O processo constitucional no Brasil

AutorDimas Macedo
CargoMestre em Direito e Professor da Faculdade de Direito da UFC.
Páginas1-9

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Introdução

O Processo Constitucional no Brasil, durante muito tempo, não se fez um processo político, no sentido da manifestação da cidadania e da soberania popular, mas um processo institucional e burocrático, localizado no âmbito da máquina do Estado, apartado da sociedade civil, desvinculado das demandas de ordem social, frágil enquanto instância de opinião e de politização da legitimidade.

Daí as reviravoltas institucionais e históricas, daí os golpes de Estado, tais aqueles que fundaram o Império e a República, vez que a elite se digladiava não pela conquista do poder, mas pela posse da burocracia, do aparelho do Estado, pelo controle dos cargos e funções em que se mapeavam os espaços da administração e os nichos cartoriais que se mediam pelo uso indiscriminado da caneta e pelo manejo adequado das estruturas orgânicas e das vassalagens, ditadas pelas linhas de força dos caudilhos, como de resto na maioria dos países da América Latina.

A via prussiana de formação da patronagem política aí se achava conjugada com os chamados anéis burocráticos das esferas governamentais, disseminados entre todos os poderes do Estado.

A transição do Estado Liberal para o Estado Social, no Brasil, realizada ainda na década de 1930, se fez por políticas de substituição de uma camada da elite por outra camada da elite, sob a liderança de Getúlio Vargas, paradoxo de político e de estadista que projetou luzes sobre a cena social que já ameaçava bloquear os caminhos de acesso às estruturas orgânicas do Estado.

As Constituições em 1824, 1891, 1934 e 1937 tinham o gosto das constituições estamentais, dos monopactos que se faziam entre setores da elite, e das Cartas Constitucionais que se outorgavam, face à manipulação de mentes e vontades, por vias de um discurso normativo retórico e despolitizado.

Decisionismos não-assembleístas, decisionismos teológicos, tais os concebidos por Carl Schmith, tais a pureza metodológica da ciência do direito de cariz positivista, normativista e kelseniano, no sentido da sua retórica eivada de vazios e da sua não-Page 2aplicação por operadores do direito, agentes da burocracia e também pelo Poder Judiciário, que nunca dedicaram à Constituição leituras eficazes e consistentes, apesar dos esforços de constitucionalistas do porte de um Ruy Barbosa, durante os anos tormentosos de consolidação da Primeira República, que se estende de 1889 até a eclosão da Revolução de 1930.

Momentos tormentosos e difíceis, mas que, no rastro da afirmação de garantias jurídicas, nos deram a cultura do Habeas Corpus e a interpretação do seu cabimento e da sua acolhida a casos que se feriam para além da liberdade de locomoção, nascendo desse debate e desse processo constitucional bastante dinâmico e acirrado, as raízes históricas do Mandado de Segurança, garantia processual que depois viria a se firmar na Constituição de l934.

Mas as crises de natureza política que aí se feriam eram crises de ordem constituinte de variado leque. Crises constituintes, teorizadas na forma do pensamento de Paulo Bonavides, em diversos momentos da sua obra luminosa, e não crises constitucionais que o Brasil não conheceu até o momento em que a Sociedade e o Estado se abraçaram com o texto da Constituição de 1988.

A luta pela afirmação do Poder Constituinte, no Brasil, enquanto fundamento da soberania popular e expressão da legitimidade, pode ser observada na contribuição doutrinária de vários pensadores, como Caio Prado Júnior, Oliveira Viana, Raymundo Faoro e Alberto Torres, assim como na minha tese de mestrado – O Discurso Constituinte – Uma Abordagem Crítica ( 3ª ed.: Belo Horizonte, Editora Fórum, 2009); e, no que pertinente à luta de classes e aos conflitos estamentais, enquanto motores do processo político, a questão pode ser estudada em diversas fontes de pesquisa, merecendo tratamento teórico relevante no livro de Elizabeth Teixeira Rocha – O Processo Político no Brasil (Belo Horizonte, Editora Del Rey, 1999).

1 Lineamentos do processo constitucional

O Processo Constitucional, como sabemos, tem matriz substancialista, quando tomado o processo político a que me refiro na sua dimensão material; feição procedimentalista, quando a dinâmica constitucional se opera a partir da pragmática e da ação política de cariz democrático; e forma processual-jurisdicional, no sentido da sua concretização pelo aparato do Poder Judiciário, das Cortes Constitucionais e dos procedimentos jurídicos pertinentes ao devido processo legal, material ou formal, realizado no âmbito de qualquer dos poderes do Estado, no exercício das suas funções típicas ou atípicas.

Deve ser tomado aqui como certeza e argumento sólido o fato de que a Constituição, ainda que considerada a partir do seu viés material, tem uma dimensão indiscutivelmente processual, sendo essa dimensão aquela que mais lhe dá eficácia, face à flexibilidade oferecida pelo processo à concretização da dinâmica e dos objetivos da Constituição.

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Willis Santiago Guerra Filho, em livro pioneiro sobre o trato do assunto – Teoria Processual da Constituição (São Paulo, Celso Bastos Editor, 2000) –, mostranos os precisos contornos que cercam essa temática do direito público e ensina-nos também a pensar a Constituição e as suas linhas de sustentação a partir dessa abordagem filosófica.

No que tange ao processo político-constitucional brasileiro, cumpre registrar que, vencidas as fases do constitucionalismo liberal (1824-1934) e do constitucionalismo social (1934-1988), o Brasil tem vivenciado, de último, especialmente a partir da Constituição de 1988, a fase do constitucionalismo democrático, albergado por um modelo de Estado de Direito que aponta para o funcionamento das...

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