A possibilidade de resgate do projeto democrático via jurisdição constitucional

AutorFernanda Braghirolli
CargoAdvogada formada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Páginas2-16

Page 2

Introdução

O estudo que se apresenta versa sobre o funcionamento da Jurisdição Constitucional e sua interação com o sistema democrático em todas as suas implicações – que vão desde a articulação de conflitos até a forma de exercer atividade política por meio do asseguramento, a todos os cidadãos, dos direitos que lhes são constitucionalmente reconhecidos. Trazendo a lume uma Constituição elaborada pelo respeito aos cidadãos, garantindo-a, tanto nas eventuais violações, como por seu constante cumprimento.

Neste plano, a pesquisa implicará na crucial análise a respeito dos contornos precisos da atuação da Jurisdição Constitucional no desempenho da sua função protetora do pluralismo das minorias e de controle das atividades do Poder Público, no que concerne às emendas e à elaboração das leis, no sentido de que este deve ceder em face das normas constitucionais, curvando-se à soberania popular consubstanciada na Constituição.

Tal tema justificará a atuação mais rigorosa da Jurisdição Constitucional no que tange a fiscalização do legislador, exigindo o seu comprometimento com o texto constitucional, já que a própria Constituição disciplina o exercício e os limites do poder. Havendo, desta sorte, uma legitimidade democrática ao assegurar que a vontade a prevalecer seja, inexoravelmente, a vontade soberana do povo.

Sinteticamente, pode-se dizer que a presente pesquisa projeta-se para o reconhecimento da necessidade de uma prática jurídica apta à implementação do constitucionalismo contemporâneo, buscando enriquecer a democracia, no sentido de que a Jurisdição Constitucional passa a administrar a justiça em nome do povo, fazendo frente à violação da Constituição e lutando em prol da concretização dos direitos fundamentais.

1 Primeiras considerações

Levando em conta a natureza da reflexão presente no Estado Democrático de Direito, a Jurisdição Constitucional passa a robustecer o cimento indisponível da própria democracia, a qual somente experimenta verdadeira e autêntica legitimidade quando apta a viabilizar a consecução dos direitos fundamentais, dos direitos sociais e coletivos lato sensu, valores que o próprio constituinte estabeleceu como sendo passíveis de concretização. Com efeito, é condizente com a vocação expressiva da democracia, a preocupação com a eficácia dos direitos fundamentais, promovendo-lhes a execução gradual e sublinhando com a necessária e oportuna ênfase, a vinculação dos poderes ao pacto constituinte.

A infiltração da Jurisdição Constitucional no campo da democracia indica que com a recepção dos valores substanciais pela Constituição, o Estado identifica-se com o imperativo de lhes conferir a máxima aplicabilidade concreta, almejando alcançar um patamar considerável em termos de eficácia dos mais nobres direitos: a dignidade humana. Assim, da Jurisdição Constitucional deriva à capacidade de não só tutelar taisPage 3direitos, como também intervir em prol de sua realização material, trilhando um caminho em que o sistema democrático credencia uma reversão dos sentidos em curso da citada instituição, que passa a dar respostas aptas contra a eventual ação corrosiva protagonizada pelo constituinte derivado, não apenas protegendo, mas também constituindo, decisiva e prudentemente, a dimensão dos direitos inerentes a sobrevivência humana. Desta forma, voltada ao sistema de realização democrática, a Jurisdição Constitucional se racionaliza para atuar em nome da aplicação do processo democrático brasileiro, adquirindo assim, legitimidade absoluta em suas ações, podendo invocar o justo e o digno, inclusive perante a própria lei.

Ademais, a democratização tal como se apresenta no paradigma do Estado Democrático de Direito e a atuação da Jurisdição Constitucional trazem à luz uma Constituição formada pelo respeito aos cidadãos, ensejando não só a proteção das minorias, como também, a exigência de vinculação dos Poderes à concretização de políticas públicas, principalmente no âmbito da saúde, do ensino fundamental, entre outras. Tal contexto expressa um movimento que tem dado origem a um novo atuar jurídico que passa a agir no cenário político como um instrumento para a representação dos interesses de todos os cidadãos, vislumbrando expectativas de justiça e de ideal democrático. Portanto, fazer com que a efetividade dos direitos sociais, fundamentais e democráticos aconteça por meio de uma prática jurídico-constitucional, conduz à concretização e ao aperfeiçoamento de avanços no campo social, ao mesmo tempo, que valorizará a Constituição como elemento conformador da cidadania e instrumento de reivindicação de segurança dos cidadãos frente ao poder2. Com o reconhecimento da Jurisdição Constitucional como instituição estratégica nas democracias contemporâneas, torna-se possível devolver à sociedade um sentimento de justiça, fixando um agir que estimule na vida democrática, a satisfação de suas questões existenciais3. A valorização do Poder Judiciário viria, pois, em resposta às funções de solidarização social, no sentido de que a Jurisdição Constitucional passaria a ocupar um papel positivo e construtivo no campo da democracia, prosperando na judicialização do social e colocando em evidência a soberania popular e a vontade geral implícita no direito positivo.

Trata-se, pois, de pensar em termos positivos a relação entre Democracia, Constituição e Jurisdição, de tal sorte que as portas sejam abertas ao Judiciário para criarem o Direito, fazendo com que os cidadãos sejam os verdadeiros destinatários dos preceitos previstos constitucionalmente ao concretizar o direito legítimo à democracia, canalizando, desta forma, um fluxo de comunicação para o centro do sistema político. Nesta leitura, as reivindicações da sociedade democrática, previstas na Constituição, se fariam presentes diretamente na vida pública pela mediação dos tribunais, favorecendo um ideal específico de sociedade, de vida digna e de avanços genuinamente democráticos.

Page 4

Daí, que advém a tarefa da Jurisdição Constitucional de zelar não só pelo respeito aos procedimentos democráticos que impulsionam as garantias de abertura e de participação dos cidadãos nas decisões políticas, como também de garantir os direitos fundamentais e sociais – núcleos essenciais do Estado Democrático de Direito –, realizando, desta forma, o processo democrático em toda sua totalidade. Nesta concepção que deita suas raízes no paradigma no constitucionalismo contemporâneo, deve-se entender a Jurisdição Constitucional como aquela instituição que garante ao cidadão criar o seu próprio Direito, incorporando em suas ações a valorização e a concretização das determinações substantivas constitucionais.

Desta forma, o Judiciário e a soberania popular atuam em parceria, caminhando em direção a uma tendência geradora de um espaço criado para recepcionar o movimento em prol de uma única identidade, onde se produzem e se realizam convicções verdadeiramente democráticas. Com isso pretende-se incorporar a Jurisdição Constitucional a uma esfera radicalmente democrática, constituindo-se como um espaço privilegiado do exercício da cidadania. Dentro deste contexto, a Jurisdição Constitucional precisa ser identificada como o locus de exercício democrático, ou seja, um espaço a mais na luta pelos grandes temas que envolvem a sociedade.

Ademais, é necessário discutir o alargamento dos espaços de travamento dos debates que envolvem temas como os valores fundamentais da sociedade, sob esta perspectiva, tanto mais democrática será uma sociedade, quanto maior for sua capacidade de incorporar e assimilar novos instrumentos e mecanismos de garantia dos direitos constitucionalmente assegurados. Assim, a revitalização e a dimensão de revigoramento da Constituição são notas dominantes neste campo de expansão do papel a ser desenvolvido pela Jurisdição Constitucional, não havendo lugar para o ativismo judicial.

À evidência, em razão dos temores que a comunidade jurídica tem acerca de um excessivo ativismo judicial, é necessário recordar com STRECK, que a defesa de um certo grau de intervenção da Justiça Constitucional implica o risco de usurpação dos poderes constituintes – esta crítica é feita por Bercovici que afirma que o Supremo Tribunal Federal pode decidir “contra a Constituição”, considerando-se seu dono4.

Não há como negar que este tensionamento assume contornos consideráveis, pois, como afirma STRECK, existem apenas “bons ativismos e bons ativistas”, sendo inexorável admitir que o Tribunal Constitucional sempre faz política e, desta forma, pode haver o solapamento – de modo omissivo ou comissivo –, do sentido da Constituição. De qualquer forma, vale frisar os ensinamentos do citado autor:

O que ocorre é que, em países de modernidade tardia como o Brasil, na inércia/omissão dos Poderes Legislativo e Executivo na consecução das políticas públicas (mormente no âmbito do direito à saúde, função social da propriedade, direito ao ensino fundamental, além do controle de constitucionalidade de privatizações irresponsáveis que contrariam frontalmente o núcleo político-essencial da Constituição) não se pode abrir mão da intervenção da Justiça Constitucional na busca da concretização dos direitos constitucionais de várias dimensões5.

Page 5

Ademais, deve-se levar em consideração que o grau de dirigismo e da força normativa da Constituição dependerá também do comprometimento de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT