Processo penal: Arquivamento do IP e as regras da Lei 13.964/19

AutorJacinto Nelson de Miranda Coutinho
CargoProfessor titular de direito processual penal da UFPR
Páginas52-67
52 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 665 I AGO/SET 2020
DOUTRINA JURÍDICA
Jacinto Nelson de Miranda CoutinhoPROFESSOR TTULAR DE DRETO PROCESSUAL PENAL
DA UFPR
ARQUIVAmento do ip e as
regras da lei 13.964/19
I
O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL É
DECISÃO CAUTELAR E NA LEI 13.964/19 É DECISÃO
ADMINISTRATIVA
1. ESTRUTURA DO ARQUIVAMENTO1
Em um sistema processual penal como
o brasileiro, em que a persecução penal
está dividida em duas fases, a primeira
administrativa e a segunda jurisdicio-
nal, o tema referente ao arquivamento e
desarquivamento do inquérito policial assume
especial relevância.
Na primeira fase da persecução penal, em
geral realizada por meio de inquérito policial,
o objetivo fundamental é recolher os elemen-
tos necessários (conhecimento) a fim de que
sejam preenchidas as condições da ação, pro-
piciando o exercício dela (ação) pela acusação,
seja o Ministério Público nas ações públicas,
seja o ofendido ou seu representante legal nas
ações de iniciativa privada, sempre visando
um juízo de admissibilidade positivo. A ques-
tão do arquivamento e desarquivamento do
inquérito policial, portanto, está vinculada às
condições da ação e ao conhecimento (que ex-
plicite o crime)2 produzido no procedimento
preliminar.
Concluído o inquérito policial, a autoridade,
após elaborar relatório3, envia os autos ao juízo
competente (art. 10, § 1º, do ). É necessário
observar, desde logo, que “a autoridade policial
não poderá mandar arquivar autos de inquérito”,
conforme dispõe o art. 17 do . Esse é um ato
que no sistema do  cabe, com exclusividade,
ao juiz, após manifestação do Ministério Público.
Assim, chegando ao juízo os autos de inqué-
rito policial, nos crimes de ação penal pública
determina o juiz que sejam remetidos ao , ti-
tular da ação, e esse pode seguir um entre três
caminhos: a) entender que se encontram preen-
chidas as condições da ação e, com isso, oferecer
denúncia; b) entender que a prova do inquéri-
to policial não é suficiente para o exercício da
ação penal e, desse modo, requerer a baixa, o
retorno dos autos à autoridade policial, a fim de
que novas diligências sejam efetuadas, visando
recolher os elementos faltantes, muito embora
esse requerimento só seja admitido se realmen-
te as novas diligências forem imprescindíveis
ao oferecimento da denúncia (art. 16 do ); c)
entender que não estão presentes as condições
da ação e, em sendo inalcançáveis, por ora, com
novas diligências, requerer o arquivamento do
inquérito policial.
Como antes anotado4, as condições da ação,
no processo penal brasileiro, assumem uma po-
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sição particular – embora exista uma grande
discussão na doutrina –, em razão das regras do
antigo art. 435 do  (inexplicavelmente revo-
gado, sem que nada se tenha colocado no lugar
pela reforma de 2008, conforme a Lei 11.719/08)6,
e art. 187 do . Desse modo, o fundamento do
pedido de arquivamento pelo  e do ato do
juiz determinando-o está vinculado: ou à falta,
pelo menos aparente, de adequação típica do
fato objeto de reconstrução no inquérito poli-
cial (antigo art. 43, I, do ); ou à falta de justa
causa (antigo art. 43, , 2ª parte, combinado
com o art. 18, ambos do ), isto é, falta de pro-
va do fato (materialidade do delito) e indícios
de autoria8.
A legitimidade para agir (antigo art. 43, , 1ª
parte, do ), embora seja uma das condições
para se ter ação penal, não é fundamento para
o arquivamento do inquérito policial já que,
ao rejeitar a denúncia ou a queixa em razão
da falta desta condição, o juiz não determina
o arquivamento, mas sim que se manifeste a
parte legítima () ou que se aguarde a mani-
festação da parte legítima (art. 19 do ), in-
clusive quando o  oferece indevidamente a
denúncia em caso de ação penal de iniciativa
privada.
De sua parte, em relação ao arquivamento
do inquérito policial, a ação penal de iniciativa
privada assume características próprias, pela
forma como vem imposta. Rege a matéria o art.
19 do , traçando as linhas mestras: “nos cri-
mes em que não couber a ação pública, os autos
do inquérito serão remetidos ao juízo compe-
tente, onde aguardarão a iniciativa do ofen-
dido ou de seu representante legal, ou serão
entregues ao requerente, se o pedir, mediante
traslado”9.
Ora, presentes os autos em juízo e presen-
tes as condições da ação, a parte ofendida ou
seu representante legal, se for o caso, pode-
rá oferecer queixa. Caso não o faça (não se
pode esquecer que prevalece aqui o princípio
da oportunidade), caberá, dado o decurso do
prazo, uma decisão sobre a questão. E essa
ocorrerá sob o fundamento da falta de puni-
bilidade concreta (antigo art. 43, , do ), já
que, nessa modalidade de ação, o prazo para o
exercício dela, sob pena de decadência (art. 107,
, do ), contado do dia em que o ofendido ou
seu representante legal vier a saber quem é o
autor do crime (art. 38, do ), é de seis me-
ses. Notar, não obstante, que a determinação
do arquivamento, no caso, é sucessiva a uma
decisão de mérito10, isto é, aquela que declara
extinta a punibilidade.
Pode, também, o ofendido ou seu represen-
tante legal manifestar-se no sentido do arqui-
vamento, mas tal pedido equivale à renúncia,
levando o juiz a declarar a extinção da puni-
bilidade, com base no art. 107, , do . Estar-
-se-á, mais uma vez, diante de uma decisão
de mérito, à qual sucederá a determinação do
arquivamento, que tem uma estrutura diver-
sa daquela vera e própria decisão de arquiva-
mento.
Por uma questão de coerência, então, o mes-
mo deve ser referido quando se tratar de ação
penal pública e estiver extinta a punibilidade,
pela prescrição ou por outra causa. Nesse caso,
o  não requer propriamente o arquivamento
do inquérito policial, mas a declaração da extin-
ção da punibilidade, que o juiz, se for o caso, de-
clara com uma decisão de mérito12.
São, portanto, duas situações distintas: a
decisão de arquivamento e a decisão de mérito
seguida da determinação do arquivamento, isto
é, a determinação de um ato meramente buro-
crático de conservação dos autos dos processos
terminados.
Assim, nos casos de ação penal de iniciati-
va privada, o arquivamento propriamente dito
pode aparecer, mas tão só naquelas hipóteses
onde o querelante vê, em relação à queixa inter-
posta, um juízo de admissibilidade negativo, seja
por falta da condição da ação que diga com a ti-
É necessário observar, desde logo, que a autoridade policial não poderá
mandar arquivar autos de inquéri to, conforme dispõe o art. 17 do CPP
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