A reparação dos danos na responsabilidade contratual e extracontratual

AutorCarlos Edison do Rêgo Monteiro Filho
Páginas87-178
Capítulo 3
A reparação dos danos na responsabilidade
contratual e extracontratual
3.1. Conceito de perdas e danos
Como assinalado, o conceito de perdas e danos expres-
so no artigo 402 do Código Civil aproveita tanto à dogmá-
tica da responsabilidade civil contratual quanto da extra-
contratual, tornando despicienda a formulação do artigo
946 do mesmo diploma. Perdas e danos, como se extrai de
lição tantas vezes repetida, abrangem o dano emergente e o
lucro cessante.
O dano emergente consiste na efetiva e imediata dimi-
nuição do patrimônio da vítima em decorrência da conduta
do agente lesionador – e, por isso, é considerado parcela po-
sitiva do dano material, ou seja, trata-se de prejuízo que
impacta material e concretamente a situação patrimonial
da vítima. Já os lucros cessantes abrangem os acréscimos
patrimoniais que, em juízo de probabilidade objetiva, po-
dem ter sofrido interrupção em seu curso de formação pela
conduta do causador do dano – daí se aludir à designação
aspecto negativo do dano patrimonial, vale dizer, são valo-
res que a vítima esperava receber mas que, em decorrência
do dano, não recebe145.
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145 Segundo Aguiar Dias, “na apreciação dos danos que devem ser ressarci-
dos a título de lucros cessantes, o juiz há de (...) ter em conta não só os
No que concerne ao plano da quantificação, guiam-se
por mecanismos peculiares de avaliação: o primeiro assenta
suas premissas no cálculo da equivalência – por meio de
operação aritmética simples, determina-se a diferença en-
tre a situação patrimonial da vítima antes e depois do even-
to danoso, impondo-se ao responsável o dever de indenizar
o valor que exatamente corresponda à diferença aponta-
da146. Já o segundo exige do intérprete um grau maior de
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atuais, consequência direta e imediata da lesão, mas também a alteração de
condições habitualmente existentes e das quais seja lícito deduzir com certa
segurança e presunção de que criariam a favor do lesado uma situação que
lhe traria benefícios patrimoniais legítimos” (José de Aguiar Dias. Op. cit. p.
1030). De acordo com Agostinho Alvim, no dano emergente “é possível es-
tabelecer, com precisão, o desfalque do nosso patrimônio, sem que as
indagações se perturbem por penetrar no terreno hipotético” (Agostinho Al-
vin. Da inexecução das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 203). V.tb.
Gisela Sampaio Sampaio da Cruz. Lucros cessantes: do bom senso ao postu-
lado normativo da razoabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.
49.
146 “A nova codificação vem, assim, consagrar a ideia que doutrina e juris-
prudência brasileiras já imputavam à responsabilidade civil por meio do cha-
mado princípio da reparação integral do dano. A ideia consiste em atribuir
ampla proteção à vítima, empregando-se todos os esforços para fazê-la re-
tornar ao status quo anterior ao prejuízo. A ideia consiste em atribuir ampla
proteção à vítima, empregando-se todos os esforços para fazê-la retornar ao
status quo anterior ao prejuízo”. (Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbo-
za, Maria Celina Bodin de Moraes. Código civil interpretado conforme a
Constituição da República. Vol II, Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 861).
Silvio Rodrigues também disserta a respeito desse intuito de devolver a víti-
ma ao seu estado anterior: “A ideia de tornar indene a vítima se confunde
com o anseio de devolvê-lo ao estado em que se encontrava antes do ilícito.
Todavia, em numerosíssimos casos é impossível obter-se tal resultado, por-
que do acidente resultou consequência irremovível. Nesta hipótese há que
se recorrer a uma situação postiça, representada pelo pagamento de uma in-
denização em dinheiro. É um remédio nem sempre ideal, mas único que se
pode lançar mão”. (Direito Civil – Responsabilidade Civil. 20ª ed., v. 4., Rio
de Janeiro: Saraiva, 2003, p. 186). Permita-se a remissão a Carlos Edison do
dificuldade e tem como sinal de orientação a busca da ra-
zoabilidade. À luz de tal parâmetro, serão contemplados na
indenização tão só os lucros que em condições de desenvol-
vimento normal viriam a se consumar, mas que acabaram
frustrados em razão da conduta, comissiva ou omissiva, do
ofensor147.
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Rêgo Monteiro Filho. O princípio da reparação integral e sua exceção no di-
reito brasileiro. In: O Direito & o tempo: embates jurídicos e utopias contem-
porâneas. Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (org.), Rio de Janeiro: Re-
novar, 2008.
147 A esse respeito dessa distinção, confira-se o exemplo trazido por Ru-
dolf von Ihering para a hipótese de invalidade contratual: “O interesse do
comprador pode, na nossa relação, ser concebido de duas maneiras: segundo
uma delas, como o interesse na manutenção do contrato, ou seja, no cumpri-
mento – aqui o comprador receberia num equivalente em dinheiro tudo
aquilo que teria tido em caso de validade do contrato; diversamente, como
um interesse na não conclusão do contrato – aqui receberia o que teria tido
se a realidade exterior da conclusão do contrato não se tivesse de todo veri-
ficado. Alguns exemplos esclarecerão esta diferença, que pretendo designar,
por razões de síntese, como interesse contratual positivo e negativo. Se o
vendedor exigiu ao comprador a restituição da coisa que lhe enviou por cau-
sa de erro essencial, o interesse na manutenção do contrato consistiria, pelo
menos, no excesso de valor da coisa acima do preço da compra, e o interesse
na não conclusão do ressarcimento dos custos de transporte; se o núncio, por
negligência, encomendou 10 caixas de charutos em vez de 1/10, aquele pri-
meiro consiste no lucro que o comprador teria feito com as 10 caixas, e este
último, novamente, no ressarcimento dos custos de embalagem e envio,
possivelmente não existindo sequer de todo, como, por exemplo, se o nún-
cio corrigiu imediatamente o seu erro. O interesse do primeiro tipo tem
como fundamento a validade, e do segundo a invalidade do contrato. Só na
medida em que o contrato é válido pode o comprador exigir a sua execução,
ou, o que é o mesmo, o seu interesse no cumprimento. A acusação que, no
segundo caso, ele faz ao demandado não consiste em que o contrato é invá-
lido – tal não é da responsabilidade do demandado, mas da lei —, mas antes
em que o demandado, que devia ter sabido da causa da invalidade, ainda as-
sim concluiu o contrato e, dessa forma, causou prejuízos ao demandante. Na
sua expressão processual, a causa do pedido ora é integrada pela validade,

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