social. Isso significa que quando o Democrático qualifica o Estado, os valores daPage 4democracia são irradiados sobre todos os seus elementos constitutivos e também sobre a ordem jurídica, nos dizeres de José Afonso da Silva. A democracia também implica a solução do problema das condições materiais de existência (STRECK E MORAIS, 2004, p. 92-93).

Streck e Morais enumeram os Princípios do Estado Democrático de Direito: Constitucionalidade (vinculação a uma Constituição); Organização Democrática da Sociedade; Sistema de Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos; Justiça Social; Igualdade; Separação de Poderes ou de Funções; Legalidade; Segurança e Certezas Jurídicas (STRECK E MORAIS, 2004, p. 93).

Streck indica, por fim, os dois pilares em que se apoia o Estado Democrático de Direito: a Democracia e os Direitos Fundamentais, afirmando que não há democracia sem o respeito e a realização dos direitos fundamentais-sociais, e não há direitos fundamentais-sociais sem democracia (STRECK, 2004, p. 110).

Após verificar as características de cada modelo estatal, cabe estudar de que forma foram instituídos os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

3 Os direitos fundamentais no estado democrático de direito

Comparando-se o Estado Democrático de Direito com modelos estatais anteriores, no tocante aos direitos fundamentais, verifica-se que o Estado Liberal era omisso, não adotava instrumentos para compensar as desigualdades e só reconhecia direitos civis e políticos dos proprietários dos meios de produção. Já no Estado Social, os interesses eram grupais, da classe trabalhadora, não de cada indivíduo, como pessoa humana, e só eram reconhecidos alguns dos direitos sociais (GOMES, 2008, p. 267).

Dessa forma, ambos os paradigmas de Estado foram insuficientes, pois nenhum dos dois mostrou-se adequado à realização dos direitos fundamentais.

O Estado Democrático de Direito surge, então, como Superação dos modelos anteriores. Supera porque cria um conceito novo, incorporando um componente Revolucionário de Transformação do Status Quo, ou seja, tem um conteúdo Transformador da Realidade, é um Plus Normativo (STRECK E MORAIS, 2004, p. 92- 93).

Nesse sentido é o Preâmbulo2 da Constituição do Brasil, em que os constituintes declaram que se reuniram para instituir o Estado Democrático de Direito,Page 5destinado a assegurar os direitos individuais e sociais, os civis, políticos, econômicos, culturais, coletivos, a democracia, o pluralismo.

Ademais, as Constituições que adotaram a fórmula política do Estado Democrático de Direito, criaram mecanismos para a limitação do poder e positivaram o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, colocando-o como princípio fundamental do ordenamento jurídico. Exemplo disso é a Constituição do Brasil que, em seu artigo 1º, explicitamente consignou o princípio da dignidade humana como fundamento do Estado.

O art. 3º, por sua vez, determina como objetivo fundamental “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, além de trazer a “prevalência dos direitos humanos”, no art. 4º, como princípio que rege suas relações internacionais.

Os direitos e garantias fundamentais são relacionados no Título II da Constituição Federal de 1988, mas há outros espalhados por todo o texto e há a ressalva no § 2º do artigo 5º, que inclui outros decorrentes do regime e dos princípios adotados, bem como dos tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro.

Cabe lembrar que os direitos fundamentais são assim classificados: primeira dimensão (direitos civis e políticos); segunda dimensão (direitos econômicos, sociais e culturais); terceira dimensão (direitos coletivos – fraternidade ou solidariedade - direito à paz, direito ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, direito à solidariedade universal, à comunicação, ao desenvolvimento); quarta dimensão (direito à democracia direta, ao pluralismo e à informação).

Os direitos de primeira dimensão são os direitos da liberdade, isto é, os direitos civis e políticos. Têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, são faculdades ou atributos da pessoa.

Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos pelo Estado Social. São os direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à moradia, ao lazer, à assistência e previdência social.

Os direitos de terceira dimensão, de solidariedade ou fraternidade, têm por destinatário o gênero humano, ou seja, têm uma titularidade indefinida e indeterminada.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão podem ser...

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