Provas atípicas e efetividade do processo

AutorJoão Batista Lopes
CargoDoutor em Direito e Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado da PUC/SP. Desembargador aposentado. Consultor Jurídico e parecerista
Páginas389-402

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Introdução

A importância do estudo dos meios de prova para a efetividade da jurisdição é inquestionável e, por isso, ganha relevo o tema das chamadas provas atípicas (meios não previstos expressamente no ordenamento, mas cuja admissibilidade é decorrência do sistema probatório).

Consoante o art. 332 do vigente CPC:

"Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa".

A amplitude admitida no preceito legal constituiu inovação relativamente ao Código de 1939, que abrangia somente as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais. Page 390

A exemplo do Código de 1939, orientação restritiva foi adotada também pelo Código Civil de 2002, que se inclinou pela tipificação dos meios de prova ao prescrever, no art. 212:

Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante:

I - confissão;

II - documento;

III - testemunha;

IV - presunção;

V - perícia

Para logo, chama a atenção do intérprete o silêncio do legislador civil em relação a um dos mais tradicionais meios de prova (o depoimento pessoal) e a falta de técnica ao incluir a presunção no elenco do citado art. 212.

Com efeito, o depoimento pessoal constitui importante meio de prova de que se vale a parte, na audiência, notadamente quando ausentes outros elementos de convicção. E a presunção não é um meio de prova, mas uma operação mental (raciocínio) pelo qual, partindo-se de fato conhecido e provado, chega-se ao fato cuja existência se quer demonstrar (fato probando).

Críticas à parte, mais útil será indagar do sentido e alcance prático das provas atípicas, o que se tentará fazer nos itens seguintes.

1. Provas típicas e atípicas

Pelo princípio da tipicidade, só são admitidos os meios de prova previstos na legislação. Tal orientação, como vimos, foi adotada no Código de 1939 e no Código Civil de 2002.

Em sentido oposto, o princípio da atipicidade, acolhido no Código de 1973, significa admissibilidade de todos os meios de prova (previstos, ou não, na legislação, Page 391 desde que moralmente legítimos). Assim, o sistema abarca não só as provas típicas, mas também as atípicas.

Sobre o conceito de provas atípicas escrevemos em outra sede:

"Sob a denominação provas atípicas tem a doutrina, especialmente a italiana, discutido a admissibilidade de provas não previstas no ordenamento jurídico ou obtidas de forma irregular, ainda que lícita.

Autores como ANDOLINA e VIGNERA entendem que o princípio geral da liberdade de provar é projeção da garantia constitucional do direito à prova.

COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, em obra recente, anotam que a jurisprudência se vale, frequentemente, de provas atípicas, como escritos provenientes de terceiros, declarações extrajudiciais, o comportamento extraprocessual das partes, as perícias particulares etc.

(...)

Não se cuida de enfrentar o dilema numerus clausus-numerus apertus, porque a lei brasileira se filia claramente ao princípio da liberdade da prova.

Também não se trata de discussão sobre a admissibilidade dos meios modernos de captação ou reprodução dos fatos (fotografia, cinematografia, gravações fonográficas etc.) expressamente admitidos no art. 383 do CPC.

O tema deve comportar outra perspectiva: saber se, além das hipóteses em que a lei, implícita ou explicitamente, admite determinados meios de prova, outras ainda existem a merecer acolhimento pelos operadores do direito.

BARBOSA MOREIRA (...) apontou algumas situações que espelham precisamente o problema ora em discussão: as declarações fornecidas por terceiros; o comportamento das partes e das testemunhas fora do processo; os indícios e as presunções; a prova emprestada." 1 Page 392

A especial atenção dedicada pela doutrina às provas atípicas justifica-se à luz da moderna concepção do princípio do contraditório, que não se exaure no binômio informação-reação, mas inclui o direito à prova, assim entendido:

a) o direito de indicar os meios pertinentes para demonstrar a existência dos fatos alegados;

b) o direito de produzir efetivamente as provas pertinentes e adequadas ao caso;

c) o direito de demonstrar que as provas produzidas pelo adversário não são concludentes ou idôneas;

d) o direito à valoração da prova segundo critérios técnicos admitidos pelo sistema. 2

Em sentido semelhante, JOAN PICÓ I JUNOY, em monografia que constitui referência no estudo do tema, aponta os aspectos principais do direito à prova, a saber:

i) o direito a que se admita toda prova que respeite os limites legais de proposição;

ii) o direito de ver a prova admitida ser praticada, ou seja, ser efetivamente produzida;

iii) o direito à valoração motivada da prova produzida. 3

Assentada a relevância do tema, cumpre discorrer sobre algumas das provas atípicas e verificar em que medida elas contribuem para o esclarecimento dos fatos e, como corolário, para a efetiva tutela de direitos, o que se fará no item seguinte. Page 393

2. Alguns exemplos de provas atípicas

Incursão pela doutrina autorizada permite, desde logo, apontar os exemplos mais comuns de provas atípicas: a prova emprestada, as declarações de terceiros e as perícias extrajudiciais. Também se pode cogitar do comportamento das partes, no processo e fora dele, como elemento de convicção para julgamento da lide. Ainda se poderiam incluir no elenco as notícias ou entrevistas divulgadas na mídia, cuja análise, porém, deve ser feita em separado.

a) Prova emprestada

Conquanto se possa pôr em dúvida se, tecnicamente, a prova emprestada se inclui entre as provas atípicas - em verdade, cuida-se mais propriamente da forma ou modo pelo qual uma prova (típica ou atípica) ingressa nos autos, e não de uma espécie diversa de prova - nada impede seja ela estudada como tal, presente a circunstância de não estar prevista expressamente, no ordenamento, sua admissibilidade.

O clássico LESSONA, após pôr em relevo que, sob o aspecto estritamente moral, as provas colhidas em outros juízos não deveriam ser recebidas, justifica a admissibilidade da prova emprestada invocando necessidades de ordem prática. 4

Além das necessidades de ordem prática, razões de ordem jurídica recomendam a admissibilidade das provas atípicas, presente a preocupação com a efetividade do processo, como veremos mais adiante.

A admissibilidade da prova emprestada tem sido proclamada pela...

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