Planos de drenagem urbana e perspectivas para a proteção das Áreas de Preservação Permanente

AutorMaria Luisa Machado Granziera
Páginas43-78
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ISSN 2179-345X
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Maria Luiza Machado Granziera
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Resumo
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Palavras-chaveS(
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Abstract
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Introdução
Na implantação das cidades, muitos rios foram canalizados e ti-
veram sua vegetação ciliar destruída para dar lugar a construções e a vias
de circulação (LUCAS, 2009, p. 18-23). Essas obras propiciaram o estran-
gulamento do uxo das águas, que atualmente estão sob a terra e sofrem
ainda maior estreitamento com o acúmulo do lixo. O resultado de uma
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política de urbanização guiada por tais decisões (ou, em muitos casos, a
falta de política de urbanização) é a ocorrência das enchentes nos perío-
dos de chuva, com consequências cada vez mais graves para a população.
Além de causar prejuízos materiais, as enchentes colocam em risco a saú-
de e a vida das pessoas, já que os esgotos, nem sempre tratados, integram
as águas, contaminando-as1.
Daí a necessidade de investimentos na drenagem urbana, um
dos serviços públicos de saneamento básico previstos na Lei n. 11.445, de
5 de janeiro de 2007, que estabeleceu suas diretrizes nacionais2. Na drena-
gem, em que se tenta recuperar o uxo das águas nas cidades, solucionan-
do os pontos de estrangulamento, como forma de impedir novas enchen-
tes3, retoma-se a questão das Áreas de Preservação Permanente (APPs)
urbanas em razão de sua função ambiental essencial para a solução desse
problema. Entretanto, essas áreas permanecem relegadas ao esquecimen-
to por parte dos administradores públicos. A própria legislação – Código
Florestal – estabeleceu regras distintas ao longo do tempo, causando dú-
vidas quanto à regularidade das ocupações localizadas nas margens dos
rios urbanos, dicultando as ações relativas à sua proteção.
Na implantação dos planos de drenagem urbana, que se repen-
sar a questão das APPs, buscando soluções econômica e ambientalmente
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GRANZIERA, M. L. M.
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sustentáveis. Assim, o presente artigo tem por nalidade tecer considera-
ções de cunho jurídico sobre a relação entre os ordenamentos que regem
a matéria, a evolução das normas relativas à proteção das margens dos
rios e cursos d’água municipais e as soluções que poderiam ser adotadas
a respeito dos danos já causados pelo desrespeito às normas aplicáveis.
Plano de drenagem e APP urbana
O tema em foco são as APPs em áreas urbanas, atualmente obje-
relações com os planos de drenagem, que preveem as obras e demais me-
didas necessárias para impedir a ocorrência ou a recorrência de enchentes
e as consequências por estas acarretadas. Sobretudo, após as catástrofes
ocorridas no Estado de Santa Catarina nos últimos verões4 e no Estado do
Rio de Janeiro nos verões de 2010-2011 (CHUVAS..., 2011) a drenagem
urbana é matéria de grande importância e atualidade no país.
Contudo, em que um plano de drenagem urbana se refere à ma-
téria ambiental e às APPs? Qual o ponto de intersecção entre essas maté-
rias? Tendo em vista essas questões, um ponto a esclarecer, de antemão, é
a pertinência do tratamento das APPs em um plano de drenagem urbana.
As respostas encontram-se nas políticas públicas de meio ambiente, re-
cursos hídricos e urbanismo.
instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, determina em seu art.
5º, parágrafo único que “as atividades empresariais públicas ou privadas
serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do
Meio Ambiente” (grifo nosso). Drenagem urbana é atividade da adminis-
tração pública; faz parte do rol de obrigações do município para garantir
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saúde e segurança aos munícipes5; e é serviço público legalmente denido
como tal. Assim, além das questões da engenharia – como os projetos e as
obras civis e hidráulicas – deve ser considerada a vertente ambiental na
arquitetura dos planos de drenagem, incluindo, portanto, a consideração
das APPs.
Em segundo lugar, quando o município organiza seu plano de
drenagem urbana, não deixa de causar um impacto – negativo ou positivo –
na situação do recurso ambiental recursos hídricos (art. 3º, inc. V, da Lei
n. 6.938/81) com a nalidade de controlar eventos catastrócos e impedir
danos a pessoas e bens decorrentes de enchentes. Portanto, tal atividade
mantém relação direta com “[a] prevenção e a defesa contra eventos hi-
drológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado
dos recursos naturais” (art. 2º, inc. III, da Lei n. 9.433), um dos princí-
pios da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) instituída pela Lei
n. 9.433, de 8 de Janeiro 1997. Nessa esteira, embora o município não
seja detentor do domínio dos recursos hídricos, exerce um papel funda-
mental para assegurar o princípio anteriormente mencionado.
Essa última questão também está diretamente relacionada com
as APPs, na medida em que um dos tipos de APP previstos no Código
Florestal, conforme será analisado mais detalhadamente adiante, tem
justamente a função de assegurar a proteção e a função ambiental dos
corpos d’água6.
Por m, ambas as leis urbanísticas que envolvem o tratamen-
to jurídico do saneamento e da drenagem as Leis n. 10.257/01, de 10
de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) e n. 11.445/07 são guiadas por
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princípios ambientais. Assim, não só a saúde e a segurança da população
urbana estão asseguradas, mas também a sustentabilidade ambiental.
Desse modo, mais uma vez, a questão ambiental e, portanto, as APPs,
permeiam as políticas urbanas.
O papel dos municípios na tutela do meio ambiente urbano
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabeleceu como direi-
to de todos “o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-
mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-
sentes e futuras gerações” (art. 225 da Constituição Brasileira de 1988.
A defesa e a preservação incumbem, portanto, ao Poder Público União,
Estados, Distrito Federal, Municípios e os respectivos órgãos e entidades –
e também à coletividade, que pode ser entendida, nesse caso, como a so-
ciedade em geral.
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O art. 24, § 1º, da Constituição de 1988, no âmbito da compe-
tência legislativa concorrente, determina que a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais, regras com aplicação em todo o
território nacional7. Os Estados e o Distrito Federal podem detalhar essa
norma, de acordo com suas características e necessidades (art. 24, § ,
da CF/88). Se não existir norma geral sobre determinada matéria, é facul-
tado aos Estados exercer a competência plena. A partir do momento em
que se editar a norma geral pela União, a norma estadual deve adequar-se
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àquela, cando suspensa a ecácia das disposições da lei estadual em con-
ito com a norma geral federal (art. 24, § 3º, da CF/88).
Se a norma estadual deve adequar-se à norma geral posterior,
sob pena de ter suspensa a ecácia em caso de discrepância com a norma
geral, vale dizer que o Estado não poderá legislar em sentido contrário à
norma geral existente. O mesmo ocorre com o município, a quem com-
pete legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar à legislação
federal e à estadual no que couber8, para adequar as provisões às suas
peculiaridades e necessidades locais. Muito embora essa competência não
esteja expressamente prevista na constituição, é reconhecida não só pela
legislação, mas pela interpretação da doutrina em geral (SILVA, 2009).
Nessa linha, e ao contrário do que ocorre com as competências
materiais (administrativas) da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios9, existe uma verdadeira hierarquia entre os entes fede-
rados, no sentido de observância da legislação da União pelos Estados e
Municípios e da legislação dos Estados pelos municípios. Estes, ao legis-
lar sobre interesse local, não podem ignorar o interesse geral transmitido
pela norma geral. Em matéria ambiental e urbanística, referência é feita,
em especial, às leis n. 6.938/81, n. 4.771/65, n. 10.257/01 e n. 11.445/07.
Essas normas expressam o interesse nacional, que prevalece sobre os in-
teresses regionais e locais, na linha do federalismo brasileiro10.
O município, ao formular sua política urbana deve, por lei, res-
peitar as normas gerais traçadas pela União. Portanto, ao editar o Plano
Diretor, o limite da denição e do exercício do interesse local será o inte-
resse geral – regional ou nacional –, pois o município está localizado em
um Estado, ou mesmo em um ecossistema ou bacia hidrográca, em que
se exprime um interesse que muitas vezes extrapola o local.
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A proteção do meio ambiente, assim como de outros direitos
difusos, implica necessariamente o estabelecimento de regras de ordem
pública, que orientam a conduta das pessoas, de modo que as atividades
humanas sejam desenvolvidas dentro de parâmetros legalmente impos-
tos, sem causar danos expressivos ao meio ambiente. A regra da proteção
ambiental permeia todo o texto constitucional, cando muito clara a pro-
funda alteração trazida pelo texto de 1988 no que se refere aos recursos
ambientais: de uma situação de exploração ilimitada para outra em que
se impõem limites às atividades humanas, condicionando-as às normas
ambientais (BENJAMIN, 2008).
Um dos casos desse tipo de limitação trazidos pela Constituição
Brasileira de 1988 é o princípio da função social da propriedade (art. 5º,
inciso XXIII). De acordo com tal previsão constitucional, o direito de
propriedade deve ser exercido com vistas a atender ou a não prejudicar
o interesse público, em que se insere a proteção do meio ambiente e o
uso racional dos recursos11. Daí a existência de normas impondo recuos,
gabaritos e coecientes de aproveitamento; e estabelecendo zoneamento,
restrições ao uso das APPs, obrigação de reservar um percentual da pro-
priedade e posse rurais a título de reserva legal orestal, dentre outras
regras e normas ambientais.
A CF/88 deniu a função social da propriedade rural no art. 186.
No que se refere à propriedade urbana, a CF/88, em seu art. 186, § 2º, re-
meteu ao Plano Diretor de cada município para tal denição. Ou seja, a
política urbana, a ser denida pelos poderes públicos municipais, estabe-
lece quais regras são necessárias para garantir que o direito à propriedade
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e uso racional dos recursos ambientais. Assim, a função social abarcaria a função ambiental da
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urbana seja exercido em observância à sua função social12. Nesse sentido,
considerando que o Plano Diretor deve ser guiado pela sustentabilidade
e pela proteção ambiental, a propriedade urbana também deve observar
tais parâmetros.
Áreas de Preservação Permanente
As APPs referem-se a um regime jurídico especial de uso do solo
e dos recursos vegetais, que se volta à proteção do ambiente. Esse regi-
me foi estabelecido pela Constituição de 1988 e pelo Código Florestal.
A Constituição de 1988 consagra-as como espaços protegidos (art. 225,
§1º, III) e o Código Florestal detalha sua formação, utilização e supressão
(art. , 3º e 4º). Toda regra desenvolvida nesse âmbito tem o mister de
conduzir a uma mudança no comportamento humano para racionalizar
a exploração de orestas e outras formas de vegetação e proteger outros
recursos naturais.
O Código Florestal de 1934 já previa a proteção para essas áreas,
sob a denominação de orestas protetoras (Decreto n. 27.893, de 23 de
janeiro de 1934, art. 4º). Atualmente, as APPs são denidas nos seguintes
termos:
área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º do Código Florestal, cober-
ta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiver-
sidade, o uxo gênico de fauna e ora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas (art. 1º, § 2º, inciso II, da Lei n.
4.771/65, alterado pela MP n. 2.166-76/2001) (BRASIL, 1965).
O Código Florestal atual prevê diversas espécies de APPs: ao
longo das margens de cursos d’água (art. 2º, “a”, “b” e “c”), em áreas
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topográcas (art. , “d”, “e”, “g” e “h”), de áreas de vegetação especíca
(art. , “f”) e de destinação por ato do Poder Público (art. 3º)13. Neste
artigo, focamo-nos nas APPs às margens de cursos d’água e, mais especi-
camente, conforme já mencionado, nas áreas urbanas.
APPs ao longo de cursos d’água e sua função
ambiental: rios, cursos d’água e nascentes
Entre outros espaços, são APPs as áreas localizadas ao longo dos
rios ou de qualquer curso d’água. As áreas localizadas ao redor das lagoas,
lagos ou reservatórios d’água naturais ou articiais também constituem
Áreas de Preservação Permanente (APPs), assim como as localizadas nas
nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos d’água. Cabe ve-
ricar a que se refere o dispositivo.
“Rio” vem do latim rivus, que signica “corrente de água”. Pode
ser classicado segundo seu potencial de utilização ou sua grandeza em
extensão e caudal. Assim, o rio pode ser entendido como um curso consi-
derável de água (de grande monta) que tem origem nas montanhas, rece-
be águas de regatos e ribeiras e se lança por uma ou outra embocadura, no
mar ou noutro rio (FREIRE, 1943). De acordo com o Glossário da ANA,
“rio” é “curso de água de grande dimensão que serve de canal natural para
a drenagem de uma bacia” (ANA, 2011). Conforme o Glossário da Unesco,
trata-se de um “grande curso de água que serve de canal natural de drena-
gem a uma bacia hidrográca” (UNESCO, 2011). Independentemente da
diversidade dos conceitos, a essência do que se entende por rio repousa,
conforme Antonio de Pádua Nunes, “no volume de água e na sua exten-
são” (NUNES, 1980).
É importante notar que a água que corre nos rios está, neces-
sariamente, em uma calha, ou seja, sobre um leito ou álveo – e entre
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margens, onde justamente se localizam as APPs (GRANZIERA, 2006,
p. 29). Segundo Nunes (1980), citando Carvalho, “a água corrente, as
margens e o leito são os três elementos que formam o rio, como partes
integrantes de um todo”. O termo “corrente” vem do latim currens entis,
que quer dizer “curso de água”. É a água dos rios, córregos ou ribeirões
(VALADÃO, 1931, p. 28). Ou ainda “água corrente; parte do escoamen-
to que entra num curso d’água depois de queda de chuva ou de fusão de
neve”; “igual à soma do escoamento supercial, subsupercial e da preci-
pitação direta sobre a calha uvial” (ANA, 2011).
“Curso de água”, por sua vez, é, segundo a Instrução Normativa
MMA 04/2000, o “canal natural para drenagem de uma bacia, tais como:
boqueirão, rio, riacho, ribeirão, córrego ou vereda” (IGAM, 2011)14.
A Unesco utiliza a seguinte denição: “canal natural ou articial através
do qual a água pode uir” (UNESCO, 2011). A Norma da Portaria DAEE15
n. 717/96 dene como “qualquer corrente de água, canal, rio, riacho, ri-
beirão ou córrego”. Por m, para a ANA, a denição é a seguinte:
“canal natural ou articial pelo qual a água escoa contínua ou intermi-
tentemente (por exemplo, sazonalmente)”; “rio natural mais ou menos
importante, não totalmente dependente do escoamento supercial da
vizinhança imediata, correndo em leito entre margens visíveis, com va-
zão contínua ou periódica, desembocando em ponto determinado numa
massa de água corrente (curso de água ou rio maior) ou imóvel (lago,
mar), podendo também desaparecer sob a superfície do solo”; “massa
de água escoando geralmente num canal supercial natural”; “água que
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escoa num conduto aberto ou fechado”; “jato de água que ui de um
orifício ou massa de água corrente subterrânea” (ANA, 2011).
Convém ainda esclarecer o signicado de alguns elementos uti-
lizados na denição de rios e cursos d’água. O canal é a “parte mais pro-
funda do leito de um curso de água pela qual ui o caudal principal; curso
de água natural ou articial, claramente diferenciado, que permanece ou
periodicamente contém água em movimento ou que forma uma ligação
entre duas linhas de água” (UNESCO, 2011). Ribeira é “pequeno curso de
água supercial, geralmente com escoamento contínuo e, de certo modo,
turbulento” (ANA, 2011), ou “curso de água natural em geral menor do
que um rio; curso de água natural, normalmente pequeno e tributário de
um rio” (UNESCO, 2011). Riacho é um “pequeno rio, córrego” (HOUAISS,
2004, p. 648), ou ainda “curso d’água natural, normalmente pequeno
e tributário de um rio; pequeno curso d’água que serve como canal de
drenagem natural para uma bacia vertente de pequena extensão” (ANA,
2011). Córrego é o mesmo que “riacho; via estreita e funda entre monta-
nhas; desladeiro” (HOUAISS, 2004, p. 194).
Como se pode vericar, os termos “rio”, “ribeirão”, “ribeira”, “ria-
cho” e “arroio” são empregados de forma geral e não possuem critérios téc-
nicos de diferenciação. O que se pode inferir é que o vocábulo “rio” refere-se
a um curso de água de maior caudal, em relação aos demais termos.
“Nascente”, por sua vez, é o “ponto no solo ou numa rocha de
onde a água ui naturalmente para a superfície do terreno ou para uma
massa de água” (ANA, 2011) ou “local onde a água emerge naturalmente,
de uma rocha ou do solo, para a superfície do solo ou para uma massa
de água supercial” (UNESCO, 2011). “Olhos d’água” são considerados
sinônimo de “nascentes” e denidos como o “local onde se verica o
aparecimento de água por aoramento do lençol freático” (art. 2º, “d”,
Resolução n. 04/1985 do Conama), ou “designação dada aos locais onde
se verica o aparecimento de uma fonte ou mina d’água”; “as áreas onde
aparecem olhos d’água são, geralmente, planas e brejosas” (GUERRA,
1978 apud ANA, 2011).
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^reas de Preservação Permanente
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Note-se que o sistema de drenagem natural é formado por corpos
d’água, cujas águas uem de um ponto mais alto para um ponto mais baixo.
O curso d’água origina-se em uma nascente e tem seu destino em uma foz.
Função ambiental das APPs situadas às margens de corpos hídricos
A lei em vigor estabelece para a APP uma função ambiental.
A função vincula-se a um objetivo nal, estabelecido pela norma jurídica, não
cabendo a plena liberdade de ação, uma vez que a nalidade está determinada
a priori (GRANZIEIRA, 2009, p. 77). Ou seja, se existe uma função legalmen-
te estabelecida e se cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender
e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, qualquer
ação contrária ao cumprimento dessa função passa a ser antijurídica.
As APPs que se situam nas margens de corpos hídricos desti-
nam-se à sua proteção ou, como determina a lei, à função ambiental de
preservar, entre outros, os recursos hídricos. Há todo um embasamento
constitucional e legal para a observância das restrições relativas à APP,
muito embora a própria lei Código Florestal – permita a supressão de
vegetação nessas áreas, em casos de utilidade pública, interesse social ou
ainda a intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impac-
to ambiental, como será visto diante.
Além do embasamento jurídico, a função ambiental das APPs tam-
bém está relacionada a necessidades de ordem física/geológica/biológica/hi-
drológica, ou seja, há o intuito de proteger o solo e outros recursos ambientais.
A evolução do regramento das APPs ao longo
de corpos d’água no Código Florestal
As larguras mínimas das APPs, que devem ser medidas desde
o seu nível mais alto em faixa marginal, estão atualmente xadas pelo
Código Florestal da seguinte forma:
GRANZIERA, M. L. M.
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1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez)
metros de largura;
2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de
10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50
(cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de
200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros (art. , “a” da Lei
n. 4.771/65, alterado pela MP n. 2.166/2001).
No entanto, as medidas atualmente em vigor não são as mes-
mas do Código Florestal na redação de 1965, que previa as seguintes re-
gras para as margens:
1) de 5 (cinco) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez)
metros de largura;
2) igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a
200 (duzentos) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja supe-
rior a 200 (duzentos) metros.
Ao ser implantada a legislação ambiental, no início da década
de 1980, em vez de se tentar exigir, efetivamente, a proteção da faixa mí-
nima de 5 m, a decisão política foi aumentar a largura da faixa, sem que
se adotassem políticas adequadas para garantir essa proteção. A Lei
n. 7.511, de 8 de julho de 198616, alterou a redação do art. 2º do Código
Florestal, ampliando a largura das margens para:
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1) de 30 (trinta) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros
de largura;
2) de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de
10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que meçam entre 50
(cinquenta) e 100 (cem) metros de largura;
4) de 150 (cento e cinquenta) metros para os cursos d’água que
possuam entre 100 (cem) e 200 (duzentos) metros de largura;
igual à distância entre as margens para os cursos d’água com
largura superior a 200 (duzentos) metros.
A falta de estrutura nanceira e administrativa para ancorar
essa nova decisão política aprofundou os conitos relacionados ao uso
das APPs em todo o país. Tampouco foi instituído um processo de arti-
culação com os municípios localizados em regiões metropolitanas, para a
scalização especíca. O resultado é que se continuou desrespeitando as
APPs, situação agravada pela exclusão das áreas urbanas não contidas em
regiões metropolitanas – tema apresentado com mais detalhes em item
posterior. A APP era, nessa época, uma espécie de letra morta da lei17.
modicar mais uma vez o art. do Código Florestal, no que se refere à
denição das extensões de margens, procedendo às seguintes alterações:
[...]
5. de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200
(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
6. de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham lar-
gura superior a 600 (seiscentos) metros.
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GRANZIERA, M. L. M.
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Há que ponderar que, apesar das medidas mais protetivas ado-
tadas, três relevantes elementos minaram a observância da lei: i) o desca-
so com que se tratou o Código Florestal ao longo de décadas, deixando-se
de proteger inclusive as faixas mínimas de 5 m de largura, para os cursos
de água com menos de 10 m de largura, dentro e fora das cidades18; ii) a
possibilidade de supressão da vegetação por motivo de utilidade pública,
sem uma regulamentação esclarecedora do que consistia de fato utilidade
pública; iii) a exclusão tácita das áreas urbanas não metropolitanas do
campo de aplicação do Código Florestal de 1978 a 1986.
APPs em zona urbana – evolução da proteção jurídica
Originalmente, o Código Florestal não mencionava o âmbito
de sua abrangência, ou seja, não se restringia expressamente a áreas ru-
rais ou urbanas. Se não estabeleciam os limites de sua aplicabilidade, o
entendimento é de que não existiam, vigorando o Código Florestal em
todo o território nacional19. Lembre-se que o art. 1º dessa lei estabelece
que “as orestas existentes no território nacional e as demais formas de
vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de
interesse comum a todos os habitantes do País”. Se a norma menciona
o território nacional, sem xar qualquer exceção, não dúvida da sua
aplicação nos espaços urbanos.
Todavia, em face de ocupações ocorridas em desacordo com as
normas ambientais, sobretudo nas cidades, pois a legislação que cuida da
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proteção do meio ambiente é muito posterior à implantação da maioria
delas, entendeu-se necessário um adendo ao Código Florestal. A Lei
n. 6.535, de 15 de junho de 197820, acrescentou a alínea i ao artigo 2º,
estendendo sua aplicação às “áreas metropolitanas denidas em lei”.
Essa regra parece excluir as áreas urbanas não metropolitanas
da abrangência do Código Florestal no período de vigência desse disposi-
tivo, já que nada dispôs sobre elas. Foi aqui então estabelecida uma distin-
ção entre os campos de aplicabilidade da lei no que se refere às áreas ur-
banas. Essa alteração havida no Código Florestal abriu a possibilidade de
ocupação principalmente das margens de rios e encostas de montanhas,
sem que os Poderes Públicos, já totalmente omissos, tivessem base legal
para modicar o quadro que se estabelecia. Resta dizer que nas regiões
metropolitanas tampouco os Poderes Públicos se manifestaram, permi-
tindo ocupações em áreas de risco que, décadas depois, ainda vêm sendo
cenário de desastres e mortes.
Posteriormente, a Lei n. 7.803/89 incluiu um parágrafo único ao
art. 2º, que modicou o regime jurídico das orestas e demais formas de
vegetação em áreas urbanas:
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as com-
preendidas nos perímetros urbanos denidos por lei municipal, e nas
regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território
abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e
leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este
artigo (grifo nosso).
A partir da vigência da Lei n. 7.803/89, as disposições do Código
Florestal, no que se refere às APPs disciplinadas em seu art. 2º, passaram
a aplicar-se claramente a todas e quaisquer áreas urbanas compreendidas
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GRANZIERA, M. L. M.
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nos perímetros urbanos denidos por lei municipal, e nas regiões metro-
politanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido21.
Em síntese, os regimes jurídicos das florestas e demais for-
mas de vegetação localizados nas áreas urbanas e passíveis de serem
caracterizados como APPs variaram ao longo do tempo, o que causou e
ainda causa insegurança jurídica. Os Poderes Públicos Municipais nem
sempre acompanharam essa evolução, o que deflagrou uma ocupação
urbana generalizada e ilegal em muitas áreas que deveriam estar cum-
prindo uma função ambiental. Isso implicou a ocorrência de verdadei-
ros desastres.
Todavia, para denir a legalidade ou ilegalidade de um imóvel
situado especialmente a menos de 30 m de um corpo hídrico, em área
urbana, há que se vericar a época de sua implantação, pois a lei permitiu
essa ocupação em determinados momentos e em diferentes extensões. Se
a norma evoluiu para uma restrição maior, é porque os riscos ambientais
com impactos nos seres humanos e no meio ambiente se agravaram, à
medida que ocorreu uma forte ocupação antrópica nesses espaços, ainda
que legalmente em certos casos.
De qualquer modo, garantir cobertura vegetal nas áreas frágeis,
localizadas na área urbana, que auxiliam a impedir as enchentes e o asso-
reamento dos corpos hídricos, nada mais é que observar a CF/88, no que
se refere ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, xado pelo art.
225. Desse modo, atualmente deve prevalecer a faixa mínima de 30 m em
APPs localizadas em área urbana.
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O papel do município na questão das APPs urbanas
O município dene sua área em perímetros de zona urbana, ur-
banizável e rural. A zona urbana corresponde ao perímetro denido pela
Lei Municipal, onde estejam presentes pelo menos dois dos melhoramen-
tos públicos apontados em lei:
1) meio-o ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
2) abastecimento de água;
3) sistema de esgotos sanitários;
4) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para dis-
tribuição domiciliar;
5) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de
três quilômetros do imóvel considerado (art. 32, § 1º, da Lei
A zona urbanizável, ou de expansão urbana, é aquela destinada
por lei à urbanização, mas que ainda não possui pelo menos dois dos me-
lhoramentos públicos apontados pela legislação. A zona rural é o períme-
tro excluído da zona urbana ou urbanizável.
As APPs urbanas devem ser disciplinadas pelo que dispuser o
Plano Diretor e a legislação municipal de uso e ocupação do solo (art. 2º,
parágrafo único, da Lei n. 4.771/65), o que vai ao encontro do conteúdo
do art. 182 da CF/88, que remete ao município a denição de sua polí-
tica urbana, traduzida no plano diretor (art. 182 da CF/88). Todavia, o
município, ao estabelecer a sua política urbana, deve respeitar os prin-
cípios e limites a que se refere o art. do Código Florestal, que repre-
senta a norma geral sobre a matéria22. Cabe vericar quais seriam esses
princípios e limites.
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Tendo em vista a denição de APP incluída no Código Florestal
pela MP n. 2.166-67/01, entende-se que os princípios que regem esse
tema são as funções ambientais das APPs, como espaços protetores dos
recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversi-
dade, do uxo gênico de fauna e ora, do solo e também do bem-estar
das populações humanas, coadunando-se com as regras de proteção dos
recursos ambientais estabelecidos no art. 3º, III, da Lei n. 6.938/81 (alte-
No que se refere aos limites, trata-se das distâncias estabelecidas
no corpo do art. do Código Florestal: largura de margens, declives, al-
titudes. O Código Florestal é claro quando dispõe que os planos diretores
devem observar esses princípios e limites, que se inserem em tal norma
geral, de abrangência nacional.
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Cabe ainda estabelecer a relação entre as APPs e a denominada fai-
xa não edicável (FNE) ou non aedicandi, restrição administrativa do direito
de construir. Instituída pela Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de1979, a FNE
destina-se à instalação de equipamentos públicos urbanos, de abastecimento
de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coleta de águas pluviais, rede
telefônica e gás canalizado (art. 5, parágrafo único, da Lein. 6.766/79).
A Lei n. 6.766/79, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo
Urbano, obriga, entre os requisitos exigidos para o loteamento, ao lon-
go das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das
rodovias e ferrovias, a reserva de uma faixa não edicável de 15 (quinze)
metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação especíca (art. 4º,
A APP e a FNE são institutos jurídicos distintos, com con-
ceitos, nalidades e efeitos diversos. Cabe, portanto, estabelecer uma
relação entre a APP e a FNE localizada ao longo das águas correntes e
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^reas de Preservação Permanente
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dormentes, cando claro que as restrições do Código Florestal, em re-
lação à Lei n. 6.766/79, limitam-se às margens dos rios e lagos, não
atingindo as outras faixas.
Para as faixas que coincidem com a APP, a menção às leis mu-
nicipais (Plano Diretor e leis de uso e ocupação do solo) não implica que
essas normas possam ignorar as distâncias denidas no Código Florestal,
estabelecendo limites inferiores aos mesmos, que devem ser observados
em qualquer situação. O entendimento a prevalecer é de que as leis muni-
cipais podem estender os limites de APP em áreas urbanas e não restringi-
-los, cabendo aos municípios a scalização dessas áreas, de acordo com o
disposto no art. 22, parágrafo único, do Código Florestal (art. 22, parágra-
fo único, da Lei n. 4.771/65, incluído pela Lei n. 7.803/89).
Os questionamentos sobre a matéria referem-se ao fato de o
Código Florestal ter estabelecido, inicialmente, para as APPs, a faixa míni-
ma de 5 m para a proteção dos cursos d’água e posteriormente ter altera-
do as regras. Ficou, dessa forma, ampliada a faixa mínima de proteção dos
recursos hídricos de 5 m (Lei n. 4.771/65) para 15 m (Lei n. 6.766/79),
por força da lei posterior, que ressalva maiores exigências de legislação es-
pecíca, mas não acata menores exigências. Com a alteração havida no
de preservação permanente passou para 30 m, distância mantida pelas
várias leis posteriores que alteraram esse diploma legal, vigorando essa
medida até o presente.
A dúvida que surge refere-se à extensão da faixa mínima: 15 m,
conforme a Lei n. 6.766/79 ou 30 m, de acordo com as disposições do
Código Florestal a partir de 1986?
O entendimento é que a faixa mínima a ser mantida para a
proteção dos recursos hídricos em área urbana é de 30 m, pois a Lei
n. 6.766/79 ressalva que o limite por ela estabelecido será modicado
por “maiores exigências de legislação especíca” que, no caso, é o próprio
Código Florestal. Frise-se que leis municipais não estão autorizadas a di-
minuir a largura da faixa de 30 m, pois o § 2º do art. 2º do Código Florestal
GRANZIERA, M. L. M.
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é claro ao mencionar que devem ser respeitados os princípios e limites a que
se refere o dispositivo23.
Para reservatórios, naturais ou articiais, em áreas urbanas
consolidadas, as Resoluções Conama n. 302/02 e 303/02 determinam um
mínimo de 30 m de Área de Preservação Permanente. Essa regra permite
outra discussão, pois o Código Florestal não trata desse caso especíco. As
resoluções são regulamentos e não leis, prevalecendo, assim, para essas
hipóteses, o disposto na Lei de Uso e Ocupação do Solo – faixa non aedi-
candi de 15 m.
Supressão de vegetação em APPs
Vegetação é o “conjunto de vegetais que ocupam uma determinada
área; é a comunidade de plantas de um lugar” (MOREIRA, 1990, p. 204, grifo
nosso). Suprimir é eliminar, extinguir. Quando se menciona a expressão
suprimir vegetação, está-se referindo à eliminação da cobertura vegetal
nesse espaço, que pode ser permanente ou temporária.
A rigor, o sentido da expressão preservação permanente diz res-
peito a um espaço geográco cuja cobertura vegetal deve ser necessaria-
mente mantida para o exercício de sua função ambiental, garantindo a
proteção do solo, dos recursos hídricos e a estabilidade do relevo, entre
outros. Preservação é a ação de proteger, contra a destruição e qualquer
forma de dano ou degradação, um ecossistema, uma área geográca de-
nida ou espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção, adotando-se
medidas preventivas legalmente necessárias e as medidas de vigilância
adequadas (MOREIRA, 1990, p. 164). Essa proteção deve ser duradoura,
vale dizer, não pode deixar de existir, pois a cessação pode ocasionar gra-
ves danos não apenas à natureza, mas também ao ser humano.
Todavia, em alguns casos excepcionais, é necessário realizar su-
pressão da vegetação nas APPs, o que é permitido desde que de acordo
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com as determinações vigentes. Neste item, vamos tratar desse tema,
focando nas intervenções nas APPs urbanas, com a nalidade de esclare-
cer em quais casos poderia ser suprimida a vegetação em APPs urbanas,
permitindo ao leitor julgar se as ocupações hoje existentes se encaixam
nesses casos.
O art. 4º do Código Florestal já estabelecia as hipóteses de inte-
resse público em que a supressão seria permitida24. A MP n. 2.166-67/01,
alterando a redação do art. 4º e trazendo mais detalhes, estabeleceu que a
supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente somente po-
derá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, de-
vidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo
próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendi-
mento proposto. A MP também deniu as hipóteses de utilidade pública
ou interesse social, xando, ainda, a possibilidade de supressão eventual e
de baixo impacto.
A partir da MP citada, a utilidade pública é vericada em áreas
urbanas nos seguintes casos: i) atividades de segurança nacional e prote-
ção sanitária; ii) obras essenciais de infraestrutura destinadas aos servi-
ços públicos de transporte, saneamento e energia; iii) demais obras, pla-
nos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conama (art. 1º,
§ 2º, IV, da MP n. 2166-67/01). Já em relação ao interesse social, seriam as
seguintes hipóteses: i) as atividades imprescindíveis à proteção da inte-
gridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do
fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios
com espécies nativas; e ii) demais obras, planos, atividades ou projetos
denidos em resolução do Conama (art. 1º, § 2º, V, da MP n. 2166-67/01).
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GRANZIERA, M. L. M.
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A Resolução Conama n. 369, de 29 de março de 2006, dispõe
sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo
impacto ambiental, em que se permite a supressão de vegetação em APPs.
Além das duas primeiras hipóteses de utilidade pública trazidas pela MP
n. 2.166-67/01, na Resolução Conama n. 369/06 as seguintes seriam apli-
cáveis em área urbana: i) a implantação de área verde pública em área
urbana; ii) pesquisa arqueológica; iii) obras públicas para implantação de
instalações necessárias à captação e condução de água e de euentes tra-
tados. Em relação ao interesse social: i) a regularização fundiária susten-
tável de área urbana; e ii) as atividades de pesquisa e extração de areia,
argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente.
A Resolução Conama n. 369/06 deniu ainda o que se considera
intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto am-
biental em APPs. Na situação em foco (áreas urbanas), seriam aplicáveis
as seguintes: i) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pon-
tes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso de água; ii)
implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e
euentes tratados; iii) plantio de espécies nativas produtoras de frutos,
sementes, castanhas e outros produtos vegetais em áreas alteradas, plan-
tados junto ou de modo misto; iv) outras ações ou atividades similares,
reconhecidas como eventual e de baixo impacto ambiental pelo conselho
estadual de meio ambiente (art. 11, Resolução Conama n. 369/06).
A norma determina que, em todos os casos, a intervenção ou
supressão eventual e de baixo impacto ambiental de vegetação em APP
não poderá comprometer as funções ambientais desses espaços, especial-
mente: i) a estabilidade das encostas e margens dos corpos de água; ii) os
corredores de fauna; iii) a drenagem e os cursos de água intermitentes; iv)
a manutenção da biota; v) a regeneração e a manutenção da vegetação na-
tiva; e vi) a qualidade das águas. Além disso, a intervenção ou supressão
eventual e de baixo impacto ambiental, da vegetação em APP não pode,
em qualquer caso, exceder o percentual de 5% da APP impactada localiza-
da na posse ou propriedade (art. 11, § 2º, Resolução Conama n. 369/06).
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De acordo com a Resolução mencionada, o critério básico para
que se elimine a cobertura vegetal da APP é o da excepcionalidade, traço de
distinção entre uma necessidade especial e uma situação comum. A rigor,
sempre haverá hipóteses de interesse social ou utilidade pública que pos-
sam justicar a supressão da vegetação em APP. É preciso que essa hipóte-
se encerre uma excepcionalidade, um fato incomum, claramente caracteri-
zado no processo, que dê ensejo à eliminação temporária ou permanente
da vegetação. O cumprimento da função ambiental das APPs é a regra; só
excepcionalmente pode ser permitida a supressão da vegetação.
Além da excepcionalidade, cabe a caracterização do interesse
social, da utilidade pública ou do baixo impacto, por meio de motivação
técnica. O mesmo vale para a comprovação de inexistência de alternativa
locacional, situação que também ca sujeita à análise do órgão ambien-
tal. A caracterização e a motivação são a justicativa que o empreendedor
deve indicar no pedido de autorização para suprimir a cobertura vegetal
em APP. Embora a norma não explicite, é necessário descrever a situação
física e biótica da área, as fragilidades ambientais existentes, assim como
as compensações e medidas mitigatórias a serem propostas.
Tendo em vista que as APPs têm a função de proteger os recur-
sos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o u-
xo gênico de fauna e ora, o solo e o bem-estar das populações humanas,
a simples supressão da vegetação já constitui, efetiva ou potencialmente,
um dano a esses bens e valores ambientais. Por presunção legal, todavia,
e nos termos das condições xadas, esse dano deixa de produzir efeitos
jurídicos no que se refere à responsabilização do agente, prevista no § 3º
Esse tema condiciona a supressão de vegetação em APP à necessida-
de de licenciamento ambiental e do próprio estudo de impacto ambiental, pois,
de acordo com o princípio da precaução, se não car caracterizada, com segu-
rança, que a supressão da cobertura vegetal que dará lugar a um empreendi-
mento não causará danos irrecuperáveis, não deve ser autorizada essa supres-
são da vegetação nem, consequentemente, ser licenciada a atividade no local.
GRANZIERA, M. L. M.
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A Resolução Conama n. 369/06 condicionou, ainda, a au-
torização da intervenção ou supressão de vegetação em APP pelo ór-
gão ambiental competente ao atendimento dos requisitos previstos
na legislação aplicável, bem como no Plano Diretor, no Zoneamento
Ecológico-Econômico e no Plano de Manejo das Unidades de Conser-
vação, se existentes, nos casos de utilidade pública, interesse social e
intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto
ambiental (art. , Resolução Conama n. 369/06). Além disso, outras
condições são xadas na Resolução Conama n. 369/06 ao empreende-
dor: i) o atendimento às condições e padrões aplicáveis aos corpos de
água; ii) a inexistência de risco de agravamento de processos como en-
chentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa (art. 3º,
Resolução Conama n. 369/06).
É importante frisar esta condição: não poderá ser suprimida a
vegetação de APP se houver risco de se agravarem processos relacionados
a enchentes, erosão ou movimentos de massa rochosa. Esse fator repre-
senta relevante valor em um plano de drenagem urbana, destinado jus-
tamente a estabelecer as obras, critérios e parâmetros de ocupação para
evitar acidentes de origem hidrológica.
A inexistência de alternativa técnica e locacional, objeto da MP
n. 2.166-67/01, também é mencionada na Resolução Conama como con-
dição para que o órgão ambiental autorize a supressão eventual e de baixo
impacto (art. 11, § 3º, Resolução Conama n. 369/06).
As normas em vigor estabelecem, portanto, condições a serem
observadas para que se autorize, em processo administrativo formal, a
supressão de cobertura vegetal. De fato, caram denidas as atividades
que podem ser implantadas em APP e, portanto, não resta dúvida no que
toca ao avanço obtido pela Resolução. Mas ainda há dúvidas quanto à ga-
rantia de preservação desses espaços especialmente depois de a falta de
regulamentação do art. 2º do Código Florestal ter permitido, ao longo do
tempo, um verdadeiro abuso na ocupação desses espaços, sobretudo às
margens de corpos hídricos.
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Embora a norma já estabeleça os parâmetros básicos para au-
torizar a supressão da vegetação em APP, caberá ao órgão ambiental – ti-
tular do poder discricionário –, em cada caso, denir as condicionantes a
serem impostas ao empreendedor, para compensar e mitigar os impactos.
Áreas de ocupação consolidada e compensação ambiental –
consolidação da ocupação e consequências
Não obstante os limites e restrições legalmente impostos nos
espaços territoriais denominados APPs, nessas áreas foram implanta-
das pontes, portos, malha viária urbana e residências, entre outros em-
preendimentos. Por diversas razões, seja pela negligência dos Poderes
Públicos, seja pelas mudanças havidas no Código Florestal, as cidades
enfrentam situações consolidadas. Trata-se de um claro conito, que
deve ser resolvido não pela aplicação seca da lei, mas com ponderação
sobre os casos concretos e os princípios gerais aplicáveis à matéria. Em
um contexto como esse, a nosso ver, a decisão menos acertada seria
“derrubar tudo e construir novamente”, o pelo ônus político, mas
também porque, ao m, a sociedade seria o principal objeto de diversas
consequências negativas.
Em diversas cidades brasileiras, há casos em que não apenas os
rios foram canalizados, como foram cobertos por lajes de concreto, tendo-
-se em alguns casos construído prédios sobre eles. Essa situação revela a
opção do administrador público pelo uso indiscriminado do espaço urba-
no, desconsiderando os recursos ambientais e também a lei.
Outra questão a se considerar é a ocupação irregular de APPs
urbanas, especialmente pela população de baixa renda. Existe um quadro
consolidado de irregularidades que dicilmente será solucionado com a
aplicação cega da lei. Como garantir, então, que a função ambiental le-
galmente denida das APPs seja recuperada, quando milhões de pessoas
ocupam ilegalmente esses espaços?
GRANZIERA, M. L. M.
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Os tribunais brasileiros já se manifestaram no sentido de que se
deve realizar a remoção de ocupantes25 e a demolição de obras26 para se
alcançar a proteção ambiental desejada. Por outro lado, em razão das pe-
culiaridades do caso, admite-se, por vezes, a manutenção da construção,
demandando-se outros tipos de reparação27.
Nesse contexto, parece inviável regularizar todos os casos com
a total recuperação dos rios canalizados e a demolição dos prédios e habi-
tações localizados nas margens ou sobre os rios. Nenhum administrador
público obterá apoio político para tanto, a não ser em casos excepcionais.
Eis um típico caso em que a aplicar estritamente a letra da lei, sem que se
ponderem os diversos princípios em causa (como razoabilidade, direito à
moradia, dignidade da pessoa humana, etc.), gera outro tipo de proble-
ma, tão ou mais complexo que as enchentes e outros desastres. Ao mes-
mo tempo, não se podem ignorar os inúmeros danos que a cada ano as
enchentes provocam e, muito pior que isso, as mortes que ocorrem em
consequência desses desastres.
Qualquer situação de ocupação ou edicação em APP deve ser
analisada a partir de dois importantes elementos: i) época da construção,
considerando que a faixa de APP alterou-se ao longo do tempo; e ii) situ-
ação legal no que se refere à documentação: autorizações e habite-se, e.g.
Daí a importância da análise de cada caso concreto.
Se car comprovado que o projeto foi aprovado em compati-
bilidade com as normas então vigentes, assim como o respectivo alvará,
nada há que se fazer. Se o Poder Público pretender aumentar a faixa, para
adequação à necessidade de drenagem, urbanização ou outra hipótese,
poderá desapropriar o imóvel. Caso contrário, é necessário vericar se a
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solução verdadeiramente mais adequada é determinar a demolição das
obras consolidadas e a recuperação integral da área.
Na busca de uma proposta de solução para esse problema, cabe abor-
dar a questão sob dois pontos de vista: do passado e do futuro. Tecnicamente,
isso signica que devemos buscar mecanismos de reação preventivos e repa-
ratório-repressivos para abordar o problema adequadamente28.
Mecanismos reparatório-repressivos: a compensação
Tomada sob o ponto de vista do passado, a decisão envolve a
administração do passivo ambiental das APPs urbanas, ou seja, adoção de
políticas voltadas para a reparação de danos já ocorridos. Optamos por
utilizar o termo políticas porque entendemos que os problemas decorren-
tes de ocupações irregulares consolidadas muitas vezes não podem ser
resolvidos individualmente, ou seja, não basta, e.g., remover uma família
de uma área irregular ou determinar que o proprietário de um edifício
não passível de ser removido apenas destine um determinado valor aos
cofres públicos.
A reparação de danos, de todo modo, remete-nos para a ques-
tão da responsabilização: quem será o responsável pelo dano e, portanto,
destinatário do dever de reparação? duas possibilidades nesse caso:
identicar as pessoas responsáveis e/ou responsabilizar o Poder Público
por sua omissão (LEITE, 2010, p. 193-194).
Outra questão que se coloca diz respeito à forma de reparação,
foco de nossa atenção. Primeiramente, reforce-se que toda reparação deve
obedecer ao princípio da reparação integral. A nosso ver, esse princípio
leva, no caso sob análise, à necessidade de se realizarem ações que recu-
perem o máximo possível da função ambiental das APPs urbanas. Mais
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GRANZIERA, M. L. M.
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precisamente, deve-se ter em conta, na imposição de medidas reparató-
rias, o papel das APPs na contenção de enchentes e na xação de terrenos.
Pois bem, existem duas formas de reparação dos danos ambien-
tais: i) restauração da situação anterior ao dano; e ii) compensação. Essa
última pode ser concretizada pela oferta de um bem equivalente ao que
foi lesado ou pelo pagamento de uma indenização. No caso das APPs ur-
banas, a restauração é quase sempre inviável, conforme apontamos no
item anterior. A resposta mais adequada seria a compensação por bem
equivalente, sem afastar a hipótese de cumulatividade com a indenização.
É de se notar que a compensação por bem equivalente, ou seja,
por imposição de uma obrigação de fazer, é normalmente a medida mais
adequada em outros casos de danos irreversíveis ou praticamente irrever-
síveis, como aponta a promotora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz a
partir de sua experiência com casos concretos na Comarca de Santos, que
abrange uma das áreas que mais sofreram com impactos irreversíveis da
poluição do ar (CRUZ, 2001, p. 283-284).
Dessa forma, deve-se buscar a compensação ambiental pela
ocupação ilegal que no passado foi permitida pelos Poderes Públicos em
certas localidades. Em termos concretos, uma resposta para essa com-
plexa questão é a implantação de parques lineares urbanos, que possam
funcionar, na época das chuvas, como bacia de acumulação do transbor-
damento dos rios. Tais parques podem ser construídos em áreas menos
ocupadas, evitando-se a demolição e compensando a população como um
todo, pois novos espaços verdes, com áreas de lazer, cariam disponíveis
para a população. Nessa linha, um exemplo bastante interessante citado
por Guilherme Purvin Figueiredo é o da Prefeitura de Ribeirão Pires, que
promoveu a regularização de uma área de manancial ocupada e, paralela-
mente, a construção de um parque contíguo.
Contudo, deve-se reforçar que sempre haverá o risco da irregula-
ridade perpetuar-se, se não houver políticas de uso e ocupação do solo que
destaquem a racionalidade do uso dos recursos ambientais e não for imple-
mentada uma scalização efetiva, com vistas ao desenvolvimento sustentá-
vel, garantindo o espaço urbano para as atuais e para as futuras gerações.
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Tal vez , pel a p rim eir a vez na h ist óri a d o paí s, as imagens dos desas-
tres ambientais causados pelo uso ilegal das APPs, sobretudo em margens de
rios e encostas de morros, estão deixando muito claro, tanto para a população
como para o Poder Público, que o paliativo de se omitir na defesa das pessoas e
do meio ambiente está saindo caro demais. Aliás, quando ocorre um desastre,
não há novidades: todos sabem a razão. Apenas se espera do Poder Público
anunciar quais medidas concretas serão implantadas a curto, médio e longo
prazos. Nessa linha, é possível ainda proteger as APPs urbanas que restaram.
Na análise do futuro das APPs urbanas, é necessário pensar sob o
ponto de vista da prevenção e da precaução. Ao se elaborar e implantar o pla-
nejamento urbano e especialmente um plano de drenagem urbana para um
município, o Poder Público deve denir quais medidas de proteção às APPs
serão tomadas. Ademais, ao autorizar a supressão de vegetação em APPs, a
Administração deve se ater sempre à excepcionalidade, conforme ressaltamos
em item anterior, não permitindo todo e qualquer empreendimento em APP.
Nessa linha, a implantação de parques lineares também pode
ser incluída em planejamentos de longo prazo, como os planos de dre-
nagem urbana, devendo ser analisada já no licenciamento. Assim, os cál-
culos de vazão podem se aproximar mais da realidade de cada município
e as políticas urbanas podem verdadeiramente ser realizadas sob a ótica
da integração e da transversalidade. Assim, danos podem ser evitados,
buscando-se o equilíbrio possível.
Conclusões
A canalização de rios urbanos e a ocupação de morros, desres-
peitando as regras do Código Florestal sobre APPs vêm contribuindo para
inúmeros desastres ambientais e deixam muito claro, para a população e
para o Poder Público, que omitir-se na defesa das pessoas e do meio am-
biente sai caro demais.
GRANZIERA, M. L. M.
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Embora não haja dúvida sobre a aplicação do Código Florestal
nas cidades, nem sempre é possível fazer com que as áreas ilegalmente
ocupadas retornem ao estado anterior, cabendo um enfoque temporal so-
bre a matéria: passado e futuro.
Na análise do futuro das APPs urbanas, é necessário pensar sob
o ponto de vista da prevenção e da precaução. Ao se elaborar e implantar
o planejamento urbano e especialmente um plano de drenagem urbana
para um município, o Poder Público deve denir quais medidas de pro-
teção às APPs serão tomadas. Ao autorizar a supressão de vegetação em
APPs, a Administração deve se ater sempre à excepcionalidade, não per-
mitindo todo e qualquer empreendimento em APPs.
Para o futuro, a implantação de parques lineares pode e deve ser
incluída em planos de drenagem urbana, cabendo sua análise já no licen-
ciamento. Assim, os cálculos de vazão podem se aproximar mais da reali-
dade de cada município e as políticas urbanas podem verdadeiramente ser
realizadas sob a ótica da integração e da transversalidade. Danos podem
ser evitados, buscando-se o equilíbrio possível.
Referências
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Disponível em: ttp://www.ana.gov.br/gestaoRecHidricos/TecnologiaCapa cita-
cao/tecnologia_glossario.asp>. Acesso em: 22 jan. 2011.
BENJAMIN, A. H. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO,
J. J. G.; LEITE, J. R. M. (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 57-130.
BERÉ, C. M. Legislação urbanística: a norma e o fato nas áreas de proteção
aos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. 2005. 213 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
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Recebido: 16/08/2011
Received: 08/16/2011
Aprovado: 12/07/2012
Approved: 07/12/2012

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