Pressupostos da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as verbas de caráter indenizatório

AutorAntonio Mendes Feitosa Júnior
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC-SP. Advogado em Teresina/PI e São Paulo/SP.
Páginas115-129

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1. Introdução

A Constituição Federal, por meio do art. 195,1outorgou à União a competência para tributar o empregador e o empregado. A base de cálculo da exação consiste na folha-de-salário e nos demais rendimentos do trabalho. Para o exercício dessa competência, está determinada a edição de lei ordinária como único veículo hábil à instituição de tributo, consoante o art. 150 do seu texto.

No exercício de sua competência Constitucional, a União instituiu Contribuição Social, nos limites estabelecidos pelo art. 195 da Lei Maior, por meio da Lei 8.212/1995. Prevê a legislação que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A União, por meio deste embasamento legal, vem realizando esta cobrança constitucionalmente permitida; porém ao cobrar tal exação, o Fisco vem distorcendo o real conceito de rendimento salarial, incidindo essa contribuição ao salário integral, independente

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de ser caráter extraordinário, indenizatório ou mesmo benefícios não habituais.

Em outras palavras, com base numa análise sistemática do nosso ordenamento jurídico, em especial das normas que compõem o sistema constitucional tributário, é possível à União, no exercício de sua competência, instituir na base de cálculo das contribuições sociais, a folha-de-salário incluindo as verbas de caráter indenizatório? É possível determinar o real conceito de remuneração para a inclusão ou não dessas verbas indenizatórias na base de cálculo das contribuições sociais?

A título de exemplo, a Receita Federal do Brasil está cobrando na base de cálculo das contribuições previdenciárias verbas indenizatórias como podemos ver, por exemplo, no auxílio-doença, auxílio-creche, aviso-prévio indenizado, férias e 1/3 de férias.

Seria justo e cabível o Fisco delimitar um entendimento consolidado do que integra ou não a folha-de-salário. A Constituição Federal, em seu art. 195, I, alínea a, deter-mina que o empregador e a empresa devam arcar com o a folha-de-salário e demais rendimentos do trabalho, mas o legislador constitucional não delimitou especificamente o que deve integrar ou não. Gerando uma interpretação tendenciosa pelo Fisco com o motivo de maior arrecadação.

2. Linguagem e construção da realidade

Somente por meio da linguagem é possível o conhecimento.2Ela é o meio pelo qual se modifica a realidade que nos cerca, funcionando como uma linha divisória do plano metafísico do plano real, a partir da descrição dos acontecimentos da realidade social. Aquilo que não é vertido em lingua-gem não está no mundo.

É através da linguagem que o homem expressa o seu conhecimento de mundo, e só por meio dela é que tomamos conhecimento da realidade. Nesse sentido é o pensamento de Ludwig Wittgenstein3ao afirmar que "os limites de meu mundo significam os limites de minha linguagem".

Adotando essa premissa, concluímos que só a linguagem é apta para construir a realidade, pois para conhecermos qualquer objeto do mundo concreto é mister a produção de linguagem. Sem ela jamais chegaríamos ao conhecimento da realidade circundante.

Com efeito, não há mais essências a desvelar, nem objetos a serem compreendidos, não há verdades únicas e imutáveis, o conhecimento é uma construção linguística, que se desenvolve na linguagem e segundo seus limites. O conhecimento científico, desenvolvido sob esse paradigma, não é exceção: investigar, cientificamente, alguma coisa é investigar a linguagem que constitui essa coisa.4

3. Direito e linguagem

A linguagem é um conjunto de signos que constituem elementos que funcionam como uma forma de transmissão da mensagem do discurso científico de modo aperfeiçoado, proporcionando uma visão rigorosa e sistemática do mundo. Funciona como instrumento do saber científico, sendo que ela não só permite o intercâmbio de informações e de conhecimentos humanos, como também funciona como meio de controle de tais conhecimentos.

Paulo de Barros Carvalho assevera que "ali onde houver direito haverá sempre norma jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão".5Todo conhecimento está revestido em linguagem, sem linguagem não há compre-

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ensão da realidade. Deste modo, conhecer o Direito é compreender a linguagem que o constitui. Revestido o direito positivo em linguagem, é necessário adotar um método investigativo possível de compreender essa linguagem. Daí advém a importância da semiótica para nossos estudos, pois é a partir dela que compreendemos melhor a linguagem do direito positivo, motivo pelo qual faremos breves comentários sobre ela.

A semiótica é a ciência que investiga todas as linguagens possíveis, ou seja, tem como objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido, investigando os mecanismos mentais que conduzem ao entendimento de algo.

Ela visa estudar os diferentes tipos de signos e a forma como funcionam nos processos de entendimento de sua significação. Se você está num restaurante e vê uma placa com um cigarro cortado por uma linha transversal, você entende logo que naquele local é proibido fumar, e ainda subentende que caso você fume naquele ambiente estará sujeito há uma determinada punição.

De imediato observamos que a semiótica é um fenômeno cotidiano, pois estamos sempre circundados por signos possíveis de significação, reconhecendo-os, compartilhando-os, estabelecendo relações entre eles, extraindo seus significados e, em última instância, absorvendo conhecimento.

Valendo-nos dos recursos semióticos, nos é permitida a análise das três dimensões que a linguagem apresenta: (a) a sintática, que estuda os sinais relacionados entre si mesmos, prescindindo dos usuários e das designações;

(b) a semântica, que encara os objetos designados pelos sinais, ou seja, a relação dos sinais com os objetos extralinguísticos. Trata dos sinais e dos objetos denotados; e (c) a pragmática, que é a parte da semiótica que se ocupa da relação dos signos com os usuários ou intérpretes.6Trazendo a semiótica para a fenomenologia jurídica verificamos a sua importância para o presente trabalho. O direito como um fenômeno linguístico, pode ser estudado nas três dimensões sígnicas: no plano sintático o seu estudo vai abranger as relações hierárquicas, de coordenação, subordinação, fundamentação e derivação de normas; no plano semântico, vai albergar as conexões entre o texto normativo e as normas jurídicas, bem como as acepções dos vocábulos jurídicos; e no plano pragmático, abrange-se o relacionamento da norma com os seus emissores e destinatários.

Com efeito, observamos a grande importância da linguagem para o estudo do direito, pois tanto o Direito Positivo como a Ciência do Direito são revestidos em lingua-gem, e sem a compreensão dessa linguagem se torna impossível conhecer tanto o direito positivo como a ciência do direito.

4. Linguagem do direito positivo e linguagem da Ciência do Direito

O Direito é um objeto cultural, criado pelo homem para organizar os comportamentos intersubjetivos dos indivíduos, almejando consagrar os valores os quais a sociedade entende por relevante. Ele se manifesta por meio da linguagem a qual expressa a realidade social que o homem busca regular. Entretanto, existem diferenças entre a linguagem do Direito Positivo e da Ciência do Direito, na conformidade das explicações abaixo.

O Direito Positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas num dado país em um determinado momento histórico. Para Aurora Tomazini "O direito positivo é formado pelo conjunto estruturado de comunicações do tipo jurídico-normativas (linguagem prescritiva)".7Sua manifestação se dá através de uma linguagem própria, voltada para a disciplina

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do comportamento humano nas suas relações de intersubjetividade.

As regras do direito existem para regrar condutas humanas no plano exterior, não importando o que se passa no plano subjetivo das pessoas, sendo de grande valia o ensinamento do Professor Paulo de Barros Carvalho ao inferir que "ao Direito não interessam os problemas intrassubjetivos, isto é, da pessoa para com ela mesma, a não ser na medida em que esse inferior e subjetivo corresponda a um comportamento exterior e objetivo".8Desta forma, constata-se que o Direito Posto se apresenta como um conjunto de proposições que se voltam para a regulação das condutas humanas nas suas relações sociais, buscando, a todo o momento, obter estabili-dade e harmonia nas relações interpessoais, através de regras prescritivas de conduta devidamente estampadas numa fórmula linguística apropriada.

A Ciência do Direito é o estudo das proposições contidas no Direito Positivo, cabendo a ela descrever as regras jurídicas, ordenando-as, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que as governam, o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos e significações, segundo determinada metodologia.9Porém, Direito Positivo e Ciência do Direito não se confundem, são duas realidades completamente distintas, apresentando peculiaridades que lhes são próprias, possuindo cada qual seu próprio corpo...

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