A conexão entre os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões na construção do estado democrático de direito

AutorDébora Carvalho Fioratto; Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
CargoMestranda em Direito Processual pela Puc- Minas; Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003)
Páginas230-260

Mestranda em Direito Processual pela Puc- Minas; Bolsista da FAPEMIG; Graduada em Direito pela Puc-Minas; Sócia Fundadora e membro do Conselho Deliberativo do IHJ/MG; Graduanda em Letras pela UFMG; Advogada; Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1988). Professor Adjunto III da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado militante.

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1. Introdução

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o contexto se modifica, necessitando que alguns conteúdos jurídicos sejam revisitados para se adequar a concepção de Estado Democrático de Direito. Dentre esses conteúdos, encontrase o processo, que em decorrência da Teoria Instrumentalista, visivelmente influenciada pela Teoria de Bülow, - processo como relação jurídica entre as partes e o juiz - era definido como um instrumento da jurisdição que tinha como objetivo realizar os escopos metajurídicos e a pacificação social. Esse processo reafirma o solipsismo judicial e admite que o juiz seja o único intérprete no processo, podendo fundamentar sua decisão em argumentos metajurídicos.

A partir dessa definição de processo, o contraditório é visto como o simples dizer e contra dizer, ou seja, a bilateralidade de audiência e, a fundamentação das decisões se resume a motivar a decisão com argumentos advindos da convicção pessoal e interpretação única e exclusiva do juiz. Não há qualquer relação entre o contraditório e a fundamentação das decisões, visto que o contraditório estático (aparente) não garante às partes o controle Page 231 da decisão proferida pelo juiz. Os instrumentalistas, então, passam a defender uma Teoria Geral do Processo fundada nos institutos da Ação, Jurisdição, Processo e Defesa, como se esses institutos fossem os mesmos em qualquer processo, o que não condiz com o Estado Democrático de Direito.

O presente trabalho labora a partir da reconstrução do processo como procedimento em contraditório, que teve como precursor Elio Fazzalari, que muito contribuiu para a ciência processual ao distinguir o processo do procedimento com o atributo do contraditório. O contraditório é, então, compreendido como a participação na construção da decisão, em simétrica paridade de armas, dos afetados pelo pronunciamento do juiz. A contribuição da Teoria Constitucionalista, fez com que o processo passasse a ser garantia constitucional assim como os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões, por isso, a Constituição Federal de 1988 é um marco, que constitui o Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, o contraditório é uma garantia constitucional das partes, de participar na construção da decisão e de exercer o controle da fundamentação das decisões, visto que o juiz deve motivar as decisões através de argumentos jurídicos debatidos pelas partes para que a decisão seja aceitável e racional. Da relação Constituição e Processo, verifica-se a conexão, a co-dependência entre os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões. Com a aprimoração do modelo constitucional de processo, proposto inicialmente por Andolina e Vignera, formula-se uma Teoria Geral do Processo, baseada no modelo constitucional de processo que se funda em uma base principiológica uníssona (contraditório, ampla argumentação, terceiro imparcial e fundamentação das decisões) indissociável e co-dependentes, ou seja, o modelo constitucional do processo seria um esquema geral de princípios presentes em qualquer processo. A violação de um princípio significaria o desrespeito aos demais. Page 232

2. Modelo constitucional de processo

O movimento de reforma do processo civil pode ser equiparado ao movimento de um pêndulo: em uma extremidade o liberalismo processual, marcado por um processo essencialmente escrito, conduzido unicamente pela atuação das partes (protagonismo das partes), já que o juiz é um mero espectador, uma figura passiva. Ao passo que no outro extremo encontrava-se a socialização processual, marcada por um processo oral, pela atuação ativa do juiz (protagonismo judicial) e pelo enfraquecimento do papel das partes (NUNES, 2008, p. 27).

O processo civil brasileiro sofreu, desde o Código de Processo Civil de 1939, forte influência de Franz Klein, no âmbito legislativo, e de Bülow, no âmbito doutrinário.

A preocupação em se adotar o sistema oral no Código de Processo Civil de 39, com o intuito de garantir a rapidez do processo civil, se justificava pelo fato de que na Europa essa adaptação já estava ocorrendo, a partir das idéias de Franz Klein 1 na legislação austríaca. As idéias de Klein seriam opostas ao liberalismo processual, já que se buscava uma socialização processual, com ênfase na atuação do juiz no processo 2 e no princípio da oralidade.

Na visão de Klein, os escopos metajurídicos do processo, poderiam levar a uma crise social, necessitando, portanto, de um papel ativo do Estado-juiz. Logo, a legislação austríaca implementava o discurso do protagonismo judicial. "O processo é visto, assim, na perspectiva socializadora de Klein, como uma inevitável "instituição estatal de bem estar social", para a busca da pacificação social" (NUNES, 2008, p. 50). Ao passo que "o processo, sob a taxionomia de relação jurídica, já surge, em Bülow, como instrumento da jurisdição, devendo esta ser entendida como atividade do juiz na criação do direito em Page 233 nome do Estado com a contribuição do sentimento e experiência do julgador" (CORDEIRO LEAL, 2005, p. 44). Visível, portanto, que Dinamarco em sua obra Instrumentalidade do Processo, buscou sintetizar as influências estrangeiras no processo civil pátrio, compactando-as em sua teoria do processo, como instrumento da jurisdição, que tem por fim a realização dos escopos metajurídicos e a pacificação social.

"É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. (...) Isso significa, sim, que a instrumentalidade do sistema processual é alimentada pela visão dos resultados que dele espera a nação. A tomada de consciência teleológica tem, portanto, o valor de possibilitar o correto direcionamento do sistema e adequação do instrumental que o compõe, para melhor aptidão a produzir tais resultados" (DINAMARCO, 2003, p. 181-183).

A problemática advinda com a Teoria da Instrumentalidade do Processo 3, propagada por Dinamarco, advém da influência estrangeira Bülowiana da concepção de processo como relação jurídica entre as partes e o juiz. Conceber o processo como relação jurídica significa afirmar que uma parte tem direito e a outra, dever de sujeição, já que quem tem direito (sujeito ativo) pode exigir determinada conduta do sujeito passivo (direito subjetivo), devido à existência do "vínculo jurídico de exigibilidade entre os sujeitos do processo" (GONÇALVES, 1992, p. 98). Entretanto, não se pode afirmar que no processo uma das partes tem o direito de exigir da outra uma determinada conduta. Page 234

"No processo não poderia haver tal vínculo entre as partes, porque nenhuma delas pode, juridicamente, impor à outra a prática de qualquer ato processual. No exercício de faculdades ou poderes, nos atos processuais, a parte sequer se dirige à outra, mas sim ao juiz, que conduz o processo. E, do juiz, as partes não exigem conduta ou ato" (GONÇALVES, 1992, p. 98).

Era visível a importância do papel do juiz nessa concepção de processo. As críticas advindas do papel de "super-parte" do juiz e da impossibilidade de uma relação jurídica entre as partes foram suficientes para a superação desse entendimento de processo.

Elio Fazzalari foi o responsável pela renovação do conceito de procedimento no Direito Processual (GONÇALVES, 1992, p. 105). Segundo Fazzalari, o processo é espécie do gênero procedimento 4, e o que irá distingui-los é a presença do contraditório. Importante definir o conceito de procedimento e de processo na Teoria Fazzalariana.

"O procedimento, como atividade preparatória do provimento 5, possuiu sua específica estrutura constituída da seqüência de normas, atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de uma norma da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto" (GONÇALVES, 1992, p. 112).

Ao passo que o processo é o procedimento realizado em contraditório entre as partes, que participarão na construção do provimento final. "A estrutura dialética do procedimento, isto é, justamente, o contraditório" (FAZZALARI, 2006, p. 119-120), que define o processo. Essa estrutura dialética consiste

"na participação dos destinatários dos efeitos do ato final em sua fase preparatória; na simétrica paridade das suas posições; na mútua implicação das suas atividades (destinadas, respectivamente, a promover e impedir a emanação do provimento); na relevância das Page 235 mesmas para o autor do provimento; de modo que cada contraditor possa exercitar um conjunto - conspícuo ou modesto, não importa - de escolhas, de reações,de controles, e deva sofrer os controles e as reações dos outros, e que o autor do ato deva prestar contas dos resultados" (GONÇALVES, 1992, p. 112).

A contribuição de Fazzalari 6 ao Direito Processual e...

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