Princípio da Proporcionalidade para Além da Coisa Julgada

AutorMaria Berenice Dias
CargoDesembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Páginas8-10

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Diz a Lei de Alimentos (LA), no art. 15, com todas as letras: "A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado [...]". Essa assertiva legal foi amplamente contestada pela doutrina, consolidando-se o entendimento de que as sentenças proferidas em ações de alimentos, como quaisquer outras sentenças, possam ter sua eficácia limitada no tempo, quando fatos supervenientes alterem os dados da equação nela traduzida1. De nenhuma particularidade especial se reveste a sentença alimentária quanto à coisa julgada2. Essa orientação acabou sendo aceita pela jurisprudência, ficando, com isso, pacificado o entendimento de que a sentença que fixa os alimentos faz coisa julgada.

Como a obrigação alimentar, de modo geral, dilata-se por longos períodos de tempo, é comum ocorrer o aumento ou a redução quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentando. Portanto, são freqüentes as ações revisionais, o que, no entanto, não afronta a imutabilidade do decidido. A possibilidade revisional leva à falsa idéia de que a decisão sobre alimentos não é imutável.

Transitada em julgado a sentença que estabelece a obrigação alimentar, atinge a condição de coisa julgada material, não podendo novamente esta questão ser reexaminada3. Em se tratando de relação jurídica continuativa, a sentença tem implícita a cláusula rebus sic stantibus, e a ação revisional é outra ação, tem objeto próprio e diferente causa de pedir. Diante de nova situação fática, não pode prevalecer decisão exarada frente a distintas condições das partes. Aliás, tal ressalva está expressa na lei, no mesmo artigo 15: "[...] pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados".

O estatuto processual, ao disciplinar a coisa julgada, estabelece que nenhum juiz decidirá questões já decididas (CPC, art. 471, I) salvo se, tratando-se de relações jurídicas continuativas, sobrevier modificação no estado de fato ou de direito. Assim, a sentença que decide sobre os alimentos passa em julgado em relação à situação de fato existente no momento em que é pronunciada, cessando seu efeito preclusivo quando, por eventos supervenientes, possa considerar-se alterado o estado de fato ou de direito precedentemente acertado4. A sentença revisional não deixa de considerar a decisão judicial anterior: apenas adapta o valor dos alimentos aos novos fatos. Portanto, a sentença que decide alimentos faz, sim, coisa julgada.

A ação revisional de alimentos deve ser lastreada em fatos ocorridos após a origem da obrigação alimentar, ou seja, com base em fatos supervenientes. É o que diz de forma unânime a doutrina5. Se não ocorre alteração quer das possibilidades do alimentante, quer das necessidades do alimentando, o valor dos alimentos não pode ser alterado, exatamente por esbarrar na coisa julgada. Somente mediante a prova da ocorrência de mudança na situação de qualquer das partes, é possível alterar o valor dos alimentos. Proposta ação revisional, e não comprovada mudança na situação das partes, as demandas não são aceitas: são julgadas improcedentes ou são extintas, sem julgamento do mérito, pelo reconhecimento da ocorrência de coisa julgada (CPC, art. 265, V)6.

Tudo isso decorre do princípio da proporcionalidade: a fixação dos alimentos deve atentar às necessidades de quem os reclama e às possibilidades do obrigado de prestálos (CC, art. 1.694, § 1º). Havendo alteração nesse parâmetro, possível é, a qualquer tempo, revisar-se o valor da pensão alimentícia (CC, art. 1.699). Tais modificações, como provocam afronta ao que se passou a chamar de trinômio proporcionalidade/necessidade/possibilidade7, autorizam a busca de nova equalização do valor dos alimentos. A exigência de obedecer a este verdadeiro dogma é que permite buscar a revisão (para mais ou para menos) ou a exoneração da obrigação alimentar. Portanto, o que autoriza a...

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