Os poderes hipertróficos do relator no STF, o desmembramento constitucional e o golpe de Estado jurídico

AutorFabrício Castagna Lunardi
CargoProfessor do Instituto Brasiliense de Direito Público (Brasília-DF, Brasil). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria
Páginas877-899
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Licensed under Creative Commons
Os poderes hipertrócos do relator no STF, o desmembramento
constitucional e o golpe de Estado jurídico
The rapporteur’s hypertrophic powers in the Brazilian Supreme
Court, constitutional dismemberment and juridical coup d’État
FABRÍCIO CASTAGNA LUNARDI I, *
I Instituto Brasiliense de Direito Público (Brasília, Distrito Federal, Brasil)
fabricioclunardi@yahoo.com.br
http://orcid.org/0000-0002-9512-8394
Recebido/Received: 11.12.2018 / December 11th, 2018
Aprovado/Approved: 04.11.2020 / November 4th, 2020
Como citar esse artigo/How to cite this article: LUNARDI, Fabrício Castagna. Os poderes hipertrócos do relator no STF, o des-
membramento constitucional e o golpe de Estado jurídico. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 7, n. 3,
p. 877-899, set./dez. 2020. DOI: 10.5380/rinc.v7i3.63845.
* Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (Brasília-DF, Brasil). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados e da Escola de Formação Judiciária do TJDFT. Juiz de Direito do TJDFT. E-mail: fabricioclunardi@yahoo.com.br.
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de investigar como,
no Supremo Tribunal Federal, o ministro relator tem se
utilizado de seus poderes individuais para, de forma não
autorizada pela Constituição, decidir monocraticamente
medidas liminares, controlar o timing do processo e uti-
lizar o poder de pauta para implementar a sua própria
agenda. A pesquisa se desenvolve com base em uma
linha crítico-metodológica, a partir da perspectiva teóri-
ca de Richard Albert e Alec Stone Sweet, e de pesquisas
quantitativas e qualitativas, a m de investigar critica-
mente como ocorre o uso desse poder individual pelo
ministro relator. Ao nal, conclui-se que a prática do STF,
que hipertroou o poder individual de seus ministros, se
aproxima de um verdadeiro desmembramento constitu-
cional judicial, sobretudo pela forma como cada ministro,
individualmente, se arvora na competência do colegiado
e inova na ordem jurídica, muitas vezes divergindo da
Abstract
This paper has the purpose to investigate how, in the Bra-
zilian Supreme Court, the Justice-Rapporteur has used
his individual powers in a manner not authorized by the
Constitution, to decide monocratically on injunctions, to
control the timing of the process and to use the power to
implement their own agenda. The research develops on the
basis of a critical-methodological line, from the theoretical
perspective of Richard Albert and Alec Stone Sweet, and of
quantitative and qualitative research, in order to critically
investigate how the use of this individual power by the
Justice-Rapporteur occurs. In the end, it is concluded that
the Brazilian Supreme Court practice, which has hypertro-
phied the individual power of its Justices, is approaching a
true judicial constitutional dismemberment, above all by
the way in which each Justice individually guards the col-
legiate competence and innovates in the legal order, often
diverging from the Court’s own jurisprudence. In addition,
Revista de Investigações Constitucionais
ISSN 2359-5639
DOI: 10.5380/rinc.v7i3.63845
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 3, p. 877-899, set./dez. 2020. 877
FABRÍCIO CASTAGNA LUNARDI
Rev. Investig. Const., Curitiba, vol. 7, n. 3, p. 877-899, set./dez. 2020.
878
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. O poder supremo do relator: “liminares perpétuas” e uso estratégico do colegiado;
3. O poder de pauta: discricionariedade ou autoritarismo?; 4. O poder individual hipertróco e o des-
membramento constitucional; 5. O golpe de Estado jurídico; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Ao abordar as problemáticas da atuação dos tribunais constitucionais e da ex-
pansão da jurisdição constitucional, grande parte dos estudos constitucionais põe ên-
fase na chamada “diculdade contramajoritária”1, colocando a democracia e o ativismo
judicial em tensão. Nessa perspectiva, em razão de seu décit de legitimidade, a revisão
judicial da legislação poderia ser questionada como um modo de tomada de decisão
nal em uma sociedade livre e democrática.2
Assim, se a revisão judicial da legislação pode ser colocada em questão, do pon-
to de vista democrático, por permitir que um pequeno grupo de juízes não eleitos pelo
povo possa derrubar uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Chefe do
Executivo, a prática da Corte Constitucional brasileira se apresenta muito mais grave,
do ponto de vista da legitimidade, quando se observa que, de forma não autorizada
pela Constituição, tem sido amplamente admitido que um ministro do STF, designado
relator para o caso, possa, de forma individualizada, deferir medida liminar que suspen-
de a legislação e controlar o timing do processo com o poder de pauta. Como adiante
se mostrará, esse poder individual do ministro relator tem extrapolado os limites da au-
torização constitucional e tem sido utilizado de forma autoritária em diversas situações,
algumas delas com graves impactos para o país.
1 Trata-se de expressão cunhada e desenvolvida por Alexander Bickel que norteia grande parte das críticas
direcionadas por constitucionalistas à revisão judicial de disposições normativas aprovadas por maiorias par-
lamentares. BICKEL, Alexander. The Least Dangerous Branch. New Haven: Yale University Press, 1986.
2
WALDRON, Jeremy. The core of the case against judicial review. The Yale Law Journal, v. 115, n. 6, p. 1346-
1407, 2006, p. 1348.
própria jurisprudência da Corte. Além disso, os ministros
do STF, ao aumentarem o seu próprio poder, fragmenta-
ram o poder da Corte e alteraram a regra de reconheci-
mento e a norma básica, para fazer valer uma decisão
monocrática que modica o direito constitucional obje-
tivo, violando a Constituição, o que constitui verdadeiro
golpe de Estado jurídico.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; ministro re-
lator; poderes hipertrócos; desmembramento constitu-
cional; golpe de Estado jurídico.
Justices of Brazilian Supreme Court, by increasing their own
power, have fragmented the power of the Court and alte-
red the rule of recognition and the basic norm to enforce a
monocratic decision modifying the constitutional right, vio-
lating the Constitution, which constitutes a juridical coup
d’État.
Keywords: Brazilian Supreme Court; Justice-Rapporteur;
hypertrophic powers; constitutional dismemberment; juri-
dical coup d’État.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT