O Papel do Poder Judiciário na Efetividade dos Direitos Fundamentais

AutorAdriana Monclaro Grandinetti
CargoAdvogada. Especialista em Direito Processual Civil - PUCPR e Direito Tributário na Academia Brasileira de Direito Constitucional, pós-graduada em Direito Processual Civil pela Università degli Studi di Milano
Páginas5-10

Page 5

1. A origem e evolução dos direitos fundamentais

Antes de adentrarmos no tema que pretendemos analisar, que consiste na necessidade do Poder Judiciário interpretar as normas tendo em vista a efetividade dos direitos fundamentais, interessante observar algumas questões referentes à origem e à teoria dos direitos fundamentais.

Sob a perspectiva histórica dos direitos fundamentais, percebe-se que um dos primeiros e talvez o mais famoso texto da Idade Média que estabeleceu, mesmo que de forma precária, uma restrição ao poder do soberano perante seus súditos, foi a Carta Magna, conquistada pelos barões ingleses junto ao rei João "Sem Terra", em 15 de junho de 12151. Contra os desmedidos privilégios e atitudes do soberano, garantiu a Magna Carta os direitos individuais dos nobres em face do Poder Público.

Os direitos fundamentais surgiram nas Constituições à época do movimento político-social no "Século das Luzes", obra do pensamento propagado pelo iluminismo. O liberalismo político de Locke2 , no âmbito filosófico, consolida-se a partir das Revoluções liberais, as quais assinalaram uma expressiva ruptura com o formalismo jurídico do padrão absolutista.

A Revolução Americana e a Francesa iniciaram a fase de constitucionalização dos direitos fundamentais, e os principais documentos que demonstraram o aparecimento desses direitos foram a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 17893. Estas garantias nasceram atreladas ao Estado de Direito Liberal e resguardaram, primeiramente, proteger a liberdade, a propriedade e a resistência à opressão. Como bem esclarece Jorge Miranda:"O Estado Constitucional, representativo ou de Direito como surge o Estado liberal, assenta na idéia de liberdade e, em nome dela, empenhando em limitar o poder político tanto internamente como externamente"4.

Os direitos liberais entram na classe dos direitos de abstenção, isto é, geram uma limitação ao Poder Público, um não-fazer do Estado5. Considerase que os direitos fundamentais nasceram como instrumentos de defesa contra o Estado e correspondem, hoje, aos denominados direitos de "primeira geração"6.

Ao fazer uma abordagem acerca das gerações de direitos fundamentais, importa recordar a teoria dos quatro status desenvolvida por Georg Jellinek. A teoria é embasada na idéia de que o indivíduo, na condição de membro do Estado, mantém com este diversas relações, às quais Jellinek denomina status7. O status qualifica a situação jurídica do indivíduo diante do Estado. O status passivo é aquele no qual o indivíduo está submisso aos poderes estatais, sendo portador de deveres individuais e não de direitos; o status negativus consiste na esfera individual de liberdade imune ao poder do Estado, o indivíduo encontra-se livre da interferência estatal, é um direito de defesa; o status positivus é a prerrogativa do indivíduo exigir prestações positivas do Estado, agindo o Poder Público concretamente para a satisfação dos interesses dos cidadãos. Por fim, o status activus civitatis é identificado como direito de participação, reconhece a capacidade de participação do indivíduo na formação da vontade política do Estado8.

A história nos mostrou que, com o passar do tempo, não foi suficiente apenas garantir a liberdade formal dos indivíduos, sendo imperativo postular uma atuação positiva do Estado. O modelo liberal de Estado de Direito que serviu para a positivação dos direitos fundamentais, se tornou insatisfatório. O conceito de Estado impossibilitado de interferir na ordem econômica, inclusive para atuar positivamente no que se refere às desigualdades sociais, teve de ser superado9.

É, então, com o surgimento do Estado Social de Direito, decorrente da I Guerra Mundial e da influência marxista, que apareceram no século XX, a partir da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919, os direitos econômicos, sociais e culturais, exigindo-se com eles, não mais abstenção do Estado, mas, sim, prestações materiais. Pretendeu-se dar ao Estado um papel intervencionista, tornando-se agente do desenvolvimento e da justiça social, assumindo um papel ativo como agente econômico, minimizando as desigualdades presentes10. Os direitos sociais surgem vinculados ao desenvolvimento industrial e ao aparecimento de um proletariado, sujeito ao domínio da burguesia capitalista. Estes anseios estão intimamente ligados ao ideal de igualdade e são designados como direitos de "segunda geração"11. Os direitos fundamentais de segunda geração postulam, desta forma, uma exigência ao Poder Público no sentido de que este atue em favor do cidadão, e não mais para deixar de fazer alguma coisa (corresponderia, então ao status positivus de Jellinek).

Sobreleva frisar que é somente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o Direito Internacional dos Direitos Humanos foi efetivamente consolidado. Os tratados internacionais de proteção de direitos humanos decorreram dos horrores da era Hitler, das atrocidades cometidas a milhões de pessoas durante o Nazismo. Nas palavras de André Franco Montoro, os absurdos cometidos durante o período nazista provocaram a revolta da consciência mundial e a constituição de um Tribunal Internacional em Nuremberg, para julgar os crimes contra a humanidade, violadores dos fundamentos éticos da vida social12.

Neste contexto, em 1948 a Organização das Nações Unidas editou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, estendendo para praticamente todo o mundo a proteção aos direitos fundamentais do ser humano, sendo considerada um marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos. Merecem anotação os ensinamentos de Flávia Piovesan, quando tece comentários acerca da Declaração da ONU:"A Declaração surgiu como um código de princípios e valores universais a serem respeitados pelos Estados. Ela demarca a concepção inovadora de que os direitos humanos são direitos universais, cuja proteção não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional"13.

É oportuno analisar a terceira geração dos direitos fundamentais14, a qual corresponderia ao terceiro elemento preconizado na Revolução Francesa, a "fraternidade". Esta categoria de direitos representa a evolução das garantias fundamentais para efetivar a proteção dos direitos decorrentes de uma sociedade já modernamente organizada, envolvendo problemas relativos à industrialização e urbanização. Nesta terceira geração de direitos fundamentais, podemos citar: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à comunicação, os direitos dos consumidores e vários outros direitos, especialmente aqueles relacionados aos grupos de pessoas mais vulneráveis. Ainda no que tange às gerações de direitos fundamentais, deve ser mencionada, por último, uma quarta geração de direitos15 , identificada por vários autores, a qual decorre da atual globalização dos direitos fundamentais, tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo.

Consoante a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, é possível concluir, com relação à geração de direitos, que estes são, acima de tudo, fruto de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça ou de agressão a bens elementares do ser humano16.

Estes direitos são os elementos essenciais para que seja preservada a vida digna, qualificados na condição de fundamentais pelo direito, especialmente o constitucional de determinado Estado17. Eles compilam princípios que as pessoas, individualmente ou como um grupo, escolheram para representar as condições de uma vida e convivência humana justa e pacífica. Além disto, constituem-se diretrizes que orientam a organização da sociedade e do Direito.

Neste sentido, Robert Alexy assim os descreve: "Direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem transformados em direito positivo; estes direitos são elementos essenciais da ordem jurídica nacional respectiva, são direitos que determinada sociedade escolheu por bem inseri-los em seu direito positivo, sendo resguardados pela Constituição18.

Norberto Bobbio defende que direitos fundamentais, democracia e paz são três momentos necessários para o desenvolvimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia inexistem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos19. Neste prisma, Habermas conclui que não é possível realizar a democracia apartada da realização e efetividade dos princípios fundamentais. Realmente, não há democracia sem respeito à Constituição, que deve ser entendida como guardiã de um processo de criação democrática de direito.

2. Os princípios fundamentais na Constituição Federal de 1988 - a sua eficácia e os limites impostos ao legislador

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, a Constituição de 1988 foi a primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos princípios fundamentais20. De fato, a nossa Carta Magna permitiu um avanço extraordinário na teoria jurídica dos direitos fundamentais. Esses direitos passaram a ocupar uma posição privilegiada dentro do nosso ordenamento jurídico atual. Nos termos do disposto no art. 5º, § 1º da Constituição: "as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Nesse contexto, pode se concluir que a norma exibida no art. 5º, § 1º da CF impõe aos órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos direitos fundamentais21. Isso quer dizer que o intérprete do direito, ao se deparar com uma situação em que esteja em jogo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT