Substituição tributária para frente - julgamentos pendentes no STF (ADI 2.675-PE e 2.777-SP) - compreensão da tributação constitucionalmente presumida e seu correlato direito a restituição

AutorWalter Carlos Cardoso Henrique
CargoMestre em Direito Tributário pela PUC/SP, onde também é Professor. Foi Julgador do Tribunal de Impostos e Taxas
Páginas117-134

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Muito foi escrito sobre a constitucio-nalidade ou não da chamada substituição tributária para frente, porém nenhum estudo se tem prendido com exclusividade ao texto constitucional: origem e termo de qualquer interpretação eminentemente jurídica. E isso, mesmo após o julgamento da ADI 1.851-AL,1 cujo conteúdo não teve o condão de apaziguar a contradição envolvendo os entendimentos e interesses envolvidos. Estou que o principal obstácu-

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lo a qualquer exame sobre o tema é o preconceito com que a doutrina a esta situação se refere, agravado pelo fato de que somente os órgãos estatais, e não correntes doutrinárias (e isso é importante), deram-se por satisfeitas após o julgamento do leading case pelo Supremo Tribunal Federal. Não se está a criticar pensamento tradicional inicialmente sustentado por autores inesquecíveis como Geraldo Atali-ba2 no sentido da inconstitucionalidade do tema. O problema é outro - eminentemente constitucional -, e outra deve ser a aproximação e solução conseqüente.

I - Delimitação preliminar: fixando o ponto de estudo

O conteúdo normativo em questão é o seguinte:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 7o. A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador de ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

O texto é constitucional, de modo que a interpretação não pode passar por nenhum outro tipo de suporte legislativo. Destarte, não há motivos para que se visite a LC 87/1996, o Código Tributário Nacional ou qualquer outro veículo legislativo de menor envergadura.

Como diria Geraldo Ataliba,3 "matéria tributária é um regime totalmente estabelecido (...) pelo general, que é a Constituição"; ou mais recentemente, na pena de Estevão Horvath:4 "toda interpretação deve ter como 'ponto de partida' os princípios, mas também os tem como 'ponto de chagada'". Onde se lê princípios, leia-se Constituição.

Firmada a premissa, afastadas estão as justificativas jurídicas ou econômicas fincadas em planos inferiores, assim como restam imprestáveis quaisquer aproximações vinculadas à sujeição passiva na forma que regulamentada pelo Código Tributário Nacional. Portanto, a resposta à compreensão da constitucionalidade deste dispositivo encontra-se nas dobras da própria constituição, e na identificação de um critério jurídico pouco estudado por aqueles que se aventuram ao exame do direito tributário e sua pertinente ciência: o tempo.

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II-A constitucionalidade a partir do critério normativo "tempo"

O tempo é critério jurídico e, no Brasil, um critério constitucional.

Jurídico, porque, na pena de Gerhart Husserl:5 "A existência do homem começa com o nascimento. A essência do homem manda de volta porém a um tempo histórico precedente ao seu nascimento. É o tempo que vive dos seus superamentos e do modo pelo qual, no seu modo de vida, é plasmado e seguro. Sou (não apenas, mas também) isto que sou, quando vivo estes superamentos (aos quais este mundo circunstante era coordenado). A norma jurídica também se projeta em direção contrária ao passado a fim de alcançar além do início de sua existência, além do ponto temporal da sua entrada em vigor. Toda norma tem uma pré-história que vai alcançar essa. (...) Um ordenamento não pode restar invariável, se o que vem ordenado se transforma essencialmente. As questões do direito sob a transformação, crescem e perecem no tempo histórico. Nenhum sistema jurídico é para sempre. (...) Quando o legislador estabelece determinadas normas de comportamento, ele apanha uma providência antecipada acerca do futuro dos homens que daquelas normas são interessados. Ele antecipa um traço do futuro. (...) O moderno matrimônio civil tem um início jurídico. Vem fundado de fato no ato jurídico representado da celebração das núpcias. Todavia esse não tem nenhum limite temporal fixado pelo direito. O fato que o matrimônio encontra o próprio fim na morte de um cônjuge não se funda sob uma proposição do ordenamento jurídico. (...) É ínsito à essência do matrimônio, que tenha o próprio passado ainda eficaz na via matrimonial em comum, como é hoje; e que possua uma prospectiva de futuro. Certo, a existência do matrimônio se estende bem além de um intervalo de tempo objetivo (que é um tempo 'vazio'). A estrutura temporal interna do matrimônio é de fato aquela de um tempo preenchido, como vem experimentado dia após dia na vida em comum do casal" (tradução livre).

Na mesma toada, Paulo de Barros Carvalho:6

"É satisfatório meditar no asserto de que a relação jurídica é a única fórmula com a virtude de suscitar direitos e deveres correlatos, bem como na premissa de que o direito persegue suas finalidades de disciplina do comportamento do homem,

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em sociedade, pelo manejo incessante e sistemático desse instrumento, para aquilatarmos a supina relevância do conhecimento preciso daquele instante em que, por instaurar-se um liame abstrato entre pessoas, surgirão direitos e obrigações. E sobressai o enorme interesse pela procura dessa realidade temporal, na medida em que atinamos que as pretensões impositi-vas do Estado, na esfera do Direito Tributário, atingem duas prerrogativas fundamentais dos cidadãos, quais sejam os direitos de propriedade e liberdade. Instalando o vínculo, ver-se-á o sujeito passivo tolhido na sua liberdade, jungindo-se ao cumprimento de certa prestação, e, bem assim, ameaçado em seu patrimônio, porque a exigência fiscal se arma ao escopo de obter nele uma parcela pecuniária. Idêntico interesse toca ao sujeito ativo, que tem, naquele momento, a assunção de seus direitos às chamadas receitas derivadas ou coativas, com que provê o bem comum que a sociedade anela.

"Sobrepensados esses aspectos, desponta a natural necessidade de que a norma tributária revele o marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato, abrindo-se aos sujeitos da relação o exato conhecimento da existência de seus direitos e de suas obrigações."

E constitucional porque, como já pude demonstrar,7 cerca de 30,4% das disposições constitucionais do corpo principal albergam marcos temporais explícitos e 10,8% marcos temporais implícitos, totalizando índice da ordem de 41,2%. O ADCT repete este mesmo padrão, registrando no mesmo levantamento, 47,4%.8

A conferência, a título exemplificati-vo, salienta a relevância do argumento. Embora o número de artigos seja maior, cabe destacar alguns explícitos e alguns implícitos. Daqueles que trazem observação temporal evidente, excluindo-se aqueles que apontam idade, aponto os seguintes:

(i) Art. 5o, inc. XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

(ii)Art. 5o, inc. XXVII- aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

(iii) Art. 6o, inc. XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva e trabalho;

(iv)Art. 6°, inc. XXIX- ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

(v) Art. 12, inc. II, alínea "b " - os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira;

(vi) Art. 44, parágrafo único - Cada legislatura terá duração de quatro anos;

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(vii) Art. 62, § 2° - As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7o, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações judiciais dela decorrentes;

(viii)Art. 71, § 4o - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades;

(ix) Art. 165, incs. I e III - o plano plurianual; e os orçamentos anuais;

(x)Art. 195, § 6°-As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b (destaquei).

O rol acima é apenas exemplificativo, e foi colacionado a esmo, apesar de estar ordinariamente ajustado. Os artigos que possuem implícita referência temporal, apesar de não tão numerosos, também são incontestáveis. É o caso do art. 150, em cujas alíneas "a", "b" e "c", de seu inc. III, impede a exigência passada de tributos instituídos ou aumentados, e impede a instantânea e presente exigência de tributos novos ou majorados (antes do próximo ano, com intervalo mínimo de 90 dias).

Tanto o rol das disposições explícitas quanto implícitas caracteriza-se pela identificação de uma preocupação com situações passadas, presentes e futuras. Por exemplo, quando o inc. XXXVI do art. 5o9...

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