Provano direito e na ciência: uma comparação

AutorMaria Francisca Carneiro
CargoDoutora em Direito (UFPR) Pós-doutora em Filosofia (Universidade de Lisboa) Membro da Italian Society for Law and Literature, do International Journal for Law, Language & Discourse e do Scientific & Academic Publishing
Páginas6-9

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"In mathematical research, the purpose ofproofis to convince. The test ofwhether something is aproof is whether it convinces qualified judges. In the classroom, on the otherhand, the purpose of proof is to explain. Enlightened use of proofs in the mathematics classroom aims to stimulate the students' understanding, not to meet abstract standards of 'rigor' or 'honesty'. " (Reuben Hersh)

1. Introdução: prova, verdade e multifacetação

Tanto o direito como a ciência fundamentam-se na ideia de prova, para ob-ter um resultado tido como "verda-deiro". No decurso da sua evolução histórica, a sistematização jurídica da prova - no caso, prova processual - calcou-se no modelo positivista da ciência, consolidado no século XVIII. Na verdade, o direito "em-prestou" o modelo de prova vigente na ciência, naquele período.

Houve, porém, que o conceito de prova no âmbito científico evoluiu enormemente nos últimos séculos, multifacetando-se e desdobrando-se em várias possibilidades mais complexas, outras mais sutis e outras ainda inusitadas. No âmbito jurídico, contudo, o conceito de prova permanece, por assim dizer, inalterado em sua concepção oitocentista.

Neste breve escrito, tencionamos propor uma reflexao comparativa sobre o conceito de prova no direito e na ciência, indagando as possíveis razões do descompasso entre um e outra.

2. O conceito de prova na filosofía, na ciência e no direito

Para a filosofía, prova é o "proce-dimento apto a estabelecer um saber, isto é, um conhecimento válido"1. Nesse sentido, é um conceito mais amplo do que a mera demonstra-ção, a qual produziria uma simples convicção, sem o necessário teor de "verdade", que seria inerente à pro-va. Segundo Aristóteles, "quando se acha que o que foi dito não pode ser refutado, acredita-se ter apresen-tado uma prova"2.

Com o desenvolvimento e o ulterior estabelecimento do paradigma científico positivista, o conceito de prova desdobrou-se de algo puramente racional para algo que deveria ser experimentado, vale dizer, que pudesse ser objetivado por métodos empíricos ou práticos, mas que fos-sem testados e, em consequência, provados ou não, por meio desse próprio empirismo, capaz de lhe outorgar, assim, um caráter de "con-cretude". Nesse sentido, a prova não é mais simplesmente "uma cadeia de comparações intuitiva de ideias, através da qual se pode estabelecer, por meios puramente racionais, um princípio ou uma máxima"3, como definía a filosofía antiga; mas pas-sa a ser aquilo que possa adquirir credibilidade objetiva por meio da experimentação, do teste e da prá-tica. É nesse momento da história do pensamento que se consolida o direito moderno, de cujo bojo de ideias torna-se então copartícipe e do qual empresta, então, o conceito de prova positivista, assimilado pelos ordenamentos jurídicos e presente na consentânea acepção de Estado Democrático de Direito.

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Assim, o modelo científico de prova objetiva e positiva permaneceu inalterado no âmbito jurídico - não obstante a inegável evolução do di-reito, em inúmeros segmentos - en-quanto que, no âmbito científico, os modelos de prova desenvolveram-se, multiplicaram-se, multifacetaram-se e se tornaram plurais, de acordo com os diferentes paradigmas científicos e, portanto, em conformidade com o próprio avanço da ciência, para a qual os diferentes paradigmas podem ser entendidos como exemplos com-partilhados4.

Desse modo, podem ser encontrados, atualmente, modelos probatórios científicos compatíveis, por exemplo, com as teorias de sistemas, regulação, de autorreferência e de auto-organização; caos, com-plexidade e bifurcações, flutuacoes, irreversibilidade e reversão do espa-ço-tempo; dualismo, antagonismos, inconsistências e contradições; mecânica quântica e indiscernibilidade; holografia; relativismo; teorias do irracional etc.5

No direito, contudo, a prova é intrinsecamente relacionada à de-monstração, e continua sendo clas-sicamente entendida como a "de-monstração que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude do qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado (...) A força da prova objetiva ou pro-va material, produzindo a prova subjetiva ou convicção, é que forma integralmente a prova jurídica, gerando os efeitos pretendidos, isto é, os de estabelecer uma demons-tração inequívoca acerca dos fatos alegados ou afirmados"6. Assim, não obstante o decantado "fim das certezas"7, a prova jurídica funda-menta-se na ideia de certeza e o processo judicial materializa a sua busca e consecução. Para exempli-ficar, vejamos a letra do art. 155 do CPP, ipsis: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em...

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