Produção do espaço urbano e luta por direito à moradia digna e direito à cidade: etnografia de uma mulher do Nordeste em São Paulo

AutorLarissa de Alcantara Viana
CargoDoutora (2020) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP)
Páginas1303-1357
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Rev. Dir. Cid., Rio de Janeiro, Vol. 14, N.02., 2022, p. 1303 -1357.
Larissa de Alcantara Viana
DOI: 10.12957/rdc.2022.55290| ISSN 2317-7721
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E LUTA POR DIREITO À MORADIA DIGNA E DIREITO À CIDADE:
ETNOGRAFIA DE UMA MULHER DO NORDESTE EM SÃO PAULO
The Production of Urban Space and the Fight for the Right to Decent Housing and the Right to the
City: An Ethnography of a Woman from the Northeast of Brazil in São Paulo
Larissa de Alcantara Viana
Universidade São Francisco, Bragança Paulista, SP, Brasil
Lattes:http://lattes.cnpq.br/3779893234583968 ORCID:http://orcid.org/0000 -0002-6111-9043
E-mail:larissa.aviana@gmail.com
Trabalho enviado em 30 de setembro de 2020 e aceito em 23 de agosto de 2021
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International Licens e.
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Rev. Dir. Cid., Rio de Janeiro, Vol. 14, N.02., 2022, p. 1303 -1357.
Larissa de Alcantara Viana
DOI: 10.12957/rdc.2022.55290| ISSN 2317-7721
RESUMO
Este artigo aborda os nexos estabelecidos no processo de produção social do espaço contemporâneo entre
a luta por moradia e por direito à cidade de fração precarizada da classe trabalhadora e a constituição do
protagonismo feminino nessa luta. Parte-se de um estudo de caso realizado a partir de abordagem
etnográfica na ocupação São João-588, no centro de São Paulo, enquanto processo de autoconstrução
aqui expresso por derivação conceitual pelo termo de autorreabilitação que conformam parte expressiva
da provisão de habitação da e para a classe trabalhadora. A estrutura que sustenta este artigo é resultado
da confrontação entre os dados de realidade que se depreendem do trabalho de campo com o referencial
teórico inicial e o demandado pela própria interposição da realidade. Assim, o objetivo desta pesquisa é
a partir do percurso teórico, metodológico e de campo , desvelar aspectos da produção do espaço urbano
contemporâneo realizado na ocupação São João-588 enquanto lutas coletivas cotidianas pelo direito à
cidade. Ao buscar apreender os nexos socioespaciais destes espaços, a máxima da dialética do espaço, de
que os grupos sociais produzem o espaço e são por ele produzidos, se revela em sua especificidade.
Palavras-chave: 1. deslocamento; 2. direito à cidade; 3. luta coletiva; 4. ocupação; 5. trajetória de vida
ABSTRACT
This article sets out the connections established between the struggle of the most precarious fraction of
the working class for housing and for the right to the city and the constitution of the feminine fight as a
protagonist, inserted in the social process of production of contemporary urban space. The work is based
on a case study carried out at the São João-588 squatter, in the downtown of the city of São Paulo, as an
example of a process of self-construction - term used as a conceptual derivation of the term self-renovation
- which consists an expressive part of the provision of housing to and from the working class. The structure
that sustains this article is the result of the confrontation between the inferred data of real facts obtained
from the fieldwork with the initial theoretical reference and the one demanded by the very interposition of
reality. Thus, the objective of the present study - from the theoretical, methodological and empirical paths
- is to unveil the aspects of the production of contemporary urban space observed in the squatter São João-
588 as everyday collective struggles for the right to the city. In seeking to apprehend the social-spatial nexus
of such spaces, the maxim of the dialectics of space - that social groups produce the space and are produced
by it - is revealed in its specificity.
Keywords: 1. Displacement; 2. Right to the city; 3. Collective struggle; 4. Squatter; 5. Life trajectory
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Rev. Dir. Cid., Rio de Janeiro, Vol. 14, N.02., 2022, p. 1303 -1357.
Larissa de Alcantara Viana
DOI: 10.12957/rdc.2022.55290| ISSN 2317-7721
1. INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma perspectiva de compreensão da produção do espaço urbano na
maior metrópole da América Latina, São Paulo, a partir da concretude do cotidiano amparada na
trajetória de vida de uma mulher nascida na cidade de Imperatriz, estado do Maranhão, na região
Nordeste e que ao chegar na cidade de São Paulo, na década de 1990, se insere na luta pelo direito à
moradia que, posteriormente, se amplia para a luta pelo direito à cidade.
Para trabalhar com a questão das trajetórias, me debrucei sobre um método descrito por
Alonso (2016) como “reconstrução de trajetórias individuais”. Para a autora, a reconstrução das
trajetórias individuais “consiste em acessar informações por meio da reconstrução das experiências
dos indivíduos, seja a partir de seus próprios relatos, seja por outros meios” (ALONSO, 2016, p. 12) e
ainda “a coleta de narrativas dos membros da vida social sobre suas próprias experiências” (ALONSO,
2016, p. 12).
A estrutura que sustenta este artigo é resultado da confrontação entre os dados de realidade
que se depreendem do trabalho de campo com o referencial teórico inicial e o demandado pela própria
interposição da realidade. Realizei a pesquisa de campo durante dois anos (2018 2020) na ocupação
São João-588, um edifício no centro da cidade, antigo hotel construído na década de 1920, ao lado do
famoso cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, fechado e abandonado há quase vinte anos
quando foi ocupado em 2010 pelo Movimento Sem-Teto pela Reforma Urbana (MSTRU). A realização
do trabalho de campo foi ancorada na abordagem etnográfica. Para Rizek (2013), a pesquisa
etnográfica
[...] busca compreender as práticas e a experiência da cidade em sua
multiplicidade [...] Dessa perspectiva, perscrutar as várias dimensões de um
fazer, de um conjunto de práticas, de um conjunto de relações é muito mais do
que compreender apenas (apenas?) representações. Ainda assim, é preciso
também apreender, pesquisar, coletar e interpretar representações, dimensões
simbólicas, expressões estéticas que possam apontar consensos e dissensos,
dimensões que permitam entrever vínculos e relações entre estética (apreensão
e percepção do mundo sensível) e política, entrever formas de disputa em torno
das leituras do mundo, da cidade, da produção estética. Dessa perspectiva, é
possível pensar a pesquisa etnográfica como um caminho fértil para
compreender a produção o fazer, relações, práticas, horizontes e modos de
recepção das dimensões urbanas e de seus sentidos (RIZEK, 2013, p. 19 e 20).
Com essa perspectiva, busquei apreender essa multiplicidade de experiências vividas no
cotidiano, amparada, também, por um conjunto de referências bibliográficas que discute movimentos
de moradia e suas estratégias de ação.

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