A patologização da infância na sociedade contemporânea: reflexões sociológicas e jurídicas frente à medicalização da vida infantil

AutorLuiza Maria de Assunção - Baruana Calado dos Santos - Isis Peralta de Oliveira
CargoBacharela em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) - Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) - Bacharela em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC, Campinas)
Páginas148-163
Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR, v. 24, n. 2, p. 148-163, jul./dez. 2021 ISSN 1982-1107
ASSUNÇÃO, L. M. de. et al. 148
A PATOLOGIZAÇÃO DA INFÂNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:
REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS E JURÍDICAS FRENTE À MEDICALIZAÇÃO DA VIDA
INFANTIL
Luiza Maria de Assunção
1
Baruana Calado dos Santos
2
Isis Peralta de Oliveira
3
ASSUNÇÃO, L. M. de.; SANTOS, B. C. dos; OLIVEIRA, I. P. de. A patologização da infância na
sociedade contemporânea: reflexões sociológicas e jurídicas frente à medicalização da vida infantil.
Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR. Umuarama. v. 24 , n. 2, p. 148-163, jul./dez.
2021.:
RESUMO: Neste artigo objetiva-se refletir sobre a recorrência da medicalização da infância e os
seus impactos a partir da sociologia e da saúde coletiva. Objetiva-se, também, verificar se a prática
judiciária tem agregado à prevenção desse fenômeno, tendo em vista a proteção à saúde e à vida,
estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. A discussão foi desenvolvida mediante
literatura especializada, com base nos conceitos de disciplina e docilização dos corpos de Michel
Foucault. É um problema que revela o descaso em relação às singularidades dos sujeitos e a
patologização de seus comportamentos, bem como o fortalecimento de uma sociedade extremamente
disciplinarizada e adoecida que não consegue aceitar as diferenças. Para a investigação da prática
judiciária, foi realizada pesquisa jurisprudencial preliminar, a partir do que se verificou que
indícios, ainda que poucos, da abertura do judiciário para recomendações internacionais e domésticas
que visam à diminuição da medicalização infantil.
PALAVRAS-CHAVE: Medicalização; Direitos da criança; Estatuto da Criança; do Adolescente
(ECA).
THE PATHOLOGIZATION OF CHILDHOOD IN THE CONTEMPORARY SOCIETY:
SOCIOLOGICAL AND LEGAL REFLECTIONS FACING THE MEDICALIZATION OF
CHILD LIFE
ABSTRACT: This article aims to reflect on the recurrence of childhood medicalization and its
impacts from a sociological and public health standpoint. It also aims to verify whether the judicial
practice has added to the prevention of this phenomenon, taking into account the right to health and
life, established in the Brazilian Child and Adolescent Statute. The discussion was developed through
specialized literature, based on Michel Foucault’s concepts of discipline and docile body. It is a
problem that reveals the disregard for the subjects' singularities and the pathologization of their
behaviors, as well as the strengthening of an extremely disciplined and sick society that cannot accept
differences. For the investigation of judicial practice, preliminary jurisprudential research was carried
out, from which it was found that there is evidence, albeit few, of the opening of the judiciary to
international and domestic recommendations aimed at reducing child medicalization.
DOI: 10.25110/rcjs.v24i2.2021.8923
1
Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Licenciada em Ciências Sociais pela USP. Mestra
e Doutora em Sociologia pela USP. Professora do Curso de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG),
unidade Ituiutaba - MG. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Antropologia e Direito (GEPAD).
2
Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharela em Direito pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
3
Bacharela em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Graduanda do
curso de Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
A patologização da infância na... 149
Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da UNIPAR, v. 24, n. 2, p. 148-163, jul./dez. 2021 ISSN 1982-1107
KEYWORDS: Medicalization; Children's rights; Brazilian Child; Adolescent Statute.
LA PATOLOGIZACIÓN DE LA INFANCIA EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA:
REFLEXIONES SOCIOLÓGICAS Y JURÍDICAS SOBRE LA MEDICALIZACIÓN DE LA
VIDA INFANTIL
RESUMEN: Esta ponencia tiene como objetivo reflexionar sobre la recurrencia de la medicalización
infantil y sus impactos desde el punto de vista de la sociología y la salud colectiva. El objetivo también
es verificar si la práctica judicial se ha sumado a la prevención de este fenómeno, con miras a la
protección de la salud y la vida, establecido en el Estatuto de la Niñez y la Adolescencia. La discusión
se desarrolló a través de la literatura especializada, a partir de los conceptos de disciplina y docilidad
de los cuerpos de Michel Foucault. Es un problema que revela el desprecio por las singularidades de
los sujetos y la patologización de sus conductas, así como el fortalecimiento de una sociedad
extremadamente disciplinada y enferma que no puede aceptar las diferencias. Para la investigación
de la práctica judicial, se realizó una investigación jurisprudencial preliminar, de la cual se encontró
que existen evidencias, aunque pocas, de la apertura del poder judicial a las recomendaciones
internacionales y nacionales tendientes a disminuir la medicalización infantil.
PALABRAS CLAVE: Medicalización; Derechos de los niños; Estatuto de la Niñez; la Adolescencia
(ECA).
1. INTRODUÇÃO
Vive-se atualmente num contexto social onde predomina o modelo biomédico, focado na
doença e na cura. Nesse modelo médico-centrado ocorre uma intensa medicalização (ILLICH, 1975;
FOUCAULT, 1977) dos indivíduos. Tomando como parâmetro essa realidade, que atinge a todos
sem exceção, é pertinente realizar questionamento em relação à possibilidade das crianças
conquistarem autonomia numa sociedade que prioriza a doença em detrimento da promoção da saúde
e que estabelece padrões de comportamento e de “normalidade” que orientam a vida social.
É oportuno trazer a reflexão sobre o que confere a algo o status de normal ou patológico.
Canguilhem (2006) abordou proficuamente esse tema, apontando a relatividade que o compõe,
referindo-se ao fato de não ser o normal um conceito estático ou pacífico, ao contrário trata-se de
concepção dinâmica e polêmica.
Ponderar sobre a mente saudável e tentar defini-la ou mesmo medi-la é de uma complexidade
ímpar, dado o emaranhado de questões que compõem a vida dos sujeitos. Estamos falando de aspectos
ideológicos, políticos, sociais e culturais que definem padrões de comportamento em determinado
contexto social (LANCETTI; AMARANTE, 2009). Todos esses aspectos são, de algum modo,
constituintes das vidas individuais. Ou seja, o sujeito, como bem sugeriu Basaglia (2005), não pode
ser colocado entre parênteses. Sua singularidade, seu mundo de vivências e de construções simbólicas
deve ser considerado.
Vive-se atualmente numa sociedade altamente medicalizada, onde ainda predomina a
perspectiva centrada na doença e não nos sujeitos (TESSER; NETO; CAMPOS, 2010). Com isso,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT