Processo do trabalho e direito digital: entre as novas tecnologias e a necessidade de efetivação dos direitos sociais

AutorJoão Theotonio Mendes de Almeida Junior e Marcos Dias de Castro
Ocupação do AutorDoutor em Ciência Política pelo IUPERJ. Bacharel e Mestre em Direito pela UCAM/RJ. Advogado. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) onde além de Procurador, é Membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa, Membro da Comissão de Direito do Trabalho, Membro da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência e Membro Permanente...
Páginas63-94
PROCESSO DO TRABALHO
E DIREITO DIGITAL: ENTRE AS NOVAS
TECNOLOGIAS E A NECESSIDADE DE
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
João Theotonio Mendes de Almeida Junior*
Marcos Dias de Castro**
Sumário: Introdução – 1. Futuro do direito processual do trabalho: retorno ao direito processual
civil? – 2. Audiências telepresenciais; 2.1 Conceito e evolução histórica; 2.2 Vantagens e dilemas
processuais das audiências telepresenciais – 3. Balcão virtual – 4. Provas digitais; 4.1 Conceito
e natureza jurídica; 4.2 Limites e admissibilidade no direito processual do trabalho – 5. Juízo
100% digital e o futuro dos tribunais trabalhistas – 6. Competência territorial e justiça digital:
ainda faz sentido o art. 651 da CLT?; 6.1 A regra geral da competência territorial trabalhista; 6.2
A competência territorial para demandas de agentes ou viajantes comerciais; 6.3 A competên-
cia territorial para demandas de trabalhadores que prestaram serviços no exterior; 6.4 O § 3º
do artigo 651 da CLT e os degraus de exibilização da competência territorial trabalhista; 6.5
Justiça digital e competência territorial: por um novo paradigma – 7. Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
A necessidade de repensar o Poder Judiciário na seara trabalhista pode ser
explicada a partir de várias circunstâncias fáticas que impactaram diretamente o
direito material e o direito processual do trabalho. Em primeiro lugar, as últimas
décadas revelaram uma verdadeira explosão de litigiosidade, que tem suas razões
ncadas tanto na edição da Constituição de 1988, que ampliou o rol de direitos
sociais, mas também com a expansão do acesso à justiça1 em todos os seus níveis.
* Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ. Bacharel e Mestre em Direito pela UCAM/RJ. Advogado.
Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) onde além de Procurador, é Membro da Co-
missão de Direito e Liberdade Religiosa, Membro da Comissão de Direito do Trabalho, Membro da
Comissão de Defesa das Pessoas com Deciência e Membro Permanente da Comissão Admissão de
Sócios. Membro da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro.
** Mestrando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Juiz
do Trabalho titular da 18ª Vara do Trabalho do TRT da 1ª Região.
1. CAPPELETTI, Mauro e GARTH, Bryant, Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northeet. Porto Alegre.
1991, já mencionavam a diculdade sistêmica a nível mundial que a explosão de litigiosidade, amparada
pela ampliação do acesso à justiça, traria ao Poder Judiciário.
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Por outro lado, os tribunais trabalhistas revelaram extrema diculdade na
prestação jurisdicional diante da avalanche de processos que complexicaram a
atuação dos juízes em dois níveis: a) em nível de gestão processual produtiva, vale
dizer, na necessidade de produzir decisões do ponto de vista quantitativo que não
transformasse o acesso à justiça em mera promessa constitucional sem concretude;
b) em nível de gestão processual cognitiva, eis que em todas as searas os processos
se revelaram cada vez mais complexos, exigindo a contemplação de variadas e
imbricadas questões jurídicas que em muitas hipóteses, não alcançaram o esmero
necessário que se espera do Judiciário, sobretudo nos tribunais superiores.
Um segundo aspecto que acelerou a discussão sobre a necessidade de novas
regras processuais foi a pandemia de SARS-COVID 19. De uma hora para outra,
também o Judiciário se encontrou diante do desao de manter ininterrupta a
jurisdição, para preservar o direito à vida e do acesso à justiça. De se notar que a
Justiça do Trabalho, em especial, deve zelar pela duração razoável do processo
(artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição), porém, ao mesmo tempo, deve atuar
de forma que o valor social do trabalho alcance, de fato, o patamar de fundamento
da República.
O Direito, enquanto norma ética, destinada a reger a vida em sociedade, deve
sempre acompanhar o marchar das novas tecnologias. Há consenso que vivemos
em meio ao que se denomina Quarta Revolução Industrial, caracterizada pela
integração entre os “mundos” físico, biológico e digital,2 que passam a ganhar certa
uidez entre si, como arma Klaus Schwab. Neste contexto, as novas gerações já
não veem muito sentido na distinção entre físico e digital, já que todas as esferas
da vida interagem entre si e se afetam mutuamente, exigindo também de todos
os que atuam no mundo jurídico uma nova mentalidade, um novo “mindset, o
pensar digital.
Neste contexto, o Judiciário experimenta uma nova onda de acesso à justiça.
Iniciativas como o processo eletrônico (implementado pela Lei 11.419/2006), as
audiências telepresenciais (trazidas à lume pelo CPC de 2015 e regulamentadas
pela Resolução 314 do CNJ), Balcão Virtual (Resolução 372 de 2021 do CNJ),
Justiça 100% Digital (Resolução 345 de 2020 do CNJ) e uso da inteligência articial
(Resolução 332 de 2020 do CNJ e Portaria 217 de 2020 do CNJ), levarão a Justiça
no Brasil a uma nova formatação, que exigirá dos magistrados, dos servidores e
dos advogados novas habilidades e formação não muito familiares a estes seg-
mentos prossionais.
2. Podemos citar como exemplos, uma smart TV (física) com acesso à internet (digital). Ou relógio inte-
ligente (físico), com acesso à internet e que permita geolocalização de seu proprietário, monitorando
exercícios físicos e a qualidade do seu sono etc.
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PROCESSO DO TRABALHO E DIREITO DIGITAL
Registre-se também que a pandemia de SARS-COVID19 reintroduziu a
questão da aplicabilidade do Código de Processo Civil na seara trabalhista. Em
especial o Ato 11 de 2020, exarado pela Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho,
permitiu o uso emergencial na fase postulatória trabalhista, das normas proces-
suais civis, com citação e manifestação em cartório, sem a prática da audiência
obrigatória a que aludem os artigos 825, 845 e 852-H da CLT. Ao mesmo tempo,
muitas regras previstas na execução civil, começam a ser utilizadas no âmbito
trabalhista com a chancela jurisprudencial, mesmo diante de expressa previsão em
sentido contrário na CLT. Cite-se, à guisa de exemplo, a possibilidade pagamento
parcelado do lance em arrematação, previsto no artigo 895 do CPC.3 Será que uma
tendência do futuro para a Justiça do Trabalho incluirá uma maior aproximação
das regras que regem o direito processual civil?
O presente ensaio tem o objetivo de analisar as questões que se impõem para
o futuro das regras de direito processual do trabalho, seus limites, possibilidades
e oportunidades para que este importante órgão do Poder Judiciário cumpra sua
missão constitucional. Levará em conta, por igual, as principais inovações no
mundo digital e suas repercussões na seara processual laboral. Iniciemos, contudo,
com uma questão ainda imperativa e fundamental: deve o direito processual do
trabalho retornar ao seio do direito processual civil, abandonando sua autonomia
cientíca conquistada ao longo dos últimos 80 anos?
1. FUTURO DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO: RETORNO AO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL?
Desde a sua origem, o direito processual do trabalho sempre se notabilizou
pela busca de uma duração razoável dos processos, cônscio de que a lide trabalhista,
por envolver invariavelmente verbas de natureza alimentar, não poderia ter sua
solução comprometida por questões que lhe fossem externas. Esta foi a razão do
disposto no artigo 31 do Decreto 1.237 de 1939, que organizou e estruturou a Jus-
tiça do Trabalho no Brasil, conferir aos magistrados trabalhistas ampla liberdade
na direção do processo para velar “pelo andamento rápido” das causas.4 O maior
poder instrutório conferido ao Juiz ia ao encontro da necessidade de regras mais
ecientes e ecazes para o recém-nascido ramo do Direito Processual, mormente
diante da constatação que o Código de Processo Civil de 1939 era, em muitos
sentidos, uma repetição da formalidade excessiva do Regulamento 737 de 1850,
expressamente indesejada para a resolução de conitos trabalhistas.
3. A prática contraria o disposto no artigo 888 e parágrafos da CLT, onde há procedimento especíco e
contrário àquele previsto na legislação processual civil.
4. A redação do ainda vigente artigo 765 da CLT repete, quase integralmente, a norma mencionada.
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