O Processo do Trabalho e o Princípio Protetor

AutorMauro Schiavi
Páginas472-479

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1. Conceito e finalidades do direito processual do trabalho

Não há consenso na doutrina sobre o que seja conflito, mas este é inerente à condição humana, principalmente em razão da escassez de bens existentes na sociedade e das inúmeras necessidades do ser humano.

O direito do trabalho, como é marcado por grande eletricidade social, uma vez que está por demais arraigado na vida das pessoas e sofre de forma direta os impactos das mudanças sociais e da economia, é um local fértil para eclosão dos mais variados conflitos de interesse.

Os conflitos trabalhistas podem eclodir tanto na esfera individual como na esfera coletiva.

Na esfera individual, há o chamado conflito entre patrão e empregado, individualmente considerados, ou entre prestador e tomador de serviços, tendo por objeto o descumprimento de uma norma positivada, seja pela lei ou pelo contrato.

Já o conflito coletivo trabalhista, também denominado de conflito de grupo, de classes ou de categorias, tem por objeto não somente o descumprimento de normas positivadas já existentes (conflito jurídico ou de natureza declaratória, ou violação a interesses trabalhistas de feição coletiva - direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), mas também a criação de novas normas de regulamentação da relação de trabalho (conflitos de natureza econômica).

Na esfera processual, o conflito surge quando ocorre uma pretensão resistida, o que Carnelutti denominou de lide. Por seu turno, segundo este consagrado processualista, pretensão é a exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio.

Processo significa "marcha avante", caminhada, do latim procedere - seguir adiante.

O processo é indispensável à função jurisdicional. É definido pela doutrina como o instrumento por meio do qual a jurisdição opera (instrumento de positivação do poder). Por outras palavras, é o instrumento pelo qual o Estado exerce a jurisdição.

O processo é o meio de solução dos conflitos e o instrumento público, previsto em lei, por meio do qual o Estado exerce a jurisdição, dirimindo conflito de interesses, aplicando o direito ao caso concreto, dando a cada um o que é seu por direito, e impondo coercitivamente o cumprimento da decisão. O procedimento é o aspecto extrínseco (exterior) do processo pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina. É o caminho percorrido pelo processo (conjunto de atos sucessivos), a forma pela qual o processo se exterioriza.

O objeto da relação jurídica processual é uma decisão de mérito (prestação jurisdicional) que entregue ao autor o bem que constitui o objeto da relação jurídica de direito material controvertida (pagamento de horas extras etc.) ou determine que o réu faça (reintegração no emprego) ou deixe de fazer alguma coisa (abstenha-se de dispensar o empregado estável). Por isso se diz que o objeto primário da relação jurídica processual é a decisão e o objeto secundário é a pretensão posta em juízo (bem da vida postulado na expressão de Dinamarco).

Não há uma definição uniforme na doutrina sobre o direito processual do trabalho. Entretanto, a maioria dos estudiosos procura destacar nas definições, os princípios, as instituições e a finalidade do processo trabalhista.

Para nós, o direito processual do trabalho conceitua-se como o conjunto de princípios, normas e instituições que regem a atividade da justiça do trabalho, com o objetivo de dar efetividade à legislação trabalhista e social, assegurar o acesso do trabalhador à justiça e dirimir, com justiça, o conflito trabalhista.

Da definição adotada, pontuamos:

(a) o conjunto nos dá a ideia de um todo, composto de várias partes, formando um sistema, cujo núcleo é constituído pelos princípios;

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(b) como ciência autônoma, o direito processual do trabalho apresenta seus princípios peculiares que lhe dão sentido e razão de ser. Os princípios são as diretrizes básicas, positivadas, ou não, que norteiam a aplicação do direito processual do trabalho;

(c) as normas são condutas processuais que dizem o que deve ser e o que não deve ser positivadas no sistema jurídico pela lei, pelo costume, pela jurisprudência ou pelos próprios princípios (caráter normativo dos princípios);

(d) as instituições são entidades reconhecidas pelo direito encarregadas de aplicar e materializar o cumprimento do direito processual do trabalho. Constituem os órgãos que aplicam o direito do trabalho, como os tribunais e juízes do trabalho;

(e) o direito processual do trabalho, como direito instrumental, existe para dar efetividade ao direito material do trabalho e também para facilitar o acesso do trabalhador ao judiciário.

Além disso, o direito processual do trabalho tem por objetivo solucionar, com justiça, o conflito trabalhista, tanto o individual (empregado e empregador, ou prestador de serviços e tomador), como o conflito coletivo (do grupo, da categoria, e das classes profissional e econômica).

Desde o surgimento dos primeiros órgãos de solução dos conflitos trabalhistas, na Itália e na França, houve preocupação em propiciar ao trabalhador facilidade na defesa de seus direitos, sem a burocracia da justiça comum.

A legislação processual trabalhista visa a impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista, mas também da legislação social que não se ocupa só do trabalho subordinado, mas do trabalhador, ainda que não tenha um vínculo de emprego, mas que vive de seu próprio trabalho. Nesse sentido foi a dilatação da competência material da justiça do trabalho dada pela EC n. 45/2004 para abranger as controvérsias oriundas e decorrentes da relação de trabalho.

Assim como o direito do trabalho visa à proteção do trabalhador e à melhoria de sua condição social (art. 7º, caput, da CF), o direito processual do trabalho tem sua razão de existência em propiciar o acesso dos trabalhadores à justiça, visando a garantir os valores sociais do trabalho, a composição justa do conflito trabalhista, bem como resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

De outro lado, a função do processo do trabalho, na modernidade, é pacificar, com justiça, o conflito trabalhista, devendo considerar as circunstâncias do caso concreto e também os direitos fundamentais do empregador ou do tomador de serviços.

O direito processual do trabalho tem os seguintes objetivos:

(a) assegurar o acesso do trabalhador à justiça do trabalho;

(b) impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista e social;

(c) dirimir, com justiça, o conflito trabalhista.

2. A questão da autonomia científica do direito processual do trabalho

Há acirradas discussões na doutrina nacional e estrangeira sobre a autonomia do direito processual do trabalho em face do direito processual comum e até mesmo em face do direito do trabalho.

Segundo a doutrina para se afirmar a autonomia de determinado ramo do direito é necessário avaliar se há princípios próprios que lhe sistematizam e lhe dão coerência, uma legislação específica, um razoável número de estudos doutrinários a respeito e um objeto de estudo próprio.

O direito processual do trabalho, por pertencer à ciência processual, deve seguir os princípios e institutos da ciência processual, principalmente do processo civil de quem é mais próximo, a exemplo dos princípios da inércia, da instrumentalidade das formas, oralidade, impulso oficial, eventualidade, preclusão, conciliação e economia processual.

Historicamente, no Brasil, antes da existência da justiça do trabalho, eram os juízes da justiça comum quem dirimiam os conflitos trabalhistas.

Essa tendência é observada até hoje, vide o art. 112 da CF1, que atribui aos juízes de direito, competência para dirimir controvérsias trabalhistas nas localidades onde não há varas trabalhistas.

De outro lado, todos os princípios constitucionais do processo, a exemplo do acesso à justiça, contraditório, vedação da prova obtida por meios ilícitos, duração razoável do processo etc. obrigatoriamente devem ser observados por todos os ramos da ciência processual e do trabalho.

O processo trabalhista também sofre influência do direito material do trabalho, pois este é sua razão de existir. Nesse sentido é a posição de Trueba Urbina: "Tanto as normas substantivas como as processuais são essencialmente protecionistas e tutelares dos trabalhadores"2.

Para Couture, o primeiro princípio fundamental do processo trabalhista é relativo ao fim a que se propõe, como "procedimento lógico de corrigir as desigualdades" criando outras desigualdades. O direito processual do trabalho é

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elaborado totalmente com o propósito de evitar que o litigante mais poderoso possa desviar e entorpecer os fins da justiça3.

Em doutrina há duas posições dominantes sobre a autonomia do direito processual do trabalho, quais sejam:

(a) monistas, que defendem a ausência de autonomia do direito processual do trabalho, argumentando que ele tem os mesmos princípios do direito processual comum;

(b) dualistas, que reconhecem a autonomia do direito processual do trabalho;

(c) mistos, que defendem a autonomia relativa do direito processual do trabalho.

É difícil tomar uma postura diante de tão controvertido tema. Ambas as correntes são muito bem fundamentas e sustentadas por juristas de grande prestígio intelectual.

Embora o direito processual do trabalho, hoje, esteja mais próximo do direito processual civil e sofra os impactos dos princípios constitucionais do processo, não há como se deixar de reconhecer alguns princípios peculiares do direito processual do trabalho os quais lhe dão autonomia e o distinguem do direito processual comum.

De outro lado, embora alguns princípios do direito material do trabalho, tais como primazia da realidade, razoabilidade, boa-fé, sejam aplicáveis também ao direito processual do...

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