O papel e a função da hermenêutica principiológica

AutorSimone Rita Zibetti de Souza
1 Introdução

O presente trabalho tem a pretensão de analisar o papel e a função da hermenêutica principiologica na Constituição de 1988, todavia, não se pretende e nem é objeto do presente artigo analisar todos os aspectos da interpretação constitucional, bem como a importância dos princípios fundamentais como garantidores de uma sociedade mais fraterna, plural e solidária, mas de verificar a sua importância principalmente quando há colisões de direitos fundamentais.

Logo, pretende-se partir para a análise da atual maneira de como se interpretar a Constituição, especialmente em relação aos princípios fundamentais, em que o processo hermenêutico ocupa um papel de grande relevância. O objetivo primeiro da interpretação deverá ser a criação de condições para que a norma interpretada tenha eficácia no sentido da realização dos princípios e valores constitucionais, e principalmente, sempre, da ideologia constitucionalmente adotada.

Para tanto, pretende-se fazer uma abordagem acerca da importância dos princípios fundamentais como meio de garantia e efetivação dos direitos individuais, sociais da Constituição, bem como uma análise na ascensão dos princípios instrumentais da interpretação constitucional. Em seguida na distinção entre princípios e regras, e na continuidade realizar uma abordagem no papel e função da hermenêutica principiológica quando há colisões entre direitos fundamentais.

Neste breve estudo será feito uma verificação de determinados autores como: ALEXY, ÁVILA, BARROSO, BOCKENFORD, BONAVIDES, BOROWSKI, CLÉVE, DWORKIN, FIGUEROA, HABERLE, LEAL, MALISKA, ROCHA, ROTHEMBURG, SANCHIS, SARLET, STRECK, VIRGÍLIO, com objetivo de analisar o papel e função dos princípios fundamentais da hermenêutica principiológica no contexto constitucional.

2 O papel e a função da hermenêutica principiológica
2. 1 Interpretação Constitucional

A maneira interpretativa da constituição expressa a realização de vontade da Constituição1, o que atualmente tem demonstrado uma necessidade de princípios específicos de interpretação constitucional com meta de superação das limitações interpretativas convencionais. Isto não significa o abandono ao método clássico subsuntivo da regra e dos elementos tradicionais da hermenêutica gramatical, histórica, sistemática e teleológica, porém tais elementos já não são mais suficientes.

A interpretação das cláusulas constitucionais tem uma nova conotação diante de seu conteúdo aberto, principiológico e diretamente dependente da realidade, posto que a norma na maioria das vezes delimita uma moldura2 na qual se pode chegar a diversas possibilidades interpretativas. Já na interpretação pautada em princípios a serem preservados e dos fins a realizar, será determinado o sentido da norma com uma solução constitucional para o caso concreto.

O atual meio interpretativo constitucional com a normatividade de princípios, ponderação e sopesamento de valores, teoria da argumentação, não significa renegar o conhecimento convencional da importância das regras e sua subsunção, mas esta nova interpretação é resultado de uma necessidade de novos tempos e novas demandas. A teoria da interpretação constitucional por muito tempo esteve vinculada a um modelo de interpretação fechada, reduzida em seu âmbito de investigação, em que se concentra na interpretação constitucional dos juizes e nos procedimentos formalizados. Em uma interpretação constitucional deve ser levado em consideração a sua realidade voltada ao interesse público e do bem estar geral3, considerando que em uma sociedade aberta e pluralista, faz parte da Constituição todas as potências públicas, participantes do processo social e nelas envolvidas, podendo ser um elemento formador ou constituinte desta sociedade.

Desta maneira o jurista HÄBERLE entende que quem vive a norma acaba por interpretá-la através da atuação de qualquer indivíduo como uma interpretação constitucional antecipada, o que se pode indicar como interpretação, somente a atividade que de forma consciente e intencional, se dirige à compreensão e à sua aplicação. Sendo que para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional pode ser aceito um conceito mais amplo da hermenêutica, tendo num sentido lato e como pré-intérpretes: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública. O que para o Autor se trata de uma teoria da interpretação sob a influência da teoria democrática, sendo impensável uma interpretação da Constituição sem o cidadão ativo e as potências públicas.

Continuando em relação aos princípios constitucionais indaga que deverão ser interpretados em sentido específico, e em um sentido mais amplo; atribui a introdução de uma interpretação orientada pela realidade da moderna democracia partidária, da doutrina e da formação profissional, adoção de um conceito amplo de liberdade de imprensa ou da interpretação da chamada liberdade de coalizão.

Com efeito, a conformação da realidade da Constituição também faz parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes à realidade. E o poder de conformação de que possui o legislador, enquanto intérprete da Constituição se diferencia do espaço que é assegurado ao juiz constitucional na interpretação, sendo que tal espaço é limitado de maneira diversa, tendo como argumento base de índole técnica4.

Quanto mais ampla for a interpretação constitucional, tanto do ponto de vista objetivo como metodológico, mais será o círculo dos que delas devam participar. Do ponto de vista teorético-constitucional, a legitimação fundamental das forças pluralistas da sociedade para participar da interpretação constitucional, resultam como elementos que se colocam dentro do quadro da Constituição, tendo como modo indireto à integração da res publica, que é a conseqüência da orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do real e do necessário.

Em relação à história constitucional brasileira no campo da interpretação, registram-se avanços e recuos no campo dos princípios informativos e ordenadores dos direitos e garantias fundamentais.

LEAL, em relação “a hermenêutica Constitucional brasileira, aduz criticamente que todo o fenômeno social e, portanto, o direito, deve ser lido e compreendido a partir de seus aspectos ideológicos e relacionando-o com a questão do poder, tema este que deve estar constantemente introduzido nas considerações pertinentes ao discurso e prática jurídica, principalmente para se evitar possíveis desvios para concepções reducionistas da matéria5. No contexto da crítica do Autor, o saber jurídico deve ser analisado como parte da própria estrutura coercitiva do Direito, e o poder das significações da lei emanaria de um saber que se tornaria senso comum entre os juristas. Diante da forma como o homem vive atualmente se faz necessário uma ruptura que permita pensar o fenômeno jurídico a partir de outro prisma que não o discurso oficial da ideologia positivista e suas novas faces, neopositivismo e neoliberalismo.

Desta maneira, as Constituições com enfoque na nova corrente teórica, são superiores aos regramentos de caráter infraconstitucionais não apenas pela hierarquia, bem como por determinada gradação; são superiores, também, em virtude de seu conteúdo. E, para que seja possível a atribuição de significados ao texto constitucional, mostra-se necessário “descrever primeiro um sentido concreto aos valores e, portanto, adotar certa concepção dos princípios e dos direitos fundamentais”6.

POZZOLO aduz a concepção de Constituição como a principal divergência entre os defensores de uma e de outra corrente; para os neoconstitucionalistas, a Constituição trata-se de documento com forte caráter valorativo, enquanto que para os positivistas, consiste em documento jurídico. Em relação às concepções em torno da moral, esta Autora exclui, de imediato, as morais positiva e concertada. Em seguida sustenta a relação que se desenvolve com a moral universal; pois, esta é a que se adapta ao âmbito normativo do neoconstitucionalismo e, ao mesmo tempo, é rechaçada pelo positivismo, e ainda complementa que “o reenvio à moral universal pretenderia efetivamente sua sobreordenação às normas jurídicas, que encontraria justificação em sua natureza de ‘verdade’ ou de ‘justiça’ universal ou objetiva”.

A interpretação constitucional deve se basear no plano jurídico de um lado, e de outro num plano político, garantindo o equilíbrio, posto que na análise da interpretação da norma constitucional se espera dos órgãos constitucionais o ajuste do interesse público que exprima o sentimento da coletividade.

BONAVIDES esclarece que as normas constitucionais “são dotadas de plasticidade”, donde não se pode admitir interpretação mecânica ou silogística; para o Autor este tipo de interpretação “levaria o intérprete a deixar escapar de sua análise o que é mais precioso e essencial na norma; a captação daquilo que confere vida à norma, que dá alma ao Direito e que os faz dinâmico e não estático. O erro do jurista é querer desmembrar a norma constitucional de seu manancial político e ideológico, e do sentido dinâmico e renovador que sempre haverá de acompanhar este tipo de norma”7.

Entretanto, quem dá efetividade à interpretação é sempre um ser racional e também histórico que fala e se comunica dentro de uma determinada história com cultura e contextos determinados. Assim o processo de constituição do significado do texto está intimamente marcado pelos elementos discursivos e categoriais construídos pelo tempo daquela história. Por este motivo é que os argumentos são fenômenos abertos com sentidos plurais...

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