Principais semelhanças entre os regimes contratual e extracontratual

AutorCarlos Edison do Rêgo Monteiro Filho
Páginas55-86
Capítulo 2
Principais semelhanças entre os regimes
contratual e extracontratual
2.1. Excludentes do dever de reparar e o efeito libera-
tório em regra
Tanto a responsabilidade contratual quanto a extracon-
tratual são igualmente afastadas por efeito das excludentes
de caso fortuito e força maior, previstas no caput do artigo
393 do Código Civil95. Vale dizer: na ocorrência de um des-
ses eventos irresistíveis, não imputáveis ao devedor, opera-
se o efeito liberatório, extinguindo o vínculo obrigacional
sem que seja devida, por parte do devedor, qualquer inde-
nização ao credor. Não é demais acrescentar, seguindo a
disposição legal, que o efeito liberatório pode ser afastado
se o devedor se responsabilizar expressamente pelos danos
ocorridos, ainda que causados por caso fortuito ou força
maior96.
As consequências dessas excludentes, além de opera-
rem igualmente como regra nas duas searas da responsabi-
lidade civil, podem ser coarctadas tanto pela autonomia
privada, como assinalado, quanto por disposição legal de-
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95 Art. 393. “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsa-
bilizado”.
96 Além disso, o efeito liberatório também pode ser afastado se o devedor
estiver em mora e não restar provado que o dano sobreviria mesmo que a
obrigação fosse oportunamente desempenhada (cf. art. 399, CC).
terminando a assunção de risco qualificado ou integral,
donde decorre, excepcionalmente, em ambos os casos, a
imposição do dever de reparar o dano ainda que presentes,
em abstrato, os contornos das excludentes.
2.2. Configuração do fortuito e da força maior e seus
requisitos
Os debates sobre a distinção entre caso fortuito e força
maior e a definição de seus requisitos, que encontram dife-
rentes enumerações nas teorias objetiva e subjetiva, não
têm aqui sede própria para desenvolvimento mais profícuo.
De todo modo, a revelar as dimensões da controvérsia,
calha consignar que, segundo Carvalho de Mendonça, des-
de o Direito Romano, o caso fortuito dizia respeito à im-
previsibilidade, enquanto que a força maior tocava à inven-
cibilidade97. Clóvis Bevilaqua98, por sua vez, sustentava que
o fortuito se relacionava com as forças da natureza, ao passo
que a força maior teria a participação do homem. Carvalho
Santos99, entretanto, lembrou que alguns doutrinadores já
sustentaram exatamente o contrário. Dentre os autores
mais modernos, Sergio Cavalieri Filho aduz que o caso for-
tuito pressupõe imprevisibilidade, enquanto a força maior
exige inevitabilidade. Haveria força maior quando um
evento fosse inevitável, mesmo que previsível100.
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97 Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça. Doutrina e prática das obriga-
ções, vol. II, 2ª ed., Rio de Janeiro: Francisco, 1956, p. 36-37.
98 Clovis Bevilaqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comenta-
do, vol. IV, 10ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1955, p. 173.
99 J.M. Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XIV,
Direito das Obrigações, 10ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1982, p. 232.
100 Sergio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed.
São Paulo: Atlas, 2012, p. 71.
Configuram-se as hipóteses de caso fortuito ou de força
maior na ocorrência de eventos inevitáveis e externos101,
porquanto irresistíveis e não imputáveis ao devedor, que
inviabilizem a execução da prestação devida. Sem embargo
dos debates doutrinários, não parece haver dúvida de que
esta foi a orientação adotada pelo sistema positivo brasilei-
ro, o qual dispõe no parágrafo único do artigo 393 do Códi-
go Civil que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se
no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir”102.
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101 Caitlin Sampaio Mulholland enumera, ainda, a imprevisibilidade entre
os requisitos da excludente de responsabilidade por caso fortuito: “Desta
conceituação, retiram-se os elementos que qualificam o caso fortuito, quais
sejam a inevitabilidade, a externalidade e a imprevisibilidade” (A responsa-
bilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2009, p.
132). Em sentido diverso, a sustentar a objetivação do requisito da imprevi-
sibilidade, Caio Mário da Silva Pereira: “A meu ver, a imprevisibilidade não
é requisito necessário, porque muitas vezes o evento, ainda que previsível,
dispara como força indomável e irresistível. A imprevisibilidade é de se con-
siderar quando determina a inevitabilidade. Para alguns autores, para que se
considere como escusativa de responsabilidade somente se consideraria o
fato ‘absolutamente imprevisível’, que se distinguiria do que é ‘normalmen-
te imprevisível’. O que, então, importaria numa apuração em cada caso, a
saber quando é ‘absoluta’ e quando é ‘normal’, recaindo-se então no requisi-
to da inevitabilidade. Aliás, a imprevisibilidade é em geral combinada com
inevitabilidade” (Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p.
399). Também, Paulo Luiz Netto Lobo: “Não se insere no conceito de caso
fortuito e força maior a imprevisibilidade. O fato poderia ser previsível, mas
sua ocorrência não poderia ser evitada ou impedida pelos figurantes do ne-
gócio jurídico, como no caso de greve que já se anunciava e, quando defla-
grada, impediu a entrega da coisa pelo devedor. O que interessa é a inevita-
bilidade dos efeitos, para o devedor, em dimensão tal que impeça o adimple-
mento, causando danos ao credor. Enfim, é tudo que não se pode prever ou
que, previsto, não se pode evitar, pré-excluindo a responsabilidade do deve-
dor” (Direito civil – obrigações, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 235).
102 A doutrina costuma diferenciar o chamado “fortuito externo” do “for-
tuito interno”: “Especialmente na seara da responsabilidade pelo risco, dis-

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