Ponderador judiciário e a cinzenta distinção entre princípios e regras

AutorLuana Renostro Heinen
CargoGraduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Páginas351-375

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1. Considerações introdutórias

Nos tribunais brasileiros hoje a ponderação de princípios é aplicada cotidianamente, sem muitos parâmetros argumentativos e até mesmo sem grandes questionamentos teóricos, sendo bastante aceita no mundo jurídico nacional. Basta uma breve folheada em um processo para averiguar que advogados, promotores e juízes recorrem aos princípios para fundamentar suas posições e escolhas.

Infelizmente, também nos cursos de graduação em geral, a doutrina dos princípios é transmitida aos alunos, futuros participantes do mundo jurídico, sem muitas considerações críticas. Trata-se, assim, de

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mais um recurso argumentativo do qual se valerão na sua futura prática do Direito.

Entretanto, se recorrermos à teoria veremos que a questão do uso dos princípios como fundamentos teóricos das decisões não é uma questão tão pacífica quanto a prática jurídica parece demonstrar. Nem mesmo a distinção entre princípios e regras é "consenso" entre os teóricos do direito. Assim, o uso da técnica chamada de ponderação de princípios é bastante questionável. O presente trabalho propõe-se a analisar as críticas feitas por Juan Antonio Garcia Amado à ponderação de princípios teorizada por Robert Alexy. Ponderação teorizada por Alexy e outros que tem se transformado na verdadeira panaceia fundamentadora de decisões judiciais nos tribunais brasileiros.

2. Rápida passagem pelo neoconstitucionalismo

O neoconstitucionalismo não é uma teoria unívoca. Há vários "representantes" teóricos dessa corrente, cujos construtos divergem ou diferenciam-se em alguns aspectos. Mas, pode-se afirmar em linhas gerais que a teoria vem se delineando nos últimos 50 anos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial e tem como características principais o governo das leis com uma Constituição que limita o poder, bem como a técnica de ponderação de princípios que possibilitaria variadas decisões de acordo com as especificidades do caso concreto, ou seja, sem decisões universalmente válidas previamente (cf. GARCIA, 2008, p. 21).

Para outros autores, entretanto, o neoconstitucionalismo teria surgido na década de setenta, com as críticas de Ronald Dworkin ao positivismo de Herbert Hart, tendo como seu principal traço distintivo "Ia idea de que el Derecho no se distingue necesaria o conceptualmente de la moral, en cuanto incorpora princípios comunes a ambos." (BARBERIS, 2003, p. 260).

Há, ainda, uma percepção do neoconstitucionalismo como teoria, ideologia e metodologia feita em referência a mesma distinção proposta por Bobbio quanto ao positivismo (cf. COMANDUCCI, 2003, p. 76).

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Assim, para Comanducci (2005, p. 83), o neoconstitucionalismo teórico se proporia a descrição de um novo modelo de sistema jurídico. Sistema jurídico típico do Estado Democrático de Direito que tem se desenvolvido com o fenômeno da constitucionalização, caracterizado por uma Constituição invasora, onipresente em todos os âmbitos do sistema por meio do catálogo de direitos fundamentais que consagra. Nesse novo modelo haveria peculiaridades interpretativas para as normas e princípios constitucionais, face às leis ordinárias. A teoria neoconstitucionalista, surgiria, assim, para conseguir explicar o fenómeno do "Estado Constitucional Democrático de Direito" para o qual o positivismo não teria mais força explicativa.

Ao neoconstitucionalismo teórico Comanducci (2003, p. 88-90) opõe algumas objeções. Entende que se o neoconstitucionalismo teórico aceita a tese da conexão só contingente entre direito e moral, seria ele um filho do positivismo e não o contradiria, seria um "positivismo jurídico de nuestros dias". E, ainda, critica as posições de Ferrajoli e Zagrebelsky ao reconstruírem o status e as tarefas da teoria do Direito, fazendo-a normativa, de tal maneira que caberia ao cientista do direito denunciar a invalidez das normas que contrariassem os valores consagrados na Constituição. Para Comanducci, ao cientista do direito1 cabe explicar o direito e não prescrever um modelo ideal.

O neoconstitucionalismo como ideologia2 não se limita a descrição, valora positivamente o processo de constitucionalização, o de-

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fende e propõe sua ampliação. Destaca, ainda, que o legislativo e o executivo devem atuar de maneira a promover a otimização e garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição. E, dado que alguns destes autores neoconstitucionalistas (como Dworkin, Zagrebelsky e Alexy) veem uma conexão necessária entre Direito e moral nos ordenamentos contemporâneos democráticos e constitucionalizados, mostram-se propensos a entender que exista uma obrigação moral de obedecer a Constituição e as leis que lhe sejam conformes, aí, portanto, seu caráter ideológico (cf. COMANDUCCI, 2003, p. 86).

Criticando o neoconstitucionalismo ideológico Comanducci (2003, p. 91) ressalta sua perigosa consequência: "Ia disminución del grado de certeza del Derecho derivada de la técnica de 'ponderación' de los principios constitucionales y de la interpretación 'moral' de la Consti-tución". Segundo ele, em termos reais e não ideias, a configuração de princípios pode ajudar os juízes a sempre encontrar uma justificação ex post para suas próprias decisões, mas não reduz e contrariamente aumenta a discricionariedade, a indeterminação ex ante do Direito. Isso se daria, fundamentalmente, por três fatores: maior vagueza dos princípios do que das normas; na ausência de uma moral comum os juízes se utilizam de sua moral subjetiva, de sua particular concepção de justiça; e, a técnica de ponderação que requer uma análise caso a caso, sem uma hierarquia estável, aumenta as possibilidades decisórias.

E, por fim, o neoconstitucionalismo metodológico, de maneira semelhante ao ideológico, sustenta a tese da "conexión necesaria, identificativa y/o justificativa, entre Derecho y moral" (COMANDUCCI, 2003, p. 87), isso nos casos de um sistema jurídico constitucionalizado em que os princípios constitucionais e direitos fundamentais constituam uma ponte entre direito e moral. Assim, toda decisão jurídica derivaria, em última instância, da moral. Quanto a isso, Comanducci questiona que moral seria essa. Caso seja uma moral objetiva verdadeira (que corres-

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ponda a fatos morais), equivaleria a dizer que o juiz elegeria a moral que acredita ser verdadeira. Sendo uma moral objetiva racional (o sentido de aceitável parte de um grupo racional), cabe dizer que existem várias teorias morais divergentes e o juiz também deveria eleger uma delas. Tratando-se, ainda, de uma moral subjetivamente escolhida, assim como nos casos anteriores, estaria fundada na consciência do juiz, o que solapa qualquer possibilidade de segurança ou previsibilidade das decisões, além de tornar o direito legislado ou constitucional supérfluo. Por fim, uma última possibilidade de se compreender a moral seria uma moral intersubjetivamente aceita. Essa última possibilidade apresenta problemas epistemológicos dada a impossibilidade de um juiz precisar qual é a moral prevalecente em uma comunidade, em um país. Além disso, as normas morais compartilhadas não são homogêneas. Assim, parece retornar sempre a questão da escolha entre diferentes sistemas de moral.

3. A ponderação de princípios de Robert Alexy e as críticas de Garcia Amado
3. 1 Qual é a diferença entre princípios e regras?

Como visto, uma das questões definidoras da teoria neoconsti-tucionalista é a diferenciação que se faz entre princípios e regras. Também como já afirmado há vários autores representantes da corrente que se denomina neoconstitucionalismo, diante disso optou-se aqui por fazer uma análise da proposta teórica de Robert Alexy na Teoria dos Direitos Fundamentais, em relação ao que entende por princípios e sua técnica de ponderação3.

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Esta obra de Alexy foi escrita com o propósito de responder as indagações práticas que surgiram da positivação dos direitos fundamentais nas Constituições do pós-guerra. Direitos esses com uma grande vagueza, mas com pretensão de aplicabilidade imediata. Entendia este autor que "as teorias clássicas e o método subsuntivo eram insuficientes para resolver os delicados problemas (hard cases) que envolviam esses direitos" (AMORIM, 2005, p. 124).

Para Alexy as regras e princípios seriam espécies do gênero norma, tendo em vista que ambos estão no plano deontológico (dever ser). Mas, o que distinguiria os princípios das regras seria uma questão qualitativa e não de grau, não de generalidade. Os princípios seriam mandatos de otimização, que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível e que están caracterizados por el hecho de que pue-den ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas és determinado por los principios y reglas opuestos. (ALEXY, 1993, p. 86)

De maneira diferenciada, as regras seriam mandatos, normas que só podem ser cumpridas ou não. Quando uma regra for válida deve ser feito o que determina, nem mais, nem menos; isso porque conteria determinação no âmbito do fático e do juridicamente possível (cf. ALEXY, 1993, p. 87). A distinção estaria, portanto, na estrutura da norma e não na generalidade ou extensão das proposições.

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Por afirmar que a distinção entre princípios e regras é estrutural, Alexy (cf. 1993, p. 87) conclui que sua distinção fica ainda mais clara no momento de aplicação, quando se dão colisões entre os princípios e conflitos entre as normas. Em alguns casos a aplicação de...

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