Prefácio
| Autor | Ricardo Antunes |
| Ocupação do Autor | Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Ca mpinas (Unicamp) |
| Páginas | 9-9 |
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PREFÁCIO
O Infoproletariado uberizado
A monumental reestruturação produtiva do capital, desenvolvida a partir do último quartel do século
passado e ampliada exponencialmente neste novo século, já nos permite afirmar (como sugeri hipoteticamen-
te em Adeus ao Trabalho?), que a regra se tornaria a exceção e esta, a exceção, tenderia a se converter em
regra. Talvez por isso - ainda que precocemente, pois muita água ainda vai passar neste moinho satânico - este
novo e principiante século XXI já possa ser caracterizado como a era da sociedade digital, do smartphone, da
internet das coisas, diferentemente da sociedade do automóvel que moldou o século XX.
Sob a impulsão do capital financeiro e seus complexos imbricamentos com o mundo da produção (sem-
pre em sentido amplo), o trabalho relativamente mais formalizado, típico da era tayloriano-fordista é cada
vez mais parte do passado (apesar das clivagens e diferenciações entre norte e sul do mundo, por exemplo) e
vem sendo cada vez mais substituído pelos mais diversificados modos de ser da informalidade, intermitência
e terceirização, todos (em maior ou menor intensidade) maculados sempre pela condição de precariedade.
Muito menos do que o fim da teoria do valor-trabalho e da classe trabalhadora, entretanto, como propa-
gandeou certo pensamento eurocêntrico (incapaz de compreender um mosaico global que é desigualmente
combinado) e repetiram muitas vozes nestes tristes trópicos, sem a devida mediação e reflexão, as novas cor-
porações globais e suas plataformas digitais, cujos exemplos emblemáticos podemos encontrar na Amazon,
Uber, Google e seus tantos símiles e assemelhados, não fazem outra coisa senão desfigurar e mascarar o
trabalho assalariado (dotado de direitos), apresentado como “autônomo”, “empreendedor”, “intermitente”,
“part time”, “pejotizado” etc., num léxico extenso cujo sentido é obnubilar as formas de exploração/espolia-
ção do trabalho, invisibilizando-o, individualizando-o e, desse modo, (re)inventando novas formas geradoras
de mais-valor, mesmo que tendo a aparência do não-valor, em uma combinação tanto sutil quanto perver-
sa, na qual a extração absoluta e relativa do sobretrabalho se amplifica enormemente. É assim que, numa
engenhosa criação, imbrica-se “magistralmente” a lei do valor com o novo universo maquínico informacional
e digital.
Como, então, regulamentar estas novas modalidades de trabalho, se as corporações globais praticam sis-
tematicamente a burla dos direitos, sob a alegação de que os trabalhadores e as trabalhadoras converteram-se
milagrosamente em “empresários-de-si-próprios”?
É exatamente neste ponto, de extrema relevância social e política, que este oportuno livro, organizado
por Guilherme Feliciano e Ana Paula S. C. Miskulin, apresenta sua efetiva contribuição. A gig economy, a infor-
malidade e a uberização do trabalho; as formas de ser do infoproletariado e suas precarizações (estas, como
sabemos, podem sempre se ampliar e intensificar, assim como retroceder, dependendo do nível de resistência
e confrontação); a corrosão e derrelição dos direitos do trabalho e os seus tantos desafios; a atuação da Justi-
ça do Trabalho; a realidade e concretude dos adoecimentos e padecimentos dos trabalhos uberizados, dentre
outros importantes elementos, são estes os pontos presentes neste importante estudo.
E, sabemos bem, será somente por meio da real intelecção crítica e profunda destas pragmáticas labora-
tivas; das ações corajosas de advogados(as), procuradores(as) e juízes(as) do trabalho e decisivamente da ação
coletiva de resistências e confrontação do infoproletariado uberizado que esse quadro poderá se alterar e ser
obstado.
São Paulo, primavera de 2019.
RICARDO ANTUNES
Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofi a e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Ca mpinas (Unicamp).
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