A proteção jurídica dos segredos industriais e de negócio

AutorJoão Marcos Silveira
Páginas150-159

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I - Introdução

Assim como o sistema de patentes, as normas que tutelam os segredos industriais ou de negócio também constituem fatores de incentivo a investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento, na medida em que protegem os resultados dessas atividades.

Com o sistema de patentes o Estado incentiva o desenvolvimento e a divulgação de inovações técnicas ou tecnológicas de utilidade e aplicação industrial mediante a outorga, em contrapartida, de direitos exclusivos de exploração das invenções por um determinado período de tempo.

O interesse subjacente a esse escambo, assim como a sua eficiência em induzir à realização de esforços inventivos e à divulgação dos respectivos resultados, dependem intrinsecamente da garantia da liberdade de concorrência e da exploração de tecnolo-gias não patenteadas. A sujeição da paten-teabilidade aos requisitos de novidade e atividade inventiva é uma indicação clara de que a livre exploração das ideias é a regra, da qual a proteção conferida pela patente é uma exceção, sendo certo que, após a expiração de seu prazo de vigência, pas-sa seu objeto necessariamente ao domínio público, podendo ser livremente explorado por quem o deseje.

A garantia da proteção dos segredos industriais ou de negócio constitui igualmente um incentivo ao desenvolvimento tecnológico e económico, com a diferença que, neste caso, por não haver a divulgação das inovações à sociedade, não oferece o Estado a proteção especial representada pela patente. Sua tutela, ademais, destina-se a garantir a lealdade e a honestidade nas relações concorrenciais.

Por certo, a possibilidade de opção pela proteção de uma invenção como segredo de negócio ou por patente ou da utilização dos dois sistemas de proteção de forma complementar representa incentivo ainda maior a investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento.

O presente estudo procurará, sem a pretensão de exaurir o tema, discorrer acerca dos elementos e natureza jurídica do segredo industrial ou de negócio, indicar vantagens e desvantagens da opção da proteção como segredo ou por patente, bem como abordar alguns aspectos relacionados às formas contratuais de prevenção ou transmissão do segredo e às medidas dis-

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poníveis em nosso sistema jurídico, para coibir a sua violação.

Para os fins deste trabalho, utilizaremos a "expressão "segredos de negócio" como género que compreende os segredos comerciais e industriais ou de fábrica, ou seja, todo o conjunto de informações sigi-losas ou confidenciais relacionadas às ati-vidades empresariais em geral, sejam industriais, comerciais ou de prestação de serviços, e que lhes conferem alguma vantagem competitiva.

II - Definição, elementos e natureza jurídica do bem protegido

O segredo de negócio pode consistir em conhecimentos técnicos, experiências, fórmulas, processos de fabricação, métodos, listas e informações de clientes, técnicas de comercialização, marketing, custos, formação de preços e outras espécies de dados confidenciais relativos ao desempenho de atividades empresariais. Em todos ós casos, tratar-se-á de um elemento incorpóreo sigiloso suscetível de aplicação prática que confere uma vantagem competitiva a seu detentorenquantó de conhecimento restrito, motivo pelo qual devem ser adotadas medidas pfotêtivas rigorosas contra a sua revelação.

O Uniform Trade Secrets Act (ao qual doravante designaremos simplesmente UTSA), lei, padrão promulgada em 1979 nos Estados Unidos que buscou codificar os princípios básicos estabelecidos pela common law com relação à proteção dos trade,secrets e adotada em grande parte dos estados norte-americanos, assim define o segredo de negócio:

"Trade secret means information, in-cluding a formula, pattern, compilation, prògram, de vice, method, technique, or pro-cess, that:

"(i) derives independent economic valíie, actual or potential, from not being genérally knówn to, and not being readily ascertainable by proper means by, other persons who can obtain. economic válue. from its disclosure or use, and

"(ii) is the subject of efforts that are reasonabíe under the circumstances to maintain its secrecy."

O Restatement of the Law Third - Unfair Competition, ed. 1994, elaborado pelo American Law Institute, que consolida princípios da common law e normas legais relativas à concorrência desleal conforme a jurisprudência firmada nos Estados Unidos, formula a seguinte definição:

- "A trade secret is any information that can.be used in the operation of a business or other enterprise and that is sufficiently valuable and secret to affòrd an actual or potential economic advantage o ver others."

A partir dessa definição, ò Restatement identifica os seguintes requisitos para que uma informação seja suscetível de prote-çãò como trade secret:

Valor. O trade secret deve representar um valor na operação de um negócio ou atividade empresarial, propiciando uma vantagem económica efetiva ou potencial com relação a terceiros que hão possuam a informação.

Caráter sigiloso. Para que se qualifique como um trade secret, a informação deve ser sigilosa. Não se exige que se trate de úm sigilo absoluto, nem que se caracte-rize a novidade exigida para fins de paten-teabilidade, achando-se atendido o requisito se for demonstrado ser difícile custoso a terceiros obter a informação sem recurso a meios ou condutas ilícitas.

Adoçãò de precauções para manter o sigilo. A adoção de medidas e precauções com vistas à manutenção do sigilo é fator relevante para que a informação sejapassí-vel de proteção como trade secret. Tais precauções podem consistir em barreiras físi-cas ao acesso ou em outras medidas de segurança,.tais como a limitação da divulgação da informação apenas às pessoas que necessitem conhece-la, celebração de contratos ou termos de confidencialidade com as pessoas a quem seja franqueado o aces-

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so à informação, sinais ou outros avisos apostos nos documentos que ressaltem seu caráter confidencial etc.

Embora a legislação brasileira não formule uma definição de segredo de negócio, alguma indicação pode ser extraída do disposto no art. 195, incisos XI e XII, da Lei de Propriedade Industrial 9.279/96:

"Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (...); XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude."

Com base na definição inicialmente adotada, nas oferecidas pelo UTSA e pelo Restatement, e nos dispositivos acima transcritos da Lei 9.279/96, podemos identificar cinco elementos básicos do segredo de negócio:

  1. seu conteúdo ou objeto, consistente em informações relacionadas com o desempenho de atividades empresariais industriais, comerciais ou de prestação de serviços;

  2. sua utilidade, devendo tratar-se de uma informação passível de aplicação na atividade empresarial;

  3. seu valor económico, devendo o segredo de negócio propiciar uma vantagem competitiva ao seu detentor;

  4. seu caráter sigiloso ou restrito, já tendo sido visto que não há...

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