Processos emancipatórios de mulheres sob uma óptica laico-republicana. Inter-relações entre laicidade e direitos reprodutivos

AutorJoão Martins Bertaso, Bianca Strücker, Noli Bernardo Hahn
CargoUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santo Ângelo, RS, Brasil/Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santo Ângelo, RS, Brasil/Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Santo Ângelo, RS, Brasil
Páginas217-235
PROCESSOS EMANCIPATÓRIOS DE MULHERES SOB UMA
ÓPTICA LAICO-REPUBLICANA: INTER-RELAÇÕES ENTRE
LAICIDADE E DIREITOS REPRODUTIVOS
WOMEN’S EMANCIPATION PROCESSES FROM A LAICO-REPUBLICAN
VIEWPOINT: INTER-RELATIONSHIPS BETWEEN LAICITY AND
REPRODUCTIVE RIGHTS
João Martins BertasoI
Bianca StrückerII
Noli Bernardo HahnIII
Resumo: O tema central que se delimita a este artigo é inter-
relações entre laicidade, direitos reprodutivos e processos
de emancipação de mulheres. Tem-se como objetivo
geral investigar a seguinte questão de pesquisa: como
conceber, numa perspectiva laico-republicana, processos
de emancipação de mulheres no que tange aos direitos
reprodutivos? Desenvolve-se a pesquisa dentro de uma
abordagem epistêmica e metodológica complexo-paradoxal,
a fim de demonstrar a complexidade dos processos de
emancipação feminina em perspectiva laico-republicana
e inter-relações entre laicidade e direitos reprodutivos para
a afirmação de processos de emancipação de mulheres.
Conclui-se no sentido de um fugar das verdades objetivas
para pensar processos de emancipação feminina a partir da
teoria da complexidade e pensamento não-totalizante, isto é,
o Outro como abertura e pluralidade.
Palavras-chave: Emancipação. Mulheres. Direitos
Reprodutivos. Laicidade. Complexidade.
Abstract: e central theme that delimits this article is the
interrelationships between laicity, reproductive rights and
women’s emancipation processes. e general objective is to
investigate the following research question: how to conceive,
from a laic-republican perspective, processes of women’s
emancipation with regard to reproductive rights? e
research is developed within a complex-paradoxical epistemic
and methodological approach, in order to demonstrate
the complexity of female emancipation processes in a laic-
republican perspective and interrelationships between laicity
and reproductive rights for the affirmation of women’s
emancipation processes. It concludes in the sense of an
escape from objective truths to think about processes of
female emancipation from the theory of complexity and non-
totalizing thinking, that is, the Other as openness and plurality.
Keywords: Emancipation. Women. Reproductive Rights.
Laicity. Complexity.
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i42.844
Recebido em: 24.06.2022
Aceito em: 28.08.2022
I Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões, Santo
Ângelo, RS, Brasil. Pós-Doutor em
Direito. E-mail: jmb@san.uri.br
II Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões, Santo
Ângelo, RS, Brasil. Doutora em Direito.
E-mail: biancastrucker@hotmail.com
III Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões, Santo
Ângelo, RS, Brasil. Pós-Doutor em
Teologia. E-mail: nolihahn@san.uri.br
218 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 17 | n. 42 | p. 217-235 | maio/agos. 2022
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v17i42.844
Considerações iniciais
Inter-relacionar laicidade e direitos reprodutivos é a temática deste artigo, que carrega
em cada expressão significado em si e no contexto da reflexão. O prefixo inter é utilizado
pautado a partir das teorias de base, especialmente na teoria da complexidade de Edgar Morin.
A fuga do pensamento simplista e calculador está denotada nesta expressão e direciona para
uma das teorias de base que percorre toda a pesquisa: a complexidade enquanto metodologia,
ontologia e epistemologia. Relaciona-se todo um conjunto epistemológico que enxerga o ser na
sua existência não isolada, mas como sujeito relacional, ligado ao Outro. O aporte teórico, neste
sentido, fundamenta-se em autores, como Warat, Levinas, Touraine, Vattimo, dentre outros.
Os direitos reprodutivos, nesta direção, compreendem o direito básico de o sujeito
decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e o desejo de ter filhos/as e
de possuir as informações e os meios para assim o fazer, perseguindo alcançar um padrão digno
de saúde sexual e reprodutiva. A proposta inclui o direito individual de mulheres e homens
em decidir sobre se querem, ou não, ter filhos/as, em que momento de suas vidas e quantos/as
filhos/as desejam ter; de tomar decisões sobre a reprodução livre de discriminação, coerção ou
violência; de homens e mulheres participarem com iguais responsabilidades na criação dos/as
filhos/as; serviço de saúde pública de qualidade e acessível, durante todas as etapas da vida, bem
como acesso a adoção ou tratamento para a infertilidade.
Já a categoria laicidade, na proposta de Blancarte (2008), é definida como um regime
social de convivência, cujas instituições políticas estão legitimadas principalmente pela soberania
popular e já não mais por elementos religiosos. Não obstante, denota-se laicidade como um
elemento central de repúblicas1, pois a soberania passa a ser popular, de todos, e não mais
proveniente do sagrado. Mas, para além de uma definição de laicidade centralizada na ideia de
transição entre uma legitimidade outorgada pelo sagrado e uma forma de autoridade proveniente
do povo, entende-se que a laicidade, assim como a democracia, é mais um processo que uma
forma fixa ou acabada em forma definitiva. Isto é, não se pode afirmar que uma sociedade é total
e definitivamente laica.
Tomando o contexto e os efeitos dos direitos reprodutivos no Brasil, a pergunta central
desta pesquisa é: como conceber, numa perspectiva laico-republicana, processos de emancipação
de mulheres no que tange aos direitos reprodutivos? Neste sentido, ainda que o Brasil seja
formalmente laico, enquanto princípio republicano e constitucional necessita de constante
afirmação, como em uma queda de braços, em que não se pode relaxar sob o perigo de “perder”
o jogo. Assim se dá a afirmação da laicidade enquanto princípio: precisa ser constantemente
reafirmada, reelaborada e inserida no contexto republicano e democrático brasileiro. A religião,
em suas mais diversas formas de expressões, faz parte da cultura brasileira, mas, ainda hoje,
permeia com mais ou menos poder – a depender do momento histórico – os espaços públicos
e Estatais. Entretanto, ainda que o Estado Republicano tenha buscado libertar2 o indivíduo,
acentuando as discussões em torno da subjetividade, o corpo da mulher permaneceu controlado
1 Ao mencionar repúblicas, utiliza-se da noção moderna e contemporânea. Embora não seja pertinente para esta
pesquisa, importante salientar a existência de repúblicas desde a Roma antiga, que durou cerca de 500 anos, de
509 a.C. a 27 a.C.
2 A expressão faz alusão aos ideais da Revolução Francesa, “igualdade, liberdade e fraternidade”. Embora não se
possa afirmar que o Estado republicano liberta alguém, este foi um slogan das repúblicas ocidentais.

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