O prazo decadencial para lançamentos que visam discutir a apropriação de créditos do ICMS

AutorJúlio César Covre
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Especializando em Direito Tributário pelo IBET/SP. Advogado
Páginas151-166

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1. Introdução

A Constituição Federal prevê que o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações (ICMS) encontra-se sujeito à sistemática não cumulativa, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores, cujo objetivo é reduzir o impacto do tributo na cadeia de consumo.

Referida sistemática de compensação se materializa por meio do encontro de contas que o contribuinte faz entre os débitos referentes às operações de saídas e os créditos referentes às operações de entradas, no final de cada período de apuração do imposto.

Como o ICMS é tributo sujeito ao denominado lançamento por homologação, toda a operacionalização de sua sistemática não cumulativa é realizada pelo contribuinte, com a apuração, a declaração e o recolhimento antecipado do imposto, sujeitando-se à homologação posterior pelo Fisco.

Note-se que, no caso específico da apuração do ICMS, o contribuinte lança os débitos e créditos em sua escrita fiscal e, após o encontro de contas, terá o saldo final do período, que poderá ser credor ou devedor.

Os créditos apropriados e utilizados pelo contribuinte no encontro de contas têm o condão de reduzir o valor do ICMS devido no período e, nesse contexto, caso o Fisco discorde do montante de crédito apropriado pelo contribuinte, deverá realizar o lançamento de eventuais valores que entender devidos.

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Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar qual o prazo decadencial aplicável aos lançamentos que visam discutir os créditos do ICMS apropriados pelo contribuinte.

Para tanto, inicialmente será realizada uma análise geral do ICMS, com foco em sua natureza, incidência, sistemática não cumulativa, modalidade de lançamento, sistemática de apuração e recolhimento, bem como os prazos decadenciais para lançamentos realizados de ofício pelo Fisco, conforme abaixo disposto.

2. Noções gerais acerca do ICMS

O ICMS tem por característica precípua incidir indiretamente sobre as operações e, tendo em vista a natureza das operações sobre as quais incide, representa uma das maiores fontes de arrecadação estatal.

O ICMS, portanto, representa um tributo estadual com vocação eminentemente nacional, motivo que justifica a maior atenção lhe foi dado pela Constituição Federal, conforme será verificado por meio de uma sucinta aná-lise acerca de suas principais características realizada no presente tópico.

2. 1 Natureza do tributo

O denominado ICMS foi criado através da Constituição Federal de 1988, decorrente de uma evolução legislativa de 6 (seis) impostos indiretos constantes da Carta Política de 1967.1Roque Antonio Carrazza ao analisar a aglutinação instituída pelo legislador constituinte de 1988, enumera, pela sua ótica, ao menos 5 (cinco) impostos passíveis de distinção na sigla ICMS: "A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias); b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes".2José Eduardo Soares de Melo e Luiz Francisco Lippo, ao discordarem do supracitado doutrinador, entendem que o ICMS detém apenas 3 (três) hipóteses distintas de incidência, nos seguintes termos: "Ousamos discordar. Não nos parece adequado o entendimento de que em relação ao ICMS estamos diante de cinco impostos diferentes. Nos seus contornos são encontráveis apenas três hipóteses distintas. No interior da sigla ICMS encontram-se: a) a hipótese de incidência correspondente ao antigo ICM (operações relativas à circulação de mercadoria); b) a hipótese de incidência que recai sobre as prestações de serviços de transportes interestaduais e intermunicipais; e c) hipótese de incidência relativa à prestação de serviços de comunicação".3E arrematam os referidos autores: "(...) Bens como energia elétrica, combustíveis, lubrificantes, minerais, produtos que antes estavam fora do âmbito de incidência do imposto estadual, foram incorporados a ele. São mercadorias como quaisquer outras, de sorte que não podemos enquadrá-los em hipóteses de incidências distintas".4Quanto à referida discussão doutrinária, são conclusivos os ensinamentos de Paulo

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de Barros Carvalho ao dispor que o ICMS ostenta apenas 3 (três) regras-matrizes, admitindo as três hipóteses de incidência acima enumeradas, conforme serão oportunamente analisadas.5Dessa forma, entende-se que a Constituição Federal de 1988 acrescentou o "S" no antigo Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICM e unificou a tributação indireta sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e comunicação.

A Carta Magna atribuiu aos Estados a competência para instituir e arrecadar o ICMS, ainda que as operações de circulação de mercadorias se iniciem no exterior (art. 155, inciso II, CF/1988), bem como fixou os parâmetros básicos da incidência tributária do imposto, tais como: base de cálculo, alíquotas, matérias a serem tratadas por lei complementar, não cumulatividade, isenções, hipóteses de não incidência, dentre outros.

É inegável a finalidade arrecadatória do ICMS em decorrência da natureza das opera-ções sobre as quais ocorre a sua incidência, situação que evidencia a preponderância da fiscalidade do referido tributo em detrimento da extrafiscalidade, mesmo diante da faculdade dos entes tributantes em instituir alíquotas seletivas, conforme a essencialidade dos produtos, nos termos do art. 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal.

Assim, pode-se afirmar que o ICMS remonta uma das maiores fontes de arrecadação estatal, conjuntamente com as Contribuições Sociais, razão que ensejou grande quantidade de regramentos constitucionais acerca do referido tributo, como exemplo, a sua sistemática não cumulativa, que será oportunamente analisada.

2. 2 Incidência

A incidência do direito é a subsunção de um determinado fato a uma hipótese normativa seletora de propriedade, como assevera Lourival Vilanova: "O fato se torna jurídico porque ingressa no universo do direito através da porta aberta que é a hipótese".6Nesse sentido são os ensinamentos de Geraldo Ataliba:

"23.3 O fato imponível é, pois, um fato jurígeno (fato juridicamente relevante) a que a lei atribui a consequência de determinar o surgimento da obrigação tributária concreta. Em termos kelsenianos: é um suposto a que a lei imputa a consequência de causar o nascimento do vínculo obrigacional tributário.

"Para que um fato (estado de fato, situação) seja reputado fato imponível, deve corresponder integralmente às características previstas abstrata e hipoteticamente na lei (h.i.).

"23.4 Diz-se que o fato, assim, se subsumi à imagem abstrata da lei. Por isso, se houver subsunção do fato à h.i., ele será fato imponível. Se não houver subsunção, estar-se-á diante de fato irrelevante para o direito tributário."7Partindo da premissa de que a incidência do direito tributário não é automática e infalível como afirmou Alfredo Augusto Becker (utilizando-se do pensamento formulado por Pontes de Miranda),8a incidência somente ocorre através da aplicação do direito por um agente competente.

Ou seja, ocorrido o fato jurídico descrito no antecedente normativo, ocorrerá à subsunção do fato a norma geral e abstrata por meio da materialização em linguagem adequada a ser realizada pelo agente competente para, assim, criar a norma individual e concreta, norma esta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos de direito.

Destarte, o fenômeno da incidência tributária consiste justamente na operação

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realizada pelo agente competente que se resume em: ao ocorrer o evento tributário no mundo fenomênico, o agente competente realiza a aplicação da norma geral e abstrata, com a subsunção do fato jurídico tributário da classe que compõe a hipótese normativa da regra-matriz para instaurar a relação jurídica disposta na classe que compõe o consequente normativo, o que resulta na norma individual e concreta por meio da linguagem competente, conforme dispõe Paulo de Barros Carvalho: "Percebe-se que a chamada ‘incidência jurídica’ se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hit et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. Formalizando a linguagem, representaríamos assim: (F ? Hn)->Rj, podendo interpretar-se como: ‘se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn), então, deve ser a consequência prevista na norma (Rj)’".9Nesse contexto, para uma análise adequada acerca da incidência tributária do ICMS...

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