A presunção de capacidade civil da pessoa com deficiência na lei brasileira de inclusão

AutorCarolina Valença Ferraz, Glauber Salomão Leite
Páginas99-117
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 7, n. 13, p. 99-117
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A PRESUNÇÃO DE CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA
LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO
Carolina Valença Ferraz*
Glauber Salomão Leite**
RESUMO: O presente trabalho versa sobre o novo paradigma da presunção de capacidade
civil da pessoa com deficiência, prevista na Lei Brasileira de Inclusão. De acordo com a
referida norma, toda pessoa com deficiência tem assegurado o exercício de sua capacidade
legal em igualdade de condições com as demais pessoas. A pesquisa descreve o alcance dessa
norma e verifica que essa nova sistemática é oriunda da consolidação do modelo social de
deficiência previsto na Convenção da ONU sobre o tema.
Palavras-chave: Deficiência. Capacidade. Pessoa.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre uma das principais modificações introduzidas pela
Lei Brasileira de Inclusão ( Lei nº 13.146/2015)1: a presunção de capacidade civil plena da
pessoa com deficiência.
A nova lei, que entrou em vigor em janeiro do corrente ano, assegurou de forma
expressa o direito à capacidade civil a todas as pessoas com deficiência, resultando, inclusive,
na revogação de boa parte da sistemática prevista no Código Civil acerca do instituto.
De modo que, a partir dessa inovação legislativa, depreendem-se os seguintes
problemas: qual o alcance e quais os efeitos da presunção de capacidade legal da pessoa com
deficiência?
O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, é feita uma análise da
evolução da proteção conferida à pessoa com deficiência, desde o modelo de prescindência,
passando pelo modelo médico, até a concepção atual, denominada de modelo social. Com
isso, são delineados os pressupostos que levaram à fixação do regime jurídico da capacidade
civil nos moldes hodiernos. A segunda parte, por sua vez, está calcada na temática central do
* Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC -SP. Professora do
Programa de Mestrado em Direito e da Graduação em Direito do Centro Universitário de João P essoa/UNIPÊ.
Professora da Universidade Católica de Pernambuco/UNICAP e da Faculdade Integrada de
Pernambuco/FACIPE. E-mail: carolina-vf@uol.com.br.
** Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC -SP. Professor do
Programa de Mestrado em Direito e da Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ.
Professor da Universidade Estadual da Paraíba/UEP B, da Faculdade Integrada de Pernambuco/FACIPE e da
Faculdade ASCES. E-mail: glaubersalomaoleite@gmail.com.
1 Que passará a ser abreviada, no presente trabalho, como LBI.
R: 15.05.2016; A: 14.06.2016
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trabalho e faz uma análise da presunção de capacidade civil prevista na Lei Brasileira de
Inclusão.
Trata-se de pesquisa exploratória, pautada na análise de material bibliográfico já
produzido sobre o tema. Com isso, o artigo focou o disposto em livros, artigos científicos e
legislação sobre o assunto, revelando-se, assim, pesquisa eminentemente dogmática.
1 A PROTEÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EM IGUALDADE DE
CONDIÇÕES COM AS DEMAIS PESSOAS
Historicamente, a deficiência sempre foi associada a algo negativo, sentimento de
perda, de menos valia. Ainda hoje, não são raros os casos em que a deficiência é descrita
como uma tragédia pessoal, origem de tristeza e de muito pesar. Nessa linha de pensamento, a
pessoa com deficiência seria alguém incapaz de levar uma vida independente, vez que, em
razão de limitações físicas, sensoriais, mentais ou intelectuais, não conseguiria manter-se
sozinha, o que a levaria a depender permanentemente de sua família ou do Estado, tendo
pouco ou nada a contribuir, portanto, com a sociedade. Chega-se ao extremo de indagar,
diante de um caso de deficiência mental ou intelectual mais severa, se aquela seria uma vida
realmente digna de ser vivida.
Na Antiguidade Clássica e na Idade Média, a concepção de deficiência tinha
caráter religioso, baseada na noção de que uma pessoa com limitação funcional seria
absolutamente desimportante, desnecessária, a partir de explicações díspares como ―ser fruto
da ira dos deuses‖, ―resultado de pecado cometido pelos pais‖, ―obra do diabo‖ etc. Este
modelo, que ficou conhecido como de prescindência, pautava-se na ideia de que, por nada
terem a contribuir, a sociedade poderia prescindir de tais pessoas, através de práticas
eugênicas (como o infanticídio) ou de isolamento social, relegando-as aos espaços destinados
aos pobres e aos marginalizados, em um processo agudo de exclusão (PALACIOS; BARIFFI,
2007, p. 13-15).
Posteriormente, a deficiência passou a ser concebida em outra perspectiva:
biomédica. No início do século XX, com o fim da Primeira Guerra Mundial (que resultou em
um número expressivo de pessoas feridas e mutiladas em combate), consolidou-se o modelo
médico ou reabilitador, que explicava a deficiência a partir de causas científicas (PALACIOS;
BARIFFI, 2007, p. 15-16).

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