Aplicação dos princípios da legalidade e da tipicidade ao instituto do planejamento tributário

AutorJuliana Ferreira Pinto Rocha
CargoMestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada em São Paulo
Páginas143-155

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1. Princípio da legalidade tributária

O princípio da legalidade tributária teve sua origem histórica na Magna Carta Libertatum, documento imposto, em 1215, pelos barões ingleses ao Rei João-Sem-Terra, com a finalidade de limitar os seus poderes reais, em razão principalmente da maneira exorbitante e abusiva com que impunha tributos aos cidadãos.

Nas nossas Constituições, o princípio da legalidade tributária sempre esteve expresso na: Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, arts. 36, I, e 171; Constituição de 1891, art. 72, § 30, que, no entanto, somente se referia a imposto, mas os doutrinadores à época subordinavam também as taxas ao referido princípio; Constituição de 1934, art. 17, que já mencionava o termo genérico tributo; Carta de 1937, art. 13; Constituição de 1946, art. 141, § 34; Emenda Constitucional n. 18, de 1965; Carta de 1967, arts. 20,I, e 150, § 29; Emenda Constitucional n. 1, de 1969, arts. 19, I, e 153, § 29, e atualmente, na Constituição de 1988, o art. 150,I, refere-se ao princípio da legalidade tributária.

O art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988 consagra o princípio genérico da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Contudo, estamos diante de um princípio genérico e insuficiente para assegurar ao contribuinte a garantia que decorre do princípio específico, exigindo, para cada instituição ou majoração de tributo, norma jurídica emanada do Poder Legislativo.

O princípio da legalidade tributária requer lei formal, ou seja, lei em sentido estrito, para significar norma jurídica emanada do Poder Legislativo, como órgão de representação do povo.

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Para Alberto Xavier,1 o princípio da legalidade tem aplicação diversa no Direito Administrativo e no Direito Tributário. No Direito Administrativo, o princípio da legalidade contenta-se com uma simples reserva relativa, porque todo comportamento da Administração deve estar fundamentado em lei, mas a lei não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso concreto, o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito - o administrador. Contudo, no Direito Tributário a exigência é de uma reserva absoluta da lei: "No Direito Tributário, o princípio da legalidade revestiu sempre um conteúdo bem mais restrito. Com vista a proteger a esfera de direitos subjetivos dos particulares do arbítrio e do subjetivis-mo do órgão de aplicação do direito -juiz ou administrador - e, portanto, a prevenir a aplicação de 'tributos arbitrários', optou-se neste ramo do Direito por uma formulação mais restritiva do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo em sentido material, deve conter não só o fundamento da conduta da administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto. Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal".

O princípio da legalidade prescreve que somente lei em sentido estrito tem caráter disciplinador das condutas impo-sitivas tributárias. O que significa afirmar que não deve ser confundida com norma jurídica em sentido lato, como a expressão "legislação tributária", que compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes (art. 96, do Código Tributário Nacional).

2. Princípio da tipicidade tributária

Para atender aos ditames do Estado de Direito, não basta o princípio da tipicidade tributária exigir lei formal e material para a criação do tributo. Persiste a necessidade de que a lei defina também: (i) tipo fechado, (ii) cerrado, (iii) de todos os elementos da obrigação tributária, para não deixar qualquer lacuna que possa ser preenchida pela Administração, tendo em vista a ativi-dade administrativa plenamente vinculada aos limites da lei.

O princípio da tipicidade até poderia ser considerado um princípio autônomo do princípio da legalidade. Todavia, os dois princípios são se completam, como força de expressão um do outro.

Alberto Xavier2 leciona que "o princípio da tipicidade não é, ao contrário do que já uns sustentaram, um princípio autônomo do da legalidade: antes é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontra construído por estritas considerações de segurança jurídica" (sic!).

O princípio da tipicidade possui também uma característica seletiva, porque ao exercer a atividade legislativa, o órgão enunciador deverá eleger as situações tipificáveis que pretende introduzir como antecedente em normas de tributação capazes de fazer incidir o comando prescrito no seu conseqüente.

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Segundo doutrina de José Artur Lima Gonçalves3 a tipicidade taxativa no direito tributário implica, pois, a definição de um tipo específico veiculado por lei que contenha a descrição completa de todos os critérios necessários e bastantes à tributação, encerrando em si mesmo uma valoração - um processo decisório - definitiva, que exclui, cabal e completamente, a interferência de valorações ulteriores.

O princípio da tipicidade representa uma barreira à atuação da administração tributária, isto é, somente os elementos descritos no antecedente da regra-matriz do tributo poderão ensejar a aplicação do direito ao caso concreto, dado a ocorrência do fato jurídico ali descrito. A administração tributária deverá selecionar os eventos do mundo social e identificá-los com os elementos que compõem a norma de tributação, ou seja, a chamada subsunção. A subsunção exige um ato de vontade e uma tomada de decisão do agente da administração tributária, porque a subsunção exige a tradução dos eventos sociais em fatos jurídicos, que são significações conceituais dos próprios eventos econômicos.

Por isso que qualquer evento do mundo social que não contenha conceitos descritos na norma de tributação não poderá ser atingido em razão da ausência de tipo legal. O que Alberto Xavier4 chama de se-leção: "A seleção, quer dos fatos, quer dos efeitos, exerce um duplo efeito. Por um lado, a especificação do conceito geral a que tipo se reporta, pela criação de uma pluralidade de modelos que representem todos eles expressões parciais de uma única realidade, de que o conceito é a síntese. Por outro lado, o preenchimento incompleto do mesmo conceito, pelo que a tipolo-gia se distingue da classificação, ao deixar fora do seu âmbito realidades que, se bem que aspectos do conceito geral, foram pre-cisamente excluídas pela atividade seletiva do legislador".

A atividade administrativa é vinculada aos limites prescritos na lei, isto é, aos tipos descritos como hábeis a fazer incidir a norma de tributação. Contudo, o agente fiscal sequer detém qualquer parcela de competência (para legislar) no sentido de preencher eventuais lacunas ou defeitos da lei. Qualquer atitude nesse sentido é um exercício inconstitucional, porque a autoridade administrativa não tem competência para a prática de nenhum ato que extrapole ou modifique a prescrição contida em lei, estando sujeita, rigorosamente aos preceitos legais que lhe compete aplicar.

Analisados os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade que regulam o exercício do Poder Legislativo de enunciação de comandos normativos no ordenamento jurídico como capazes de disciplinar as condutas intersubjetivas e assim, resguardar a segurança jurídica dos particulares de eventuais práticas de aplicação fora desses limites pela autoridade administrativa tributária, é indispensável que analisemos as figuras tributárias do nosso Direito Tributário.

3. Planejamento tributário - Noções gerais

Inicialmente, antes de adentrarmos a questão do planejamento tributário, mister traçarmos algumas premissas.

A obrigação tributária surge com a concreção da situação hipotética prevista no antecedente da norma, fazendo assim surgir ao Fisco (aqui empregado com sujeito ativo da relação jurídica tributária) um direito subjetivo de exigi-la. Essa exigência de caráter patrimonial (econômico) é o objeto da relação jurídica tributária, ou seja, o tributo.

O direito do Fisco em exigir tal prestação, conforme prevê o art. 3o do Código Tributário Nacional, decorre da autorização expressa pela Constituição Federal de

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1988 ao traçar as competências das pessoas políticas de direito público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), bem como os limites de tal competência, estabelecendo assim, nos princípios constitucionais tributários (legalidade, anterioridade, irretroatividade, isonomia ou igualdade, capacidade contributiva, não-confisco, etc.), além da imunidade.

A competência tributária é a ativida-de autorizada pela Constituição Federal de criação e edição de normas...

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