Proteção de dados pessoais e os prontuários médicos de crianças e adolescentes

AutorTaisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de Sá
Páginas329-345
17
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
E OS PRONTUÁRIOS MÉDICOS
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Taisa Maria Macena de Lima
Doutora e Mestre em Direito Civil (UFMG). Professora no Curso de Graduação em
Direito e no Programa de Pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito na PUC
Minas. Desembargadora Federal do Trabalho. Ex-bolsista do DAAD – Serviço alemão
de intercâmbio acadêmico. Membro do IBERC e da AJUCH-BH.
Maria de Fátima Freire de Sá
Doutora (UFMG) e Mestre (PUC Minas) em Direito. Professora no Curso de Graduação
em Direito e no Programa de Pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito na PUC
Minas. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Médico e Bioética do
IEC/PUC Minas. Pesquisadora no Centro de Estudos em Biodireito – CEBID. Membro
do IBERC e da AJUCH-BH.
Sumário: 1. Introdução – 2. Lei geral de proteção de dados pessoais e dados sensíveis – 3. Prontuário
físico e eletrônico do paciente – 4. A proteção de dados de saúde de crianças e adolescentes e sua
dimensão documental – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Foi amplamente divulgado pela mídia o caso de uma menina de dez anos de idade
que engravidou do tio, que dela abusava, desde que tinha seis anos. Uma criança que
vivia na companhia dos avós e que nada podia dizer sobre os estupros sofridos, sob
pena de perder aqueles que a criavam. Se dissesse alguma coisa, ele [o tio] mataria
seu avô. Foram quatro anos de violência e silêncio. Quatro anos de uma infância
roubada, até que o sintoma de uma dor abdominal fez sua avó levá-la ao hospital e
ali foi revelada a gravidez.1
Essa narrativa é trazida para revolver o papel dos pais, dos prof‌issionais de saúde,
da mídia e da sociedade na proteção dos vulneráveis.
Além da violência sexual sofrida dentro de sua casa, essa criança teve seus dados
sensíveis amplamente divulgados, o que levou a uma comoção popular. Ativistas
tiveram conhecimento do nome da paciente, do médico e do hospital onde se faria o
1. MENINA de 10 anos engravida após estupro; suspeito é o tio e está foragido. Istoé, Rio de Janeiro, 14 ago.
2020. Geral. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/17/menina-de-10-anos-
estuprada-pelo-tio-no-es-tem-gravidez-interrompida.ghtml. Acesso em: 02 ago. 2021.
EBOOK INFANCIA ADOLESCENCIA E TECNOLOGIA.indb 329EBOOK INFANCIA ADOLESCENCIA E TECNOLOGIA.indb 329 17/05/2022 16:14:4017/05/2022 16:14:40
TAISA MARIA MACENA DE LIMA E MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ
330
procedimento de interrupção da gravidez e ali, à frente do estabelecimento hospita-
lar, ergueram suas vozes contra o aborto, a despeito da legalidade do procedimento
médico.
A maneira desastrada como foram tratados os dados pessoais sensíveis da criança
expõe a necessidade de harmonização de marcos regulatórios para a proteção dos
direitos da personalidade, em especial os referentes aos dados de saúde contidos em
prontuário, físico ou eletrônico.
Nesse texto, abordaremos a dimensão documental do direito à saúde de crianças
e adolescentes, tendo como parâmetros a Lei Geral de Proteção de Dados, a Lei do
Prontuário Eletrônico e as normas legais protetivas da infância e da adolescência.
2. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E DADOS SENSÍVEIS
A Lei 13.709/2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD,
possui sessenta e cinco artigos divididos em dez capítulos. Diante de sua amplitude,
f‌ixar-nos-emos nos aspectos mais relevantes para a tutela dos direitos da criança e do
adolescente, especialmente os dados sensíveis de saúde na sua dimensão documental.
A LGPD volta-se para o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios di-
gitais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado com o
objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre
desenvolvimento da pessoa natural, enunciado em seu art. 1º. Tal proteção não foi
estendida à pessoa jurídica.
Foram adotados como fundamentos da disciplina da proteção de dados pessoais:
o respeito à privacidade; a autodeterminação informativa; a liberdade de expressão,
de informação, de comunicação e de opinião; a inviolabilidade da intimidade, da
honra e da imagem; o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; a livre
iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e os direitos humanos, o
livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas
pessoas naturais (art. 2º).
Como todo microssistema jurídico tem sua própria principiologia, o art. 6º da
Lei destaca a boa-fé, enunciando mais dez princípios a serem observados nas ativi-
dades de tratamento de dados pessoais. Para ser f‌iel aos parâmetros legais, abaixo,
transcrevemos o disposto no art. 6º2:
Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes
princípios:
I - nalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, especícos, explícitos e infor-
mados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas
nalidades;
2. BRASIL. Lei 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Of‌icial
da União, Brasília, 14 ago. 2018.
EBOOK INFANCIA ADOLESCENCIA E TECNOLOGIA.indb 330EBOOK INFANCIA ADOLESCENCIA E TECNOLOGIA.indb 330 17/05/2022 16:14:4017/05/2022 16:14:40

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT