O paradoxo do discurso ressocializador

Autor1.Renata Jardim da Cunha Rieger - 2.Rafael Camparra Pinheiro
Cargo1.Mestranda em Ciências Criminais (PUC/RS) - 2.Analista Judiciário Federal, lotado junto ao Tribunal Regional Federal da 4a Região
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Muito se tem discutido, atualmente, sobre o alcance da noção de liberdade. O que traz explícita ou implicitamente esta expressão? Liberdade de pensamento, liberdade de crença, liberdade de ação, liberdade de recuperação, liberdade de mudança, liberdade, liberdade, liberdade... Expressões constitucionalmente consagradas, mas muito mal incorporadas socialmente.

Tomando-se de empréstimo a “liberdade de mudança”: qualquer cidadão tem o direito de “mudança”. Qualquer indivíduo – servindo-se de uma expressão tecnicamente mais abrangente – tem assegurado o respeito pela mudança nos rumos de sua vida. A grande questão é: até que ponto esta mudança é bem aceita pelos demais. Se o próprio agente da mudança a teme, o que esperar dos demais? Não estão eles – os outros – escorados no seu meio de vida?

Transpassando o acima descrito para um contexto macro, o debate ganha em importância. O direito penal assume a cena. Um dos pilares da aplicação da pena (utópica, mas discursiva) é a ressocialização do apenado. É ela a mais forte razão do discurso punitivista.

Ressocialização é mudança; então, além de ser o esperado em uma sanção criminal, é também um direito do egresso, conforme acima argumentado. Ocorre que a própria sociedade (principal beneficiária dessa mudança), no íntimo do intelecto de cada indivíduo que a compõe, espera a não ressocialização dos “criminosos” (selecionados pelo sistema, diga-se).

E isso ocorre por uma sutil razão: no momento em que cada ser humano identifica no indivíduo “mau” a possibilidade deste tornar-se um indivíduo “bom” (mudança), inevitavelmente reconhece-se como eventual (possível) praticante da maldade (é lógico, pois se há possibilidade de mudança positiva, há também possibilidade de mudança negativa). Em outras palavras, rompe-se a estanque divisão bem/mal: reconhecer que o “mal” possa tornar-se o “bem” acarreta o reconhecimento de que o “bem”, eventualmente, possa tornar-se o “mal”. Eis o paradoxo do discurso ressocializador. No pensamento de Luiz Eduardo Soares1, o custo da generosidade compassiva e fraterna (“reconhecer a existência da mudança positiva”) é a perda da autoconfiança (“eu também posso vir a ser o mal!”).

Dessa forma, em realidade, os egressos do sistema penitenciário, ao reincidirem, cumprem o seu papel social de “espelhos invertidos da sociedade”.

Aqueles poucos “rebeldes” que se ressocializam, porém, carregam a marca da contramão social – não cumpriram seu dever!! – não se deixando esquecer...

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