Pressupostos gerais do conceito jurídico de crime

AutorEdihermes Marques Coelho
Páginas127-158
CAPÍTULO 8
PRESSUPOSTOS GERAIS DO
CONCEITO JURÍDICO DE CRIME
O Direito é, enquanto regulador das relações sociais, âmbito de tu-
tela de bens jurídicos. No âmbito do papel desempenhado pelo Direito
no Estado Democrático de Direito – controle social e proteção de bens
jurídicos -, cada norma protetiva e/ou reguladora vai ter um bem jurí-
dico no seu âmago, na sua essência – há algo individual ou socialmente
relevante que está sendo garantido por tal norma. Nesse sentido, ensina
Roxin que
em cada situação histórica e social de um grupo humano os pressu-
postos imprescindíveis para uma existência em comum se concreti-
zam numa série de condições valiosas como, por exemplo, a vida, a
integridade física, a liberdade de atuação ou a propriedade, as quais
todo o mundo conhece; numa palavra os chamados bens jurídicos; e
o direito penal tem que assegurar esses bens jurídicos, punindo sua
violação em determinadas condições.107
107 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal, p. 27-28.
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Edihermes Marques Coelho
Cada previsão legal de um fato como crime está a proteger bens
jurídicos relevantes – na maioria dos casos para todos e cada um dos
cidadãos – e está destinada a fazer cumprir diretrizes de política criminal.
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a sanção penal, cumprindo a dupla função: proteger bens jurídicos exer-
cendo o controle social.
Conforme já se viu no Capítulo 1, não se tem aqui a ingênua con-
cepção de que o controle social possa ser em prol do “bem comum”, ou
da “paz social”. O que se preconiza é que é possível um controle social
ancorado em um direito penal de base jusfundamental. Em virtude, so-
bretudo, deste último foco é que se pode legitimar a ideia de que existem
condutas a serem consideradas crime, e que estes devem ser punidos
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8.1 O CRIME
Ao se levantar o questionamento sobre o que é crime, deve-se de
imediato fazer uma ressalva: trata-se aqui – diversamente das abordagens
insertas na Unidade I – de uma questão que tem como dimensão básica
a análise dos aspectos técnicos e jurídicos (dogmáticos) que envolvem o
crime, para, a partir disso, possibilitar o desvendar da seleção valorativa
de bens jurídicos, contida nas normas e renovada pelas diversas instân-
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a relevância da lesão jurídica a tais bens. Tudo isso tem como pano de
fundo a interpretação jurídica com foco na centralidade do ser humano
no mundo, em virtude da vinculação de qualquer área do Direito aos
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legalidade para o Direito Penal no âmbito do estado democrático de
direito: representa limite e direção de segurança jurídica, ao funcionar
como balizadora do que é ou não crime.
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busque descobrir a essência de cada crime, porque se entende que não
há algo que seja crime por si só. Qualquer conduta só é crime em virtu-
de de um conjunto de seleções e valorações procedidas pelo Estado no
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Direito Penal
sopesamento de diversos interesses existentes no âmago da sociedade
– seleções e valorações que emergem através da elaboração de leis crimi-
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nômicos na criação dessas leis. Por decorrência, a concepção de crime
é uma construção cultural, em que dos fatos sociais ‘naturais’ se depre-
ende, por opção de política criminal, quais comportamentos devem ser

Atos não são, eles se tornam alguma coisa. O mesmo acontece com o
crime. O crime não existe. É criado. Primeiro, existem atos. Segue-
  
distância social tem uma importância particular. A distância aumenta
-
soas o simples atributo de criminosas.108
-
cado aos atos sociais, que começa no próprio âmbito familiar, passa
pelas relações sociais em geral e chega às relações ideológicas do
âmbito político109.
De qualquer modo, no âmbito das competências de exercício do Po-
der é o Estado – através do Poder Legislativo – que determina quais
situações, quais condutas humanas deverão ser categorizadas juridica-
mente como crimes. É claro que tal determinação poderá corresponder
mais intensamente ou menos intensamente a interesses e a expectativas

situação ‘X’ ou ‘Y’ como crime é a seleção político valorativa realizada
pelo Estado ao elaborar as leis.
É dentro dessa lógica que se pode entender porque uma conduta
hoje considerada crime, amanhã poderá não o ser, e vice-e-versa. Bem

108 CHRISTIE, NILS. , p. 13.
109 RIPOLLÉS realiza rica abordagem (não obstante algumas posições controversas) dos as-
         
Dìez.     . Trad. L. R. Prado. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005.
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