Patrimônio cultural negro no Brasil da 'pedra e cal' à proteção imaterial da anima negra

AutorDavid de Oliveira, Thaise Lamara Almeida Carvalho
CargoUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil/Universidade Federal do Amapá, Macapá, AP, Brasil
Páginas5-21
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
PATRIMÔNIO CULTURAL NEGRO NO BRASIL: DA “PEDRA E
CAL” À PROTEÇÃO IMATERIAL DA ANIMA NEGRA
BLACK CULTURAL HERITAGE IN BRAZIL: FROM “STONE AND LIME” TO
THE IMMATERIAL PROTECTION OF THE BLACK ANIMA
David de OliveiraI
aise Lamara Almeida CarvalhoII
Resumo: Este artigo tem como objeto analisar a proteção
cultural sobre os bens de matriz negra no Brasil. Para tanto,
realiza-se uma pesquisa eminentemente documental e
bibliográfica, fazendo uso de uma metodologia dedutiva. O
objetivo principal do texto é perceber como os bens culturais
de origem africana encontravam dificuldade de salvaguarda
no ordenamento anterior a Constituição de 1988 e como a
inserção da proteção imaterial favoreceu inúmeros registros
e inventários. Para alcançar esse objetivo lançamos mão de
três seções: na primeira, observamos a relação existente entre
uma constituição de um regime democrático, o pluralismo
e a proteção de bens imateriais; no seguinte, observamos as
contribuições que a Constituição de 1988 trouxe ao debate
de salvaguarda patrimonial; e, por último, a construção
da proteção do patrimônio negro, antes e depois de 1988.
O artigo é original e supre lacuna no campo dos estudos
patrimoniais.
Palavras-chave: Patrimônio cultural negro. Patrimônio
cultural imaterial. Pluralismo.
Abstract: is article aims to analyze the cultural protection of
black goods in Brazil. erefore, an eminently documentary
and bibliographic research is carried out, using a deductive
methodology. e main objective of the text is to understand
how cultural goods of African origin found it difficult to
safeguard in the order prior to the 1988 Constitution and how
the insertion of immaterial protection favored innumerable
records and inventories. In order to achieve this objective, we
used three sections: in the first, we observed the relationship
between a constitution of a democratic regime, pluralism and
the protection of immaterial goods; in the following, we note
the contributions that the 1988 Constitution brought to the
debate on safeguarding assets; and, finally, the construction
of the protection of black heritage, before and after 1988.
e article is original and a complete gap in the field of
heritage studies.
Keywords: Black cultural heritage. Intangible cultural
heritage. Pluralism.
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i43.884
Recebido em: 10.07.2022
Aceito em: 29.10.2022
I Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, CE, Brasil. Doutor em Direito.
E-mail: david.oliveira@ufc.br
II Universidade Federal do Amapá,
Macapá, AP, Brasil. Mestre em
Planejamento e Políticas Públicas.
6 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 17 | n. 43 | p. 5-21 | set./dez. 2022
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i43.884
1 Introdução
É
indispensável, a princípio, afirmar que o patrimônio cultural é importante ferramenta
de identidade e coesão social, referindo a anima da nação. É certo ainda que, antes
da Constituinte de 1987, apenas o patrimônio europeu – chamado patrimônio de “pedra e cal”
– era protegido pela legislação nacional. Isso implicava a aceitação de um patrimônio branco
e a ocultação das demais matrizes culturais nacionais, a saber: os ameríndios, os negros, as
comunidades tradicionais etc.
Um problema toca ao Constituinte de 1987: Como proteger um patrimônio que não
é edificado, escrito ou forjado? As expressões identitárias das demais matrizes nacionais se
manifestam em danças, objetos de cipó, cerâmica, canções, comidas etc., e tudo isso não é passível
de tombamento. O constituinte então propôs um outro modo de proteger esse patrimônio
cultural reunindo novas práticas de proteção sob o título de “patrimônio cultural imaterial”.
Este artigo, portanto, tem como objetivo não apenas apontar as espécies de proteção
do patrimônio cultural dos afrodescendentes, mas também discutir como essa proteção foi
possibilitada a partir da inauguração de um Estado democrático, em 1988, e do ingresso de
novos atores – e seu acesso ao poder – no debate nacional. Antes de 1988, durante a ditadura
militar, apesar das discussões realizadas no SPHAN, o debate sobre a proteção desse patrimônio
pouco caminhou e apenas no decorrer da constituinte de 1987 foram alcançados importantes
avanços.
Deste modo, fala-se a seguir sobre a construção – a partir da Constituição Federal de 1988
– da proteção de bens culturais de uma das matrizes formadoras do Brasil, a saber: o patrimônio
cultural dos afrodescendentes. Para tanto, utilizou-se metodologia hipotético-dedutiva por meio
de pesquisa eminentemente bibliográfica. Foram elencadas, além de introdução e considerações
finais, o desenvolvimento de três seções: o pluralismo cultural e a democracia; o pluralismo
cultural da Constituição Federal de 1988; e, por fim, política de preservação do patrimônio
negro. Nossa hipótese é de que o pluralismo cultural só pode virar proteção cultural dentro
de uma constituição pluralista e democrática. Daí nossa preocupação em discutir pluralismo
jurídico e democracia.
2 O pluralismo democrático, constituição e bens culturais
O Estado democrático moderno, ao inverso do autoritário, pressupõe necessariamente a
participação de uma variedade imensa de opiniões que devem coabitar um mesmo nicho político.
Nas democracias, ao invés da massificação das opiniões através da homogeneização dos grupos,
surgem e se consolidam sujeitos e particularismos politicamente relevantes. No desenvolvimento
complexo da sociedade, os grupos tornam-se múltiplas organizações, associações das mais
diversas naturezas, sindicatos das mais díspares profissões, partidos das mais distintas ideologias,
ampliando o dissenso social. Na democracia, como sustenta Bobbio, não há mais o povo como
unidade ideal, havendo apenas “o povo dividido de fato e, grupos contrapostos e concorrentes,

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