A prevalência dos acordos coletivos sobre as convenções coletivas: uma problematização necessária
Autor | Ana Paula Repolês Torres/Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim |
Páginas | 339-347 |
A PREVALÊNCIA DOS ACORDOS COLETIVOS SOBRE AS CONVENÇÕES COLETIVAS
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A PREVALÊNCIA DOS ACORDOS COLETIVOS SOBRE AS CONVENÇÕES
COLETIVAS: UMA PROBLEMATIZAÇÃO NECESSÁRIA
Ana Paula Repolês Torres(*)
Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim(**)
(*) Analista Judiciário do TRT da 3ª Região. Mestre em Direito e Doutora em Filosofi a/UFMG.
(**) Juíza Titular da 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. Coordenadora Acadêmica da Escola Judicial do TRT da 3ª Região (2016-2017). Pós-graduada
em Direito do Trabalho/USP.
1. INTRODUÇÃO
Analisar qualquer alteração a ser implementada pela
Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467 de 13 de julho de
2017) implica primeiro uma advertência. Se faz parte
da condição humana, como nos diria Hannah Arendt
(ARENDT, 1958), a capacidade de inovar, de criar, de
realizar novos inícios, não podemos ingenuamente acre-
ditar que toda inovação é necessariamente positiva. Da
mesma forma como o repúdio irrefl etido às inovações
pode ser algo problemático, na medida em que pode nos
prender a tradições nem sempre adequadas aos tempos
atuais, a aceitação imediata do novo como sinônimo
de progresso pode nos levar a inesperadas e profundas
frustrações. O pensar, a refl exão, são, portanto, essen-
ciais para lidar com a disputa entre passado e futuro,
de modo a sabermos quando não desperdiçar as possi-
bilidades que o amanhã nos traz, e quando dizer não às
inovações que se mostram prejudiciais, tendo em vista
as conquistas já alcançadas.
O objeto de nosso estudo é a alteração do art. 620 da
CLT, o qual passa a dispor que as condições estabeleci-
das em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão
sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.
Em seu texto anterior, o citado artigo dispunha que as
convenções coletivas de trabalho deveriam prevalecer
sobre os acordos coletivos, quando mais favoráveis ao
trabalhador.
A leitura da nova norma legal nos traz, de imediato, a
ideia de que se trata de uma alteração que nega o prin-
cípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalha-
dor, na medida em que não só inverte a diretriz anterior
(que impunha a aplicação da convenção coletiva, em
detrimento do acordo, em caso de ser mais favorável),
mas também exclui qualquer hipótese de interpretação
que possa afastar a prevalência do acordo coletivo de
trabalho.
Não se pode olvidar que o princípio da norma mais
favorável é intrinsecamente vinculado ao Direito do Tra-
balho, ao seu caráter protetivo, considerando-se a desi-
gualdade existente entre capital e trabalho, desigualdade
esta que só tende a aumentar em um contexto de de-
semprego, em que o pleno emprego, o próprio direito ao
trabalho, encontra-se em crise.
Antes ainda de esmiuçarmos essa alteração específi ca
da CLT, devemos ressaltar que essa mudança está inseri-
da em um contexto mais amplo, devendo ser conjugada
com outras alterações em nosso ordenamento jurídico-
-trabalhista, como a prevalência do negociado sobre o le-
gislado, a “comissão de representantes de empregados”
e a adoção de formas precarizantes de trabalho, como o
contrato intermitente e a ampliação das possibilidades
de terceirização.
Se por um lado as alterações estão nos encaminhan-
do para uma sociedade em que o trabalho será “quase
um privilégio”, em que o que importa “é que haja dis-
ponibilidade para o trabalho, seja ele provisório, precá-
rio ou mal remunerado” (MENEZES, 2017, 119), por
outro vemos uma valorização da criação autônoma das
normas coletivas, com prevalência do negociado sobre
o legislado. Todavia, desde já indagamos: será que essas
alterações, vistas como um todo, realmente conduzirão
ao empoderamento dos sujeitos coletivos? Ou apenas
servirão como instrumentos propícios para negação de
direitos historicamente positivados, deslegitimando a
própria negociação coletiva?
É importante dizer que essa prevalência do negociado
sobre o legislado já vinha sendo implementada pelo Ju-
diciário a partir de decisões do Supremo Tribunal Fede-
ral, o qual passou a desconsiderar, rompendo assim com
o “romance em cadeia”, para nos apropriarmos aqui da
metáfora de Ronald Dworkin (DWORKIN, 1999), toda
uma tradição construída jurisprudencialmente pela Jus-
tiça do Trabalho.
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