A política externa brasileira no contexto da II Guerra Mundial

AutorDelmo de Oliveira Torres Arguelhes
Páginas125-140
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Capítulo 07
A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO CONTEXTO
DA II GUERRA MUNDIAL
Delmo de Oliveira Torres Arguelhes1
Introdução: a arte da política entre o local e o global
Uma obra de ficção que pode servir de paradigma para o
estudo do campo da política é A car ta r oubada (1844), de Edgar
Allan Poe. Nesse conto, ambientado na França dos Oitocentos, o
comissário da polícia parisiense, monsieur G., procura o detetive
Auguste Dupin em busca de ajuda para desvendar um furto nos
apartamentos reais, uma carta do amante da rainha. Tal caso exigia
a maior discrição possível. O ladrão, o ministro D., passou meses
usando a posse da carta como trunfo político. Inúmeras buscas foram
feitas, em operações secretas, na casa do ministro. Batedores de
carteira vasculharam os bolsos do chantagista, em esbarrões nas ruas
e cafés, sem sucesso.
Esse drama aconteceu sem qualquer alarde. O ministro, que
se apoderou da missiva de modo que a rainha observasse, sem poder
reagir, utiliza a carta sem jamais mencioná-la; afinal, a revelação do
segredo é o fim de qualquer chantagem. Ao indicar amigos e
parentes para cargos na corte, D. nunca precisava pedir o apoio da
1 Doutor em História das Ideias - UnB. Pesquisador Associado Sênior do Núcleo
de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade
Federal Fluminense - NEA/INEST/ UFF. Autor do livro Sob o céu das
valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande
Guerra (19141918). Curitiba: CRV, 2013. E-mail: delmo.ar guelhes@gmail.com
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rainha. Tudo isso estava pressuposto, o que remete diretamente ao
adágio “no campo da política, o mais importante é o não dito”.
Uma passagem elucidativa do opúsculo é Dupin explicando
para o narrador anônimo das aventuras do detetive o motivo do
insucesso do inspetor G., o qual falhou ao tentar se colocar no lugar
do outro. G., ao imaginar onde o ministro D. poderia ter escondido a
carta, pensou na atitude que ele mesmo tomaria, e não em como D.
conduziria a questão. Do outro lado, D. conseguiu pensar como o
inspetor e daí escondeu a carta num local inalcançável para os
policiais. G. partiu do princípio de que a carta estaria em algum
compartimento secreto da residência do ministro. Aproveitando uma
viagem do proprietário, uma equipe especializada da polícia revistou
todas as paredes, móveis e roupas da residência, remontando tudo,
sem deixar vestígios da busca. Os livros foram descosturados e
tiveram as capas de couro descoladas, na busca da missiva, e
igualmente restaurados com precisão. Como poderia haver, então,
um esconderijo fora do alcance de tal equipe tão dedicada?
D. previu que isso aconteceria e, sabendo pensar igual aos
policiais, resolveu esconder a carta à vista de todos, colocando-a, de
modo displicente, no bolso externo de um paletó pendurado no
escritório da mansão. Para os policiais, o fato daquela carta não estar
escondida, fazia com que eles não prestassem atenção nela. D.
conseguiu, desse modo, camuflar a carta roubada, deixando-a fora
do alcance da equipe do comissário. No ambiente político, tão
necessário quanto dissimular os próprios interesses e objetivos,
também o é saber avaliar os interesses e objetivos dos adversários,
ou seja, dominar a arte de se colocar no lugar do outro. Não pensar
“o que eu faria no lugar dele”, mas o que “ele poderia fazer na
posição na qual se encontra”. Desse modo, o ator político pode tentar
ficar alguns passos à frente dos demais, delineando padrões de
conduta do outro. No conto, Dupin relata o caso de um menino que
sempre vencia o jogo do par ou ímpar. A partir dos semblantes dos
adversários, ele os classificava como inteligentes ou burros, e, a
partir desse dado, previa os padrões de decisão dos antagonistas.

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