O pensamento político de Paulo Bonavides

AutorDimas Macedo
CargoMestre em Direito e Professor da Faculdade de Direito da UFC.
Páginas1-11

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1 Considerações preliminares

Nos países de tradição afortunada, os homens honorários, ao perfazerem o ciclo de convivência com a Academia, recebem uma homenagem de coro e de tribuna e uma coletânea de textos em louvor à sua atividade no campo da pesquisa. Paulo Bonavides não foi mandado de volta para a casa desta forma, e para a casa com certeza ele jamais regressaria, pregoeiro que é da Constituição e da Justiça, enquanto legados do Estado de Direito; e dos direitos essenciais da liberdade, enquanto expressões da Constituição e da Democracia.

Os seus leitores e admiradores sempre encontram alguma forma de homenageá-lo e de fazê-lo a estrela que os guia pelos escuros (e às vezes escusos) caminhos do Direito. Neste sentido, os esforços de Paulo Lopo Saraiva (Antologia Luso-Brasileira de Direito Constitucional, 1992), Ronald Cavalcante Soares (Direito Constitucional, 1998), Eros Grau e Willis Santiago Guerra Filho (Direito Constitucional, 2001) e Fernando Luiz Ximenes Rocha e Filomeno Moraes (Direito Constitucional Contemporâneo, 2005), todos empenhados em reunir, em livros de grande aceitação no mundo do Direito, ensaios e estudos em tributo a Paulo Bonavides.

Sabemos, no entanto, que o desafio de louvar um mestre é o de sermos infinitamente menores do que o monumento que admiramos. A condição de discípulo, como é notório, é sempre inferior à postura de mestre, por mais que nos queimemos em traduzir ou imitar as suas técnicas de pesquisa, o seu engenho de formas, as suas estocadas firmes e o clarim com que ele nos leva de volta para a luta.

Em Paulo Bonavides há de se observar, num primeiro plano, um projeto de genialidade que se planta no centro da cultura do Brasil. Não se trata tão-só do maior de todos os nossos constitucionalistas ou do maior constitucionalista da língua, como querem os que mourejam do outro lado do Atlântico.

Registrese, ademais, que o seu destemor e a sua bravura de advogado, a sua integridade de jurista e os saberes múltiplos com que reescreve a justiça social dos excluídos, constituem um bloco de virtudes que fazem dele um homem imprescindível.

Nele se reflete uma multiplicidade de personas e de sujeitos intelectivos que zanzam, à vontade, da compreensão da nossa formação constituinte às raias da teoria política mais sofisticada, fundamentada, esta última, no pensamento filosóficoPage 2germânico e na construção jurisprudencial das melhores cortes de justiça, onde a Constituição e o seu conteúdo são interpretados, em vista à concretização da sua inteligência.

O constitucionalista, em Paulo Bonavides, não é menor do que o cientista político; e o teórico do Estado se faz em pé de igualdade com o jurista e com o militante político. O estilista se aninha por entre os cortes de linho da sua metáfora fulgurante e o poeta do ensaio, na sua linguagem de esteta, se conjuga com a crítica de cunho social que nele se exerce de forma soberana.

Seria um escritor completo, no sentido da arte literária, se os deuses da imaginação o tivessem conduzido para a linha de frente das vanguardas. Conhece, como poucos, os escritores de língua portuguesa, de forma que de Eça de Queirós a José de Alencar, de Camilo Castelo Branco a Gilberto Freire, não existe um arauto de vernáculo a quem ele não preste reverência.

Penso que ele atingiu a condição de clássico – e clássico ele o é na forma mais pura da palavra – porque cimentou, desde sempre, a sua emoção e a sua verdade na ética do humanismo e da democracia, e numa conduta de vida que prima pela humildade e o despojamento, separando, como o seu coração afetuoso, a tentação burocrática do Estado das águas cristalinas com que alimenta a sua pena de mestre da palavra, na qual se alojam a esperança e a dignidade, a transparência das virtudes políticas e o Direito Constitucional de resistência.

Os Direitos Fundamentais, enquanto núcleo essencial da Constituição, a democracia participativa, a teoria do Estado Social, a tópica e a nova hermenêutica do direito público, o estudo da Constituição enquanto Carta de Princípios, na era do póspositivismo, devem a Paulo Bonavides o maior de todos os tributos.

Se o Brasil não o tivesse parido e o Ceará não o tivesse adotado, creio que o teríamos inventado como Totem, tal um signo ontológico a fomentar as nossas intenções de agentes do Direito. Somos, os constitucionalistas que o reverenciamos, legatários da sua precedência e ele, Paulo Bonavides, é a síntese de tudo o que veio antes da sua explosão humanitária.

Paulo Bonavides é a expressão máxima da legitimidade e a formação embrionária da norma de conduta que orgulha o sentimento cívico da nação. É um admirador confesso de Rui Barbosa como construtor e consolidador do Direito Constitucional entre nós. Mas é possível que deva a Rousseau a raiz da sua paixão de ordem democrática.

Ensinou-me, pessoalmente, como seu discípulo e leitor curioso da filosofia do contratualismo, a descobrir um Rousseau ou um Jean-Jacques preocupado com um Projeto de Constituição para a Polônia. E me fez entender, por igual, que a Vontade de Constituição e a Crença na Constituição valem muito mais do que a sua louvação e a sua defesa. O Sentimento Constitucional, pois, seria superior à sua política normativa, exceto quando iluminada pela vontade suprema da nação.

Creio que de Montesquieu a Lassale, da filosofia sofística à teoria política do Dezoito Brumário, que do positivismo jurídico à dialética de cunho marxista, sabe oPage 3professor Paulo Bonavides onde estão as raízes do Direito Natural e a teoria material e política da Constituição.

As luzes da liberdade e da razão, com as quais Kant nos ensinou a olhar o mundo do Direito, rebrilham, de forma cintilante, na sua memorável obra de jurista. E de forma que dos espelhos d’água da Lagoa Redonda, onde reside o professor Paulo Bonavides, até às remansosas brisas do Lemom, vistas a partir da Ilha de Rousseau, elas podem ser observadas, deitando a esperança por sobre os mantos sagrados da Justiça, e sempre fecundadas pelo discurso do mestre cearense.

Um pensador da estatura de Paulo Bonavides não se constrói apenas com o senso de justiça ou com a disciplina com a qual os seres humanos se deslumbram diante do poder ou das suas tentações avassaladoras. Um homem da envergadura de Paulo Bonavides se faz pela audição do silêncio que o cerca, pela dedicação a um projeto de vida e pela coragem de abrir caminhos e de fazer ressurreições por entre as aporias do conhecimento.

O mundo enquanto mundo, enquanto convenção e enquanto categoria da política e da ciência; e a sociedade e o Estado, enquanto funcionamento dos seus engenhos racionalistas, vestem como se fossem definitivas e como se fossem duradouras e eternas as incertezas que o intelecto e a tecnologia criaram para dizer ao homem que a existência social é o paraíso perdido com o qual sonhamos no nosso inconsciente.

Sem a lucidez da verdade e a prudência do distanciamento; e sem a coragem de abrir barricadas e remover conceitos que se fazem jargões autoritários, por entre os nichos de demência da Universidade, não é e não será possível sustentar a legitimidade das novas conquistas acadêmicas.

Paulo Bonavides sabe disto. A sua obra tem o vigor das grandes esperanças e ficará na história qual a travessia com que o Direito Público fez a mutação do Estado Liberal de Direito para o Estado Social de Justiça do pós-positivismo, e para a Constituição dos Princípios e dos Direitos de Cidadania.

2 O cientista do estado

Registro, por dever de justiça e para ser...

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