Penal

Páginas216-220
PENAL
216 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 666 I OUT/NOV 2020
contratantes já haviam pactuado uma
sequência de prestações e contrapres-
tações a serem cumpridas numa ordem
previamente estabelecida, como é co-
mum nos contratos bilaterais (no caso:
conclusão da obra, “habite-se”, quitação
do saldo devedor, entrega das chaves,
lavratura da escritura), de modo que,
uma vez não cumprida a prestação
referente ao saldo devedor, tornou-se
inexigível a contraprestação seguinte,
referente à entrega das chaves.
É certo que a incorporadora atrasou
em dois meses a obtenção do “Habite-
-se”.
Porém, o comportamento poste-
rior dos promitentes compradores, de
efetuar um pagamento parcial, aquém
até mesmo do valor nominal do saldo
devedor, entra em contradição com a
pretensão de lucros cessantes, pois, se
a intenção dos promitentes comprado-
res era fazer pagamento parcial, quem
acabou dando causa aos lucros cessan-
tes foram os próprios compradores,
uma vez que, tivesse a obra sido con-
cluída no prazo, ou não, o pagamento
parcial, por si só, seria fato suficiente
para justificar a recusa da incorpora-
dora em entregar as chaves.
Pode-se até vislumbrar nesse cená-
rio a aplicação do princípio da boa-fé
objetiva, na concretização da fórmu-
la jurídica tu quoque, segundo a qual
“aquele que infringiu uma regra de con-
duta não pode postular que se recrimi-
ne em outrem o mesmo comportamen-
to) e a ‘venire contra factum proprium’
(exercício de uma posição jurídica em
contradição com o comportamento an-
terior do exercente). (Responsabilidade
civil no Código do Consumidor e a de-
fesa do fornecedor. 3ª ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2010, p. 17, obra de minha autoria).
No caso dos autos, o pedido de lu-
cros cessantes deduzido pelo promi-
tente comprador entra em contradição
com a sua conduta anterior de efetuar
um pagamento aquém do valor nomi-
nal do saldo devedor, pois quem não
se dispõe a pagar ao menos o valor
nominal do saldo devedor não faz jus
ao recebimento das chaves, não experi-
mentando, portanto, lucros cessantes.
Destaque-se que o pagamento
aquém do valor nominal não encon-
tra justificativa na cobrança (abusiva)
do INCC durante período de atraso
da obra, pois, ainda que expurgado o
INCC, o valor do saldo devedor persis-
tiria em seu valor nominal, que, ainda
assim, não foi inadimplido.
Com base nesses fundamentos, é de
se excluir, também, a condenação da
incorporadora ao pagamento de inde-
nização por lucros cessantes.
Por fim, no que tange às demais
parcelas da condenação (lavratura de
escritura e substituição do INCC pelo
IGPM), a parte ora recorrente não de-
duziu a questão federal pertinente,
fazendo-se incidir o óbice da Súmula
284⁄STF.
Destarte, o recurso especial merece
ser provido, em parte.
Ante o exposto, voto no sentido de
DAR PARCIAL PROVIMENTO ao re-
curso especial para excluir da conde-
nação as parcelas referentes aos danos
morais e aos lucros cessantes.
Tendo em vista a alteração do grau
de decaimento das partes, bem como o
fato de a incorporadora ter dado causa
à demanda por atrasar a outorga da
escritura, redistribuo os encargos da
sucumbência, que passam ser supor-
tados na proporção de 1⁄3 pela parte
autora da demanda, ora recorrida, e 2⁄3
pela parte demandada, ora recorrente,
substituindo-se a base de cálculo dos
honorários advocatícios pelo valor
atualizado da causa, mantido o arbitra-
mento em 15%.
É o voto.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA
TURMA, ao apreciar o processo em epí-
grafe na sessão realizada nesta data,
proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimida-
de, deu parcial provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Mi-
nistro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas
Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze,
Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy
Andrighi votaram com o Sr. Ministro
Relator. n
666.204 Penal
ERRO NA EXECUÇÃO
DOLO NA PRÁTICA DE HOMICÍDIO SE ESTENDE AO
CRIME CONTRA SEGUNDA VÍTIMA ATINGIDA POR
ERRO DE PONTARIA
Superior Tribunal de Justiça
Recurso Especial n. 1.853.219/RS
Órgão Julgador: 6a. Turma
Fonte: DJ, 08.06.2020
Relator: Ministro Nefi Cordeiro
EMENTA
Recurso especial. Tribunal do júri. Pronúncia. Homicídio doloso.
Erro na execução. Aberratio ictus com duplicidade de resultado.
Dolo. Extensão à conduta não intencional. Incidência do art. 73,
última parte, do CP. Aplicação do concurso formal. Recurso es-
pecial provido. 1. Ocorre aberratio ictus com resultado duplo, ou
unidade complexa, de que dispõe o art. 73, segunda parte, do CP,

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