Povo Ind

AutorSilva, Edson

Indígenas: processos históricos vivenciados no Semiárido

O povo indígena Xukuru do Ororubá habita nos municípios de Pesqueira e Poção no estado de Pernambuco, onde as pesquisas arqueológicas evidenciaram há milênios a existência de vários grupos humanos. Tratando-se ainda de uma região de caatingas com poucas chuvas, longas estiagens e secas periódicas, onde a maior parte dos cursos d'água são temporários, os solos rasos e pedregosos limitando os recursos naturais disponíveis. Pesquisas localizaram sítios arqueológicos próximos a fontes de água e os estudos apontaram vestígios da ocupação humana há milênios na região, ressaltando as intrínsecas relações com nascentes, lagoas, riachos e rios intermitentes que possibilitavam a disponibilidade de recursos naturais e assim o pouso para a caça, coleta (PROENÇA, 2008).

Os lugares mais úmidos há milênios são densamente povoados, por concentrarem em meio ao clima seco maiores índices anual de chuvas e o acúmulo de água Essa região historicamente vem sendo cenário de muitos conflitos entre os nativos, os colonizadores e seus descendentes. Ocorrendo disputas pelos territórios onde estão as fontes que garantem a vida para os humanos, animais e plantas. A sobrevivência humana nessa região, portanto, está intimamente relacionada a alguns poucos rios perenes que nascem nas serras e correm em direção ao litoral, bem como aos chamados "brejos de altitudes", espaços de clima ameno nos quais uma elevada densidade populacional coexiste com as atividades agrícolas e a pecuária. A região montanhosa favoreceu a formação desses brejos constituídos de espaços subsumidos (manchas ou bolsões) diante da aridez acentuada do clima predominante.

A colonização/ocupação portuguesa na região do atual Agreste/Semiárido (1) pernambucano iniciou após meados do Século XVII, quando ocorreu uma grande pressão demográfica na região litorânea impulsionando a colonização para o interior. As terras da região costeira estavam ocupadas com a lavoura da cana-de-açúcar, uma gramínea bastante suculenta apreciada pelos bovinos. Multiplicaram-se os pedidos à Coroa Portuguesa de terras no "sertão": senhores de engenho alegavam possuir gados sem terras onde pudessem criá-los (MEDEIROS, 1993, p.23-26). Foram concedidas sesmarias, pelo governo português, legitimando-se o expansionismo colonial, com invasões das terras indígenas.

Para a instalação das fazendas de gado no atual Agreste/Semiárido pernambucano era necessário amansar os índios "hostis". Em 1661, o Governador Francisco de Brito Freire informava sobre o aldeamento de muitos "tapuias", até aquele momento considerados "indomáveis", tendo sido constituídas duas novas povoações, com igrejas, sob a responsabilidade do Pe. João Duarte do Sacramento, fundador da Congregação do Oratório no Brasil (MEDEIROS, 1993, p.35). Dez anos mais tarde, por volta de 1671, o Pe. Sacramento fundava, no "Ararobá" (Serra do Ararobá), uma aldeia de índios Xukuru (MEDEIROS, 1993, p.51-53).

Os missionários Oratorianos dedicavam-se ao comércio de gado, tornando produtivas as terras sob o domínio da Congregação, permitindo com isso a compra de mais terras, até então ocupadas por sesmeiros, nas localidades próximas a missão (MEDEIROS, 1993, p.63-64). O local era considerado como "a chave de todo aquele sertão"; esta foi a razão de ter sido mantida, por muito tempo, a Missão do Ararobá, como ponto de apoio para a expansão das invasões e ocupações portuguesas no atual Semiárido pernambucano até o cearense.

No Semiárido as áreas com matas serranas, como a Serra do Ororubá, são localidades dos chamados brejos de altitude, lugares úmidos com cobertura vegetal volumosa. Nos brejos nascem riachos e rios que mesmo intermitentes irrigam os sopés das serras e nos períodos de fortes chuvas correm em direção ao Litoral como o Rio Ipojuca ou o Rio Ipanema que deságua no rio São Francisco. São áreas também agricultáveis, com as lavouras para o consumo plantada pelos indígenas e os excedentes de frutas e verduras que abastecem as feiras de cidades como Arcoverde e Pesqueira.

Na atual região de Cimbres, onde foi instalada a Missão do Ararobá, a área montanhosa favoreceu a formação de brejos que se constituem em espaços subúmidos, como manchas ou bolsões diante da aridez acentuada do clima predominante. Estudos apontaram que uma derivação da Serra da Borborema que se estende pela região do Semiárido, desde o Ceará até Pernambuco, se inicia exatamente no município de Pesqueira, espalhando-se por regiões vizinhas. Nas cercanias do vale do intermitente rio Ipojuca que corta o território dos indígenas Xukuru do Ororubá, estão localizados os brejos de São José e Ororubá, ambos situados na Serra do Ororubá, entre os municípios de Pesqueira e Poção (SOBRINHO, 2005, p.163-164).

O território indígena Xukuru do Ororubá está localizados entre os municípios de Pesqueira e Poção/PE (Figura 1) com 27.555 hectares demarcados pelo Governo Federal em 2001, após muitas perseguições, violências e assassinatos de lideranças, a exemplo do Cacique "Xicão" Xukuru, morto a mando dos fazendeiros invasores nas terras reivindicada pelos indígenas. A população foi contabilizada em 12.139 indígenas (LEAL e ANDRADE, 2012, p.8). Sendo ainda estimado que cerca de 200 famílias residem na área urbana de Pesqueira em diversos bairros, embora a maioria concentrada no Bairro "Xucurus" (ALMEIDA, 2002, p.52), vizinho ao território demarcado.

Os Xukuru do Ororubá habitam atualmente em 24 aldeias localizadas no território indígena que dividem em três regiões geográficas (Figura 2): a Serra, o Agreste e a Ribeira. A Serra é o local mais abundante de água e compreende o brejo de altitude propriamente dito. O Agreste é a região mais seca em torno da atual Aldeia Vila de Cimbres. E a Ribeira trata-se da região cortada pelo intermitente Rio Ipojuca, o onde também situa-se a Barragem Pão-de-Açúcar com águas salobras construída pelo Governo Estadual entre 1987/1988. As águas dessa Barragem em épocas de longas estiagens abasteceram Pesqueira e a vizinha cidade de Belo Jardim. Os índios praticam a agricultura para o consumo plantando em sua maioria milho e feijão. E na região da Serra cultivam verduras orgânicas vendidas semanalmente nas feiras nas cidades de Pesqueira e também Arcoverde.

A fertilidade das terras na Serra do Ororubá foi sempre ressaltada. No "Diccionario Chorographico, Histórico e Estatístico de Pernambuco", elaborado na última década do Século XIX e publicado em 1908, foi destacada a produção agrícola de Cimbres, com milho, feijão, mandioca, algodão, fumo, cana-de-açúcar e batatas. Além de frutas, como ananases, laranjas, cajus, goiabas, bananas e pinha. O autor frisou, porém, que essa produção advinha da Serra, pois: "Geralmente fraca no município, a agricultura, é futurosa na Serra do Ororubá pela uberdade de que oferece" (GALVÃO, 1908, p. 181).

Em outro trecho, o autor afirmou que, além da abundância da criação de gado, cavalos, ovelhas e cabras, existiam animais silvestres na região, como veados, caititus, onças de diversas espécies, raposas, gatos maracajás, tatus, tamanduás, coelhos, mocós, preás, guarás, furões, maritacas, tejus, juntamente com "aves de diversas espécies e portes". Afora o cedro, foram citadas outras árvores nativas e os usos medicinais.

As referências sobre as plantas medicinais evidenciam a utilização tradicional pelos indígenas. O autor também destacou a considerável produção agrícola de Cimbres, onde se colhiam cereais para abastecer as feiras da região. Plantava-se a cana-de-açúcar e existiam algumas engenhocas para produção de rapadura e também aguardente. Enfatizando a fertilidade das terras do antigo aldeamento, quando escreveu: "O terreno é muito produtivo, principalmente na Serra de Ororubá". Citando ainda artigos produzidos pelos índios: "A indústria local é a criação, a fabricação de redes e sacos de algodão, de esteiras, chapéus de palha e vassouras, de cachimbos de barro, feitos pelos índios habitantes da Serra de Ororubá" (GALVÃO, 1908, p. 182).

No Semiárido pernambucano, os brejos são pequenas faixas isoladas de transição entre a Zona da Mata úmida canavieira e a região seca. Os brejos com matas de serras e cursos d'água, favorecem a policultura tradicional, como a lavoura do feijão, mandioca, café, cana-de-açúcar, a horticultura e a fruticultura, com cultivo de banana, pinha, goiaba, caju, laranja, dentre outras (MELO, 1980, p.176). Assim, durante muito tempo, a produção de frutas e hortaliças dos brejos abasteceu não somente as feiras das cidades próximas, como também as situadas em bairros do Recife.

A índia Xukuru do Ororubá, Maria Alves Feitosa de Araújo, conhecida por Dona Lica, moradora na Aldeia Cana Brava descreveu a fartura na Serra do Ororubá:

Quando eu tinha oito anos eu ouvia minha mãe falar, que há 50 anos atrás era um tempo bom. Não era um tempo difícil. Tinha muita mangueira, muita bananeira, tinha muita caça, tinha muita água, tinha muitas matas. Não tinha essa história de capim. Não tinha essa história de fazendeiro. Que os índios no tempo dos meus bisavôs, dos meus avós, não tinha fazendeiro dentro da área de jeito nenhum. Aqueles índios, a comida era rolinha, calango, o café era guandu. A comida era fava, xerém (2) No verbete "Cimbres", encontrado no "Dicionário Topográfico, Estatístico e Histórico da Província de Pernambuco", publicado em 1863, além de ter reconhecido a existência de índios na Serra do Ororubá, o autor ressaltou a riqueza natural do lugar, quando escreveu:

Esta vila é propriamente uma aldeia, habitada por indígenas, que muito se gloriam de ser descendentes dos Xucurus e Paratiós, porém muito preguiçosos. Não obstante a pobreza da aldeia, o termo é um dos mais ricos e de maior importância no Sertão pela riqueza natural e produtiva, pelos edifícios que ultimamente se tem edificado e pela instrução a que se tem chegado. (HONORATO, 1976, p.38) Em outro trecho, depois de enfatizar a importância da agricultura, apesar de insistir no trabalho...

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